Condições de trabalho em escolas técnicas e formação do trabalhador em saúde
Condiciones de trabajo en escuelas técnicas y formación del trabajador en la salud
Working conditions in technical schools and training of health workers
Adriana Katia Corrêa, Maria José Clapis, Rosana Aparecida Pereira
Destaques
Destaca-se a precarização das relações de trabalho de professores no cenário das políticas neoliberais.
Além de condições precárias nas escolas públicas e privadas, agentes privados influenciam em políticas públicas.
As peculiaridades organizativas das ETSUS limitam o reconhecimento da profissão docente.
Resumo
O objetivo é apresentar uma análise acerca de aspectos das condições de trabalho em instituições que ofertam cursos técnicos da área da saúde no estado de São Paulo e suas relações com a formação dos trabalhadores. Estudo qualitativo, histórico-dialético, envolvendo 10 escolas. Apesar de situações regulamentadas, há precarização das relações de trabalho; contrato como monitores; divisão do trabalho entre professores da teoria e da prática, conforme vínculos empregatícios. A estrutura física e os recursos materiais, no geral, respondem às normativas. Predominam compromissos da maioria das escolas com a manutenção das relações sociais do modo de produção capitalista.
Palavras-chave
Educação Profissional. Educação. Condições de trabalho. Docentes. Saúde.
Recebido: 24.12.2022
Aceito: 31.03.2023
Publicado: 08.05.2023
Introdução
Os cursos técnicos que compõem o eixo ambiente e saúde, previstos no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (Brasil, 2020a), representam posição de destaque no número de matrículas na educação profissional técnica de nível médio (EPTNM), modalidade da educação básica. Esse eixo responde por 29,35% do total de matrículas nessa modalidade de ensino. As matrículas da enfermagem correspondem a 62,68% do total de cursos técnicos da área da saúde (Brasil, 2020b). Os cursos técnicos formam a maioria dos trabalhadores que prestam cuidados à saúde da população, com ênfase na enfermagem. Os trabalhadores da enfermagem representam, no Brasil, cerca de 70,2% em relação aos demais enquanto que: médicos ocupam 15,7%; dentistas 9,0%; e farmacêuticos 4,9% (Organização Pan-Americana da Saúde [OPAS], 2021).
Apesar da representatividade desses trabalhadores, os desafios são inúmeros no que tange à sua formação. A EPTNM na área da saúde insere-se na história da educação profissional no Brasil. São marcantes as origens assistencialista, disciplinadora e a dualidade estrutural (Romanelli, 2012; Caires & Oliveira, 2016), o que se relaciona à separação entre trabalho manual e trabalho intelectual, sendo o primeiro sujeito a preconceitos que se associam, dentre outros aspectos, a condições fragilizadas dos processos formativos, incluindo a formação e as condições de trabalho dos professores. Cabe também considerar que a EPTNM na área da saúde vem sendo prioritariamente ofertada pela rede privada (Wermelinger et al., 2020). Essa situação acaba por colocar em questão a contradição entre formar trabalhadores para atuação em campo profissional que precisa se voltar para as necessidades sociais, destacando-se a importância que os técnicos têm no fortalecimento do SUS como política pública e o atendimento estreito à lógica do mercado.
Essa contradição vem acirrando-se cada vez mais à medida que, desde os anos 1990, no Brasil, as políticas educacionais, incluindo as que direcionam a EPTNM, pautam-se sob as premissas do ideário neoliberal. Mudanças nos processos produtivos e nas relações sociais no mundo do trabalho, no contexto de expansão do modo de produção capitalista, com a internacionalização do capital e o reordenamento do papel do Estado, acabam por fragilizar as políticas sociais, nos países periféricos, conduzindo a medidas privatizantes essenciais no modelo neoliberal. As políticas para a EPTNM assentam-se sobre essas questões.
Questões essas que precisam ser conhecidas e analisadas pelos professores, uma vez que, dialeticamente, apesar de subsumidos ao capital, seu trabalho é estratégico para o fortalecimento de uma visão contra-hegemônica (Moura, 2014). Os projetos de formação, assim, são colocados em ação por sujeitos concretos nas escolas reais que se inserem em cenário político-econômico e social, envolvendo, dentre outras dimensões, as condições de trabalho:
Parte-se do conceito de condições de trabalho em geral, presente na obra de Marx que trata sobre processo de trabalho. A noção de condições de trabalho designa o conjunto de recursos que possibilitam a realização do trabalho, envolvendo as instalações físicas, os materiais e insumos disponíveis, os equipamentos e meios de realização das atividades e outros tipos de apoio necessários, dependendo da natureza da produção. Contudo, as condições de trabalho não se restringem ao plano do posto ou local de trabalho ou à realização em si do processo de trabalho […] diz respeito também às relações de emprego. As condições de trabalho se referem a um conjunto que inclui relações, as quais dizem respeito ao processo de trabalho e às condições de emprego (formas de contratação, remuneração, carreira e estabilidade). A relevância em se discutir o tema está baseada no conhecimento dos efeitos das condições em que os trabalhadores exercem suas atividades sobre eles próprios e sobre os resultados almejados. (Oliveira, 2010, s.p.)
Este estudo parte das seguintes questões: como as condições de trabalho que envolvem os professores se apresentam em escolas que ministram cursos técnicos da área saúde no estado de São Paulo? Quais são as suas implicações para o processo formativo dos trabalhadores? O objetivo deste texto é apresentar uma análise acerca de aspectos das condições de trabalho em algumas instituições que ofertam cursos técnicos da área da saúde no estado de São Paulo e suas relações com a formação dos trabalhadores, na EPTNM.
Método
Este artigo é fruto de um Projeto Regular Fapesp – n.º 2019/06374-6, cujo foco geral é a formação dos trabalhadores técnicos em saúde, no estado de São Paulo. Trata-se de estudo qualitativo, em perspectiva histórico-dialética, envolvendo pesquisa em campo, com visita a unidades de ensino e entrevistas semiestruturadas (Cellard, 2012) com gestores (coordenadores de cursos, diretores de escola, responsáveis técnicos, conforme a estrutura administrativa de cada instituição) e professores. Essas visitas e entrevistas foram conduzidas pela pesquisadora responsável, em 2022. Todas as entrevistas com gestores, exceto uma, foram de modo presencial e com os professores, exceto uma delas, por via remota, por uma plataforma. Apenas uma coordenadora de curso não permitiu a gravação. Foi ainda respondido, previamente às entrevistas, um questionário estruturado, on-line, pelos gestores, com o intuito de obtenção de dados de caracterização geral do curso, tendo função de ser um disparador para as entrevistas, bem como de apoiar a delimitação de dados formais de caracterização do curso, incluindo informações que se relacionam a condições de trabalho, foco deste estudo.
Foram envolvidas 10 escolas, sendo cinco públicas e cinco privadas, incluídas a partir do seguinte critério: terem ofertado, nos últimos cinco anos (considerando o ano inicial de desenvolvimento da pesquisa em 2020), no mínimo, um dos cursos que estão dentre os mais ofertados e que têm maior número de matrículas no estado: enfermagem, radiologia, farmácia, nutrição e dietética (Corrêa et al., 2022). Participaram escolas pertencentes às Escolas Técnicas Estaduais (ETECs) – Centro Paula Souza e à Rede de Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde (ETSUS), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e outras escolas privadas, contemplando a capital e o interior. Foram inclusos: cursos técnicos em enfermagem das 10 escolas; cursos técnicos em radiologia de duas escolas privadas; curso técnico em nutrição e dietética de uma escola pública e de uma instituição privada; e curso técnico em farmácia de uma instituição privada.
Foi feito contato com direção ou órgão representativo de cada escola para apresentação da proposta deste estudo e realização de convite formal. Em seguida, foram contatados os coordenadores de cursos, conforme a estrutura administrativa, direção, coordenador de área, responsável técnico. Havendo o aceite, foram solicitados os planos de curso (que contém o projeto político-pedagógico), o regimento escolar e outros que o gestor considerasse serem relevante. Enquanto a documentação era analisada, foi encaminhado o questionário on-line ao gestor designado em cada escola.
Em 2022, foram feitas as visitas às escolas, sendo realizada no mesmo dia, a entrevista com gestor. Os dados dos questionários já tinham sido analisados e ajudavam a aprofundar as questões e esclarecer pontos que passavam a incorporar o roteiro já elaborado. As visitas seguiam um roteiro norteador quanto à estrutura física e recursos, o que também foi explorado nas entrevistas. Os dados das visitas foram sistematizados de modo descritivo e articulados aos trechos das entrevistas que se referiam especificamente às condições estruturais das escolas. As entrevistas foram transcritas na íntegra e posteriormente realizada a análise de conteúdo (Bardin, 2016). O conjunto de dados foi relacionado às condições de trabalho docente como categoria fundamental, considerando o cenário do mundo do trabalho nas escolas que ofertam cursos técnicos em saúde, no contexto político-econômico e social marcado pelas relações de produção capitalistas, com base no ideário neoliberal. Isso supõe privilegiar as categorias mediação, contradição e totalidade (Kosic, 1976). Foram feitas algumas relações entre as condições de trabalho, foco deste artigo, e a formação do trabalhador técnico distanciada da perspectiva emancipadora.
Tendo em vista as fases de questionário e as entrevistas em conjunto, participaram 23 gestores (10 do setor privado e 13 do público) e foram entrevistados também 23 professores (13 do setor público e 10 do setor privado). Dentre os gestores, a maioria foi constituída por enfermeiros, em um total de 14, com participação também de uma assistente social, duas nutricionistas, um farmacêutico, dois tecnólogos em radiologia (um deles também com graduação em educação física) e outros três com formação inicial externa ao campo da saúde, mas com cursos de especialização e/ou mestrado na área. Apenas uma das coordenações não tem nenhuma formação na área da saúde. Quanto aos professores, além de 18 enfermeiros, participaram: uma psicóloga, dois farmacêuticos, uma nutricionista e um pedagogo. A participação prioritária de enfermeiros ocorre por ser esse o curso com maior oferta e matrículas. Foi diverso o tempo de atuação desses trabalhadores variando de seis meses a 24 anos. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Aspectos gerais em relação aos cursos técnicos envolvidos
Predomina a oferta no período noturno, com a presença prioritária de alunos trabalhadores. A oferta de cursos é mais ampla nas instituições privadas, chegando a 12 turmas com 400 alunos em uma das escolas. Os estágios são obrigatórios nos cursos técnicos de enfermagem e radiologia e optativos nos cursos de farmácia e nutrição e dietética.
Sobre as condições de trabalho
Nas escolas públicas, os vínculos de trabalho dos gestores foram: oito empregados públicos, cujo regime é regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); e dois servidores públicos estatutários, duas com cargo comissionado e uma sem vínculo empregatício formal que atuou em ETSUS. Nas escolas privadas, estão presentes: 10 profissionais com CLT. Dos gestores, sete trabalham em outro local - serviços de saúde, instituição de ensino superior e técnica privada ou atuação na mesma rede em outra unidade escolar. Uma coordenadora do setor privado está aposentada, tendo trabalhado até então também em serviço de saúde concomitantemente à escola. Outra de escola pública, logo que respondeu ao questionário, aposentou-se.
Quanto aos professores entrevistados, dos 10 da rede privada, seis têm contrato CLT por tempo indeterminado e quatro atuam sem vínculo formal de trabalho, recebendo por hora/aula. Dos 13 da rede pública, seis têm vínculo de empregado público CLT com contrato por tempo indeterminado, três com mesmo vínculo, porém com contrato por prazo determinado e quatro sem vínculo formal de trabalho (hora/aula).
Nas escolas públicas que fazem parte do Centro Paula Souza, há o vínculo como empregado público CLT, com entrada institucional por concurso ou processo seletivo, havendo, pois, aqueles com tempo indeterminado e outros com tempo determinado, o que foi salientado apenas nas entrevistas; nas ETSUS, há contrato temporário como prestador de serviço e sem vínculo – pagamento por hora/aula, com seleção por processo seletivo ou convite. Nas instituições privadas, são indicados contrato CLT, contrato temporário como prestador de serviço e sem vínculo – pagamento por hora/aula. Um dos gestores de uma das escolas da rede privada apenas mencionou a existência de convite aos professores, sem qualquer forma de contrato. Foi possível apreender que em algumas escolas privadas há um quadro fixo mais enxuto que atua, principalmente, em sala de aula, com contrato CLT e um número grande de profissionais que supervisionam estágios, tendo vínculo precário.
No setor privado, três professores têm outro emprego, dois estão aposentados do serviço de saúde e dois outros professores têm uma empresa educacional ou fornecem serviço de cuidado particular. No setor público, duas professoras que têm vínculo CLT por tempo indeterminado e dois professores com CLT por tempo determinado que também atuam em outro local. Uma outra professora, celetista com contrato por tempo indeterminado, é sócia em uma empresa privada de saúde e outros três de ETSUS também têm duplo emprego. Duas professoras de escolas públicas são aposentadas de serviços de saúde. O quadro a seguir faz uma síntese desses aspectos.
Quadro 1
Aspectos das condições de trabalho dos participantes gestores e professores
Contratos de trabalho |
Rede pública |
Rede privada |
Gestores |
8 empregados públicos CLT; 2 servidores públicos estatutários; 2 cargo comissionado; 1 sem vínculo empregatício formal (ETSUS) |
10 empregados públicos CLT |
Professores |
6 empregados públicos CLT indeterminado; 3 empregados públicos CLT (prazo determinado); 4 sem vínculo formal (hora/aula) |
6 com contrato CLT prazo indeterminado; 4 sem vínculo formal (hora/aula) |
Gestores/Professores e outro emprego |
5 gestores e 7 professores |
2 gestores e 3 professores* |
* Houve maior acesso a professores de sala de aula com contrato CLT por prazo indeterminado.
Fonte: as autoras.
A partir das entrevistas, no que se refere às condições de trabalho (vínculos e outras especificidades), foram configuradas três temáticas, sendo a primeira dividida em três subcategorias, que mostram vivências e formas de lidar com as condições de trabalho pelos gestores e professores das escolas. Foram identificados como entrevistado/a (E), seguido do número da entrevista, idade em anos e profissão.
Categoria 1 – Os vínculos empregatícios e suas fragilidades
As instituições públicas também foram apontadas como cenário marcado pela precarização das relações de trabalho. Considerando a não realização de concursos públicos, faz-se presente o contrato por tempo determinado. Alguns gestores e professores também se referiram ao sistema de classificação adotado pela instituição, que é determinante na atribuição de aulas, deixando entrever uma política que gera instabilidade.
1a – Ausências de concursos e contratos por tempo determinado na escola pública
Eu sou indeterminado, mas eu sou CLT […] há professores que são contratados por tempo determinado […] Determinado significa que eu tenho aulas em substituição […] (Entrevistada 2 – E2, 49, nutricionista licenciada)
A gente teve concurso até 2000 […] e ficava por prazo indeterminado […] Só processo seletivo […] os determinados mudam sempre […] (E3, 61, enfermeira licenciada)
[…] Como a gente é celetista, vamos supor que não tem aula para todo mundo. Estou em décimo lugar, sou a última […] Se não sobrar aula, dá rescisão de contrato […] (E29, 53, enfermeira)
A gente tem uma classificação para a escolha na atribuição. Quanto mais pontos eu tiver, mais em cima eu fico. Eu consigo escolher a aula e o horário (E29, 53, enfermeira)
1b – Contratos por tempo determinado, prestadores de serviços e a divisão de trabalho entre os professores
Tanto na rede pública e, principalmente, na rede privada, apreende-se nas falas, uma relação entre o vínculo trabalhista e a organização do trabalho pedagógico na escola, sendo marcante uma fragmentação entre professores de “teoria” e professores de “estágios”. Há falas (E9, E34) que mostram a magnitude dessa divisão mesmo em termos quantitativos. A fala E31 representa uma concepção que responsabiliza individualmente o professor pelo risco de o trabalho transformar-se em mero bico. De modo geral, a precarização das relações de trabalho foi apenas constatada. Somente na fala 6, apreende-se certo questionamento pelo fato da não existência de nenhum documento que comprove a inserção de dado professor nas atividades de estágio:
[…] o professor vai acompanhar os alunos em estágio […] não emite nenhum tipo de certificado de vínculo […] (E6, 37, enfermeira licenciada)
[…] por necessidade, trabalhando com a metade da equipe praticamente CLT e nos momentos de estágio a gente conta com os prestadores de serviço (E9, 55, licenciada em outra área)
[…] A aula teórica fica para quem está mais em cima […] não tenho interesse em aula teórica […]. Eu gosto da parte prática (E28, 27, enfermeiro)
[…] quando a gente busca professor externo para acompanhar estágio, que alguns […] acha que dar aula é um bico, então isso é ruim […]eu acho ruim esse docente que tem esse pensamento […] o contrato dessas pessoas é outro […] são autônomos (E31, 55, enfermeira licenciada)
Hoje nós temos em média 10 professores CLT, 40 no total, 30 prestadores […] (E34, 40, enfermeira)
1c – O pagamento por hora-aula
As falas a seguir são representativas da informalidade e do pagamento por hora/aula, tanto na instituição privada como pública, no caso nas ETSUS, considerando a sua organização fundamentada na inserção de profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) como professores.
A gente ganha por aula dada. A gente não tem vínculo empregatício […] passa seus dados só […] (E14, 56, enfermeira)
Ele vai receber por horas/aula […] ele não assina um contrato (E20, 49, graduada em outro campo profissional, com especializações na área da saúde)
É mais fácil eu pegar um enfermeiro que é da instituição e pagar uma hora a mais […] é do hospital [...] e a gente paga hora de ensino […] (E 21, 57, nutricionista)
Categoria 2 – A intensificação do trabalho e a dupla jornada
As falas a seguir enfocam a visão dos entrevistados quanto ao número insuficiente de professores, a não existência de carga horária para planejamento e a necessidade de atuação em mais de um emprego, o que vai se encaminhando para a consideração da sobrecarga:
[…] O que tem acontecido é que a gente está com um grupo bem reduzido. (E6, 37, enfermeira licenciada)
[…] tá com um déficit de professores […] tem pouco tempo pra […] planejamento […] acaba tendo que trabalhar muito fora do local […] (E26, 40, farmacêutico)
[…] os professores do noturno, normalmente, têm outro emprego […] acho que todos têm (E21, 57, nutricionista)
Categoria 3 – De professor a monitor
Professores de uma única escola privada referem-se à contratação como monitor e não professor, o que é associado, por eles, à docência na EPTNM e ao sindicato ao qual necessariamente estão vinculados. Constatam a situação, mas não a questionam:
[…] eu sou Monitor de Educação Profissional […] A nossa função é exatamente a mesma […] é outro sindicato, são outros benefícios, enfim, a parte legislativa […] para o curso técnico, não há exigência de professor […] quando você tem um professor, você tem mais encargos […] como o [nome da escola] essencialmente, é curso técnico, oneraria muito a empresa […] eu não sei te explicar (E22, 36, farmacêutica)
[…] É alguma coisa educacional, mas não é docente […] nunca me preocupou […] (E26, 40, farmacêutico)
Sobre as instalações físicas e outros recursos: o que apontam as visitas e os olhares dos gestores e professores
Na maioria das instituições, tanto públicas como privadas, a área física é ampla. Apenas em uma das escolas privadas, que é a única que tem somente a oferta do curso técnico em enfermagem, há um espaço geral mais reduzido (se comparado às demais). Provavelmente, a área física também tem relação com a quantidade de cursos ofertados e alunos matriculados. As escolas pertencentes ao Centro Paula Souza fazem parte da rede do estado de São Paulo que oferta ensino médio e cursos de EPTNM de vários eixos tecnológicos. Duas instituições privadas da capital ofertam os cursos técnicos na mesma área física onde também são oferecidas graduação e pós-graduação. As escolas pertencentes às ETSUS funcionam como sedes, já que a oferta de cursos ocorre por meio de salas descentralizadas. Mas, nessas sedes, também são ministrados cursos técnicos e outros para profissionais como atividades que se integram à secretária de saúde. O Senac envolvido também tem ampla oferta, na mesma estrutura, de cursos variados – livres, técnicos, ensino médio técnico, EPTNM de vários eixos tecnológicos e especializações.
As salas de aulas têm estrutura, contando, no geral, com computador, datashow, acesso à internet e, em alguns locais, contam também com TV e lousa digital. Em uma das escolas públicas, o professor precisa levar seu notebook pessoal e uma das professoras considera o espaço não suficiente. Na escola privada que oferta apenas o curso técnico em enfermagem há mais restrições como, por exemplo, a acústica não adequada e o espaço físico que, conforme o número de alunos da turma, fica mais reduzido. Em duas escolas privadas da capital que pertencem à mesma mantenedora, as salas têm um tratamento acústico específico, têm piso carpetado e há um design modernizado, incorporando, provavelmente, um cuidado com a estética e o conforto diferenciado em relação às demais.
Um dos aspectos muito relevantes na EPTNM diz respeito à necessidade de laboratórios que aproximem os alunos dos cenários reais de trabalho. Em todas as escolas participantes que ofertam curso técnico em enfermagem há pelo menos o laboratório para o ensino dos procedimentos que se inserem nos cuidados. Na visita, não foi possível buscar detalhamento quanto aos equipamentos e materiais desses laboratórios, mas foi possível apreender que em todas as escolas, exceto em uma das privadas cujo laboratório é bastante deficitário, há manequins de baixa e média fidelidade. O tamanho dos laboratórios e os equipamentos têm algumas variações mesmo dentro de escolas que pertencem à mesma rede, tanto pública como privada. Uma coordenadora de curso técnico em enfermagem de uma escola privada menciona que, apesar da estrutura excelente do laboratório, o número de alunos por turma é grande, considerando a capacidade do local. Entrevistados de um curso técnico em enfermagem de mesma escola pública apontam tanto aspectos favoráveis como limites em relação ao mesmo laboratório, o que mostra também relação, provavelmente, com outras experiências vividas e expectativas diferentes:
[…] temos um laboratório muito bem equipado e com constante reposição de materiais […] diversos manequins […] planta física muito boa […] acomoda bem os alunos […] (E3, 61, enfermeira licenciada)
[…] A gente tem um laboratório que precisa de uma reformulação […] troca de materiais […] é um problema já crônico (E18, 37, enfermeira licenciada)
Ainda na esfera pública, entrevistados de outra escola pertencente à mesma rede da escola apontada anteriormente pontuam, com satisfação, os avanços com a recente mudança estrutural do laboratório de enfermagem, o que vai demarcando diferenciações presentes em cada instituição, provavelmente não apenas em termos de recursos (já que pertencem à rede com mesma política), mas de gestão local:
[…] Laboratório de enfermagem, a partir deste semestre […] está muito bonito, amplo, está equipado. Mas antes […] era um laboratório super pequeno, sem janela […] (E16, 42, enfermeira)
Nas escolas onde há cursos de nutrição e dietética, farmácia e radiologia, os laboratórios específicos foram considerados adequados pelos entrevistados, apesar que uma das coordenadoras de um curso de instituição pública ao mesmo tempo enfoca alguns limites:
[…] eu sinto que é uma infraestrutura muito boa pro nível técnico […] eles manipulam muito mais do que eu manipulei na faculdade […] (E22, 36, farmacêutica)
[…] O laboratório aqui é bem completo […] é um aparelho hospitalar, não é um simulador […] a maioria dos equipamentos […] são tirados do hospital, doados aqui para o centro universitário […] (E38, 37, tecnólogo em radiologia médica)
[…] cozinha quente; panificação/confeitaria e bar/restaurante completos e com suprimentos suficientes […] (E40, 45, nutricionista)
Há uma situação peculiar relacionada ao ensino em laboratório em escola que oferta cursos por salas descentralizadas, mas fica claro que convênios com outras instituições têm ajudado:
[…] se eu não tivesse convênio com a [NOME DA UNIVERSIDADE] eles não iam ter […] como vou ensinar o aluno a aspirar uma ampola […] se eu não tenho onde fazer? […] (E11, 40, enfermeira).
[…] falta […] material de consumo […] Precisa ter. É uma Escola de Enfermagem, né? […] (E23, 28, enfermeiro licenciado)
A gente consegue fazer boas parcerias […] com as universidades próximas […] para usar os seus laboratórios […] (E39, 50, pedagogo)
Em uma das escolas privadas, o laboratório foi mencionado por todos os professores entrevistados como um limite significativo, apresentando estrutura física deficitária que interfere sobremaneira na organização do trabalho pedagógico, com implicações para a formação:
[…] é muito sucateado […] aí você fica ensinando […] aqui é assim, mas não pode mais ser […] é muito ruim ensinar dessa forma […] (E14, 56, enfermeira)
Uma problemática recorrente, na maioria das escolas, refere-se à conservação de equipamentos conforme a existência ou não de uma estrutura de apoio suficiente. Alguns entrevistados se referiram ao limite imposto pela não existência de profissional que cuide dos laboratórios, o que inclui também a ideia de que a sua manutenção e a organização para os momentos de atividades teórico-práticas ficam totalmente a cargo do professor, o que é questionado, na medida em que é preciso dispender mais tempo de trabalho não remunerado:
[…] eu não conheço nenhuma escola […] que o laboratório não tem uma pessoa que fica responsável por ele e aqui, financeiramente, não tem condição […] (E8, 55, enfermeira)
[…] poderia ter um investimento maior, ter alguém mais técnico […] não o professor ter que ir antes para […] arrumar o laboratório […] (E13, 43, enfermeiro)
[…] não tem ninguém no laboratório […] eu tenho que organizar […] não é algo que eu ganho […] (E14, 56, enfermeira)
Somente uma das escolas da rede pública e outra da rede privada têm profissional contratado para apoio ao laboratório. Em outra escola privada, há o apoio de alunos monitores bolsistas da própria instituição e, em uma unidade pública, uma docente refere-se a um projeto que já existiu, incluindo docente e aluno monitor bolsista.
Nas escolas que funcionam junto a outros cursos de graduação de outras áreas da saúde, há também laboratórios de anatomia e multidisciplinar que podem ser usados pelos alunos dos cursos técnicos. Em todas as escolas também há laboratório de informática. Nas instituições que ofertam cursos técnicos que envolvem a informática e outros de mesmo eixo tecnológico têm esses espaços bem organizados e eles podem ser usados pelos alunos da área da saúde nos momentos formais de aulas. Quanto ao acesso a computador e internet, pelos alunos, para além dos momentos de aulas, há variações maiores entre as escolas, mas em todas há essa possibilidade, contudo, com maiores condições nas instituições privadas, exceto em uma delas (E13, 43, enfermeiro): “A internet é muito ruim […] faltando ali um investimento mais na parte tecnológica”.
Todas as escolas têm uma biblioteca, mas há muita variação em termos do espaço físico, do acervo e da organização. Em escolas de uma das redes públicas, as entrevistadas indicam limites:
[…] o [NOME DA ESCOLA] ainda não dispõe de acesso a bibliotecas e bases de dados e periódicos […] (E18, 37, enfermeira licenciada)
A nossa biblioteca está escassa […] eu dou muita referência de artigo […] livro que eu baixo em PDF (E25, 66, enfermeira)
As escolas privadas que fazem parte de uma rede têm bibliotecas mais amplas e com política de renovação frequente de acervo, principalmente aquelas onde há também oferta de graduação. Contudo, não fica muito claro se, de fato, os alunos têm espaços no cronograma de atividades e orientações suficientes para uso efetivo da biblioteca.
Todas as escolas têm espaços de convivência que possibilitam, inclusive, que os alunos se alimentem. Nas escolas do Centro Paula Souza, que fazem parte da rede estadual, há refeitório e são servidas refeições. Em todas as demais escolas, exceto na escola privada que oferta apenas o curso técnico em enfermagem, tem algum espaço onde o aluno tem acesso a forno micro-ondas e, há uma escola privada que disponibiliza um espaço de descanso privativo a aluno que esteja na escola em período anterior à aula. Em todas as escolas, exceto na instituição privada que somente oferta curso técnico em enfermagem, há sala coletiva de professores com acesso a computador e internet, com variações de tamanho de área física e número de equipamentos.
Considerando o conjunto da estrutura e dos recursos, é essencial considerar as diversidades quanto aos investimentos, o que também foi comentado nas entrevistas: nas ETSUS não há um orçamento próprio para a educação profissional, havendo a dependência a projetos do Ministério da Saúde ou do estado. Na rede privada participante, exceto na instituição que apresenta limites estruturais, apreende-se, pelas condições apresentadas, maiores investimentos.
Condições de trabalho no atual cenário neoliberal e as implicações para a EPTNM em saúde
Considerando os dados apontados no que tange às formas de contratação dos professores na EPTNM na área da saúde, em momentos históricos anteriores, já existiam relações precárias (Bassinello & Silva, 2005; Frozoni & Souza, 2013). É necessário, todavia, enfocar a realidade contextualizada no cenário de mudanças no mundo do trabalho que vem se configurando desde os anos 1990, no Brasil, com a intencionalidade de ampliar a extração do sobre trabalho, fortalecendo as relações precárias, em prejuízo dos direitos sociais (Antunes, 2015). Provavelmente, as origens históricas do trabalho docente na EPTNM na área da saúde possam até ajudar na naturalização dessas relações que, no cenário atual, tendem a se agravar.
Essas mudanças têm como origem, mundialmente, a crise estrutural do capitalismo de base taylorista-fordista que leva a amplo movimento de reestruturação produtiva comandado pelo capital financeiro, tendo por base o ideário neoliberal e intensificado pelo avanço tecnológico digital. Ao mesmo tempo, está em processo o desemprego estrutural, o que implica que trabalhadores mais disponíveis sejam obrigados a aceitar um labor, independente das suas condições, direitos e regulamentações. Assim, vão sendo ampliadas a flexibilização, a informalidade, a terceirização, a intermitência, incluindo o trabalho uberizado, cuja expansão envolve também, por exemplo, médicos, enfermeiros, professores, dentre outros (Antunes, 2022).
No Brasil, mais recentemente, nos 1990, foram lançadas legislações como a Lei do Contrato de Trabalho por Tempo Determinado 9.601/98, regulamentada pelo Decreto n.º 2.490/98 (Brasil, 1998; Finamor Neto, 2016) e a atual reforma trabalhista em curso por meio da Lei n.º 13.467, de 13 de julho de 2017 (Brasil, 2017). Cabe destacar a nova gestão pública como desdobramento das políticas neoliberais, voltada para os resultados eficientes, operando pela lógica meritocrática, pelos mecanismos de privatização de empresas estatais, incluindo ainda a instalação da lógica mercantil em todo o tecido da esfera pública (Silvia & Richter, 2022).
Estudo voltado para uma das redes públicas que também se faz presente neste estudo aponta que a gestão democrática do ensino público, indicada na atual Constituição Federal, tem sido substituída por um modelo de gestão advindo da administração empresarial, centrando-se em planejar-executar-verificar-agir. Há evidências de frágeis espaços democráticos e abertura ampla da participação dos agentes privados, interferindo nas políticas curriculares (Moraes et al., 2022).
A precarização das relações de trabalho se faz presente tanto na rede pública como na rede privada. Apesar da existência de contratos CLT em algumas escolas privadas, pelas entrevistas, foi possível apreender a existência de um quadro CLT enxuto e a contratação precarizada de muitos professores, considerando, inclusive, a presença de escolas com muitas turmas de alunos. No setor público, está presente a contratação por tempo determinado. Associam-se o acúmulo de empregos, cabendo lembrar que é predominante a oferta de cursos no período noturno, o que tem implicações para a vida dos professores. E, na condição de empregado público regido pela CLT, a atribuição de aulas a partir de um sistema de pontuação (São Paulo, 2015) que classifica os professores vai mostrando também a presença da instabilidade.
Uma situação carregada de contradições refere-se às condições de trabalho nas ETSUS. A finalidade de formar o trabalhador do SUS tem sido de vital importância para o fortalecimento do sistema e da valorização do trabalhador. Todavia, as peculiaridades organizativas dessas escolas, que funcionam por meio de salas descentralizadas e com o pagamento de hora/aula, são limitantes no que tange ao reconhecimento da profissão docente. Sem negar que a atuação do profissional que está inserida no serviço de saúde pode contribuir para a formação do trabalhador técnico, essa atuação precisa ainda ser melhor analisada no âmbito das condições de trabalho e da formação docente, pois há sérias implicações que vêm fortalecendo a fragilização da profissionalização.
Nessa direção, também chama a atenção a contratação de professores designados monitores em uma das escolas privadas envolvidas, o que encontra respaldo em legislações não mais vigentes e em atuais sobre a formação de professores para a EPTNM que historicamente materializam políticas frágeis. Dentre os contratados como monitores, há profissionais graduados e, inclusive, com licenciatura na área. Apreende-se, pois, uma estratégia que tem relação com a desqualificação dos vínculos trabalhistas e com a remuneração. Nessa mesma direção da fragilidade, há de se considerar também a problemática do notório saber que tem impactos deletérios na profissionalização do trabalho docente (Machado, 2021).
Um aspecto que precisa ser considerado refere-se à lógica que está presente, sobretudo na rede privada, de que a supervisão de estágio será feita pelos professores prestadores de serviços. Há uma visão que desarticula a teoria e a prática, que enfoca a teoria como aquilo que cabe ao professor da sala de aula e a prática como algo mais próximo do fazer e, nessa divisão, associam-se os vínculos de trabalho diferenciados: CLT na sala de aula e prestadores de serviços nos estágios. Situação essa que não foi questionada pelos participantes. Essa forma de organização fragiliza a compreensão do trabalho a partir da práxis, compreendendo que entre teoria e prática: “[…] trata-se de uma diferença - no seio de uma unidade indissolúvel. Por isso, devemos falar, sobretudo, de unidade entre teoria e prática e, nesse marco, da autonomia e dependência de uma com relação à outra” (Vázquez, 2011). Há ênfase nos cursos técnicos que têm estágio em relação à importância dos chamados momentos práticos, mas isso se distancia do sentido do trabalho como princípio educativo, embasando-se na concepção de que o trabalho fornece subsídios para o ser humano se desenvolver de forma produtiva, científica e culturalmente, devolvendo ao sujeito a consciência das implicações das divisões sociais e técnicas da força produtiva na sociedade.
Apesar de não ter sido foco deste texto, a organização do trabalho pedagógico no cenário pautado pelas condições precárias de trabalho aliada à formação fragilizada ou mesmo inexistente predominante na EPTNM tendem a fortalecer a formação do trabalhador com foco no mercado (Machado, 2021). As condições de trabalho dos professores estão inseridas no cenário capitalista e respondem à lógica vigente das relações flexíveis de trabalho, tanto no que concerne ao próprio exercício docente como na perspectiva de formar o trabalhador técnico para a mesma lógica. Kuenzer (2011) aponta o caráter flexível da força de trabalho, no qual importa menos a qualificação prévia do que a adaptabilidade, demandando subjetividades disciplinadas, que se alinhem à dinamicidade, instabilidade e fluidez presentes nas relações de trabalho.
As condições predominantes nas quais os professores atuam nas escolas técnicas terão implicações na formação do trabalhador técnico. A atuação de muitos professores por meio de vínculos precários – que gera instabilidade, duplo emprego, sobrecarga, formas fragmentadas de organização do trabalho pedagógico e a vivência, por alguns, de limites estruturais da escola – dificulta a construção coletiva de um projeto de formação que avance na direção da emancipação, que contribua para sólida formação ético-política e técnica.
As condições estruturais das escolas, no geral, são adequadas considerando indicativos normativos (Brasil, 2020a; São Paulo, 2022a; 2022b), nos quesitos mínimos que precisam ser inseridos nos planos de cursos e garantidos, seja na própria instituição ou cedidos por outra, como a infraestrutura física e tecnológica, incluindo biblioteca, laboratórios e equipamentos. O atual Catálogo Nacional do Cursos Técnicos (Brasil, 2020a), no que diz respeito ao curso técnico em enfermagem, além da indicação de biblioteca, laboratório para procedimentos e de informática, preconiza a existência de laboratórios de anatomia e fisiologia, o que somente é encontrado, neste estudo, nas escolas que funcionam no mesmo espaço onde são ofertadas graduações da área da saúde (Brasil, 2020b; São Paulo, 2022a; 2022b). O mesmo documento (Brasil, 2020a) também indica, além dos espaços básicos mencionados, para o curso de técnico em farmácia, a observância de laboratórios de química e microbiologia e, para o curso técnico de nutrição e dietética, laboratório de anatomia (também não presentes nas escolas visitadas). Os laboratórios são espaços pedagógicos muito importantes na formação na área da saúde, incluindo a EPTNM. Apreende-se que, em uma das escolas privadas, a inadequação desse espaço implica preocupações e insatisfações da parte dos professores, com provável repercussão limitadora no processo formativo.
Pela observação da estrutura física e pelas falas dos entrevistados, são apreendidas diversidades quanto aos investimentos, havendo maiores limitações para o âmbito público, mas também, no setor privado. Uma das escolas que apenas oferta técnico em enfermagem tem dificuldades estruturais evidentes e que impactam no trabalho pedagógico e na formação dos trabalhadores, como apreendido nas entrevistas. Essa escola não faz parte de nenhuma grande rede com mantenedora fortalecida no mercado, o que é observado nas demais instituições privadas envolvidas. Em especial, as ETSUS, nos últimos anos, dada a política calcada no ideário neoliberal vigente, enfrentam o subfinanciamento pelo governo federal e/ou órgãos gestores de estados e municípios (Bonfim et al., 2017).
Um ponto essencial consiste em tomar as condições físicas, incluindo equipamentos e outros recursos, como condição sine qua non para que o processo formativo possa acontecer de modo efetivo e sem desgaste dos professores. Entretanto, não podem ser vistas nelas mesmas sem referência a uma finalidade, na medida em que tais condições são instrumentos que podem estar a serviço de projetos de educação e sociedade diversos. Desse modo, emergiram limites nos investimentos públicos em relação às ETSUS cujo projeto de formação poderia contribuir para a manutenção e fortalecimento do SUS, com impacto social. Ao mesmo tempo, são perceptíveis os investimentos na estrutura em escolas da rede privada que têm na sua finalidade a formação explícita para o mercado de trabalho e, mais ainda, para incrementar também a formação de trabalhadores para as redes hospitalares que pertencem à mesma mantenedora, no cenário privatista da saúde.
A relação entre investimentos e rede privada não pode ser generalizada, pois este estudo também trouxe à tona escola com menos investimentos estruturais e que precariza os espaços formativos, com provável dificuldade até mesmo para a garantia da formação adequada na sua dimensão técnica básica. Do mesmo modo, ainda, há rede de escola pública que apresenta alguns limites, mas menos agravados como na escola privada anteriormente comentada, contudo, tem na sua organização, impactante influência privatista na gestão e definição curricular, como comentado no texto.
Conclusão
Destaca-se a precarização das relações de trabalho nas redes pública e privada. Tendo em vista os gestores participantes, é predominante o vínculo de trabalho CLT por tempo indeterminado, contudo, quanto aos professores, há diversidade com presença de CLT por tempo indeterminado e determinado, prestador de serviço até a ausência de vínculo formal. Alguns participantes têm mais de um emprego, incluindo, de modo mais pontual, professores que também são proprietários de empresa, mostrando o movimento na direção do empreendedorismo, o que pode ser compreendido como a busca por melhores condições de vida, todavia, fortalecendo o setor privatista da saúde e da educação. Há referência à sobrecarga de trabalho e, em uma das redes privadas, contratação como monitor.
Entende-se, pois, o predomínio de compromissos da maioria das escolas participantes com a manutenção das relações sociais vigentes no modo de produção capitalista. As condições de trabalho, inseridas nesse cenário, respondem à lógica das relações flexíveis, tanto no que tange ao exercício docente como na perspectiva de formar o trabalhador técnico para a mesma lógica, distanciada da formação emancipadora. Analisar com criticidade e confrontar coletivamente essa lógica demanda formação docente diferenciada, o que é desafio face às fragilidades das políticas públicas de formação de professores para a EPTNM.
Quanto à estrutura física e outros recursos, ficam evidentes, nas falas e nas visitas, alguns limites em escolas públicas, em especial nas ETSUS. São consideráveis os investimentos em escolas pertencentes a grandes redes privadas. Há também escola privada com limites estruturais que tendem a prejudicar a formação. É fundamental que a estrutura física e os recursos sejam considerados em relação à proposta formativa dos cursos que pode estar a serviço de projetos de educação e sociedade diversos.
Alguns limites podem ser apontados sem, contudo, desqualificar o alcance deste estudo: apesar de várias tentativas, não foi possível acesso a outras escolas privadas que ofertam muitos cursos e, empiricamente, tem-se noção de seus limites estruturais. Não houve a adesão de professores do curso técnico em radiologia às entrevistas.
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Adriana Katia Corrêa
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil
https://orcid.org/0000-0003-1496-6108
Doutora em enfermagem pela Universidade de São Paulo (USP) (2000). Professora Associada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP.
Maria José Clapis
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-2896-3808
Doutora em enfermagem pela Universidade de São Paulo (USP) (1997). Professora Sênior da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP.
Rosana Aparecida Pereira
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil
https://orcid.org/0000-0001-9389-3300
Doutora em ciências da saúde pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo(USP) (2022). Lider do Capítulo Institute for Healthcare Improvement Open School da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP.
Contribuição na elaboração do texto: autora 1 – concepção e coordenação do desenvolvimento da pesquisa, aplicação de entrevista / questionário e realização de visita in loco, análise de dados; redação e revisão da versão final do manuscrito. Autora 2 – apoio no desenvolvimento da pesquisa – sistematização e análise de dados quantitativos e revisão do manuscrito. Autora 3 – apoio no desenvolvimento da pesquisa, participação nas visitas in loco e sistematização dos dados e revisão do manuscrito.
El objetivo es presentar un análisis acerca de aspectos de las condiciones de trabajo en instituciones que ofertan cursos técnicos del área de la salud en el estado de São Paulo y sus relaciones con la formación de los trabajadores. Estudio cualitativo, histórico-dialéctico, involucrando 10 escuelas. A pesar de situaciones reguladas, hay precarización de las relaciones de trabajo; contrato como monitores; división del trabajo entre profesores de la teoría y de la práctica, conforme vínculos empleadores. La estructura física y recursos materiales, en general, responden a las normativas. Predominan compromisos de la mayoría de las escuelas con la manuntención de las relaciones sociales del modo de produción capitalista.
Palabras clave: Educación Profesional. Educación. Condiciones de Trabajo. Docentes. Salud.
This article aims to present an analysis regarding the working conditions aspects in institutions that offer technical courses in the healthcare field in the state of São Paulo and their relationships with the training of workers. It is a qualitative, dialectical, and historical study involving ten schools. Despite the regulated situations, there is the insecurity of working relationships; contracts as instructors; division of work between theory and practice teachers, according to employment relationships. The facilities and material resources, in general, respond to the requirements. The commitments of most of the schools are primarily to the maintenance of social relationships of the capitalist mode of production.
Keywords: Professional Education. Education. Working Conditions. Faculty. Health.
Linhas Críticas | Periódico científico da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, BrasilISSN eletrônico: 1981-0431 | ISSN: 1516-4896http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas
Referência completa (APA): Corrêa, A. K., Clapis, M. J., & Pereira R. A. (2023). Condições de trabalho em escolas técnicas e formação do trabalhador em saúde. Linhas Críticas, 29, e46374. https://doi.org/10.26512/lc29202346374
Referência completa (ABNT): CORRÊA, A. K.; CLAPIS, M. J.; PEREIRA R. A. Condições de trabalho em escolas técnicas e formação do trabalhador em saúde. Linhas Críticas, v. 29, e46374, 2023. DOI: https://doi.org/10.26512/lc29202346374
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