Artigo

Estudantes de Pedagogia em estágio não obrigatório: reflexões para a formação docente

Estudiantes de Pedagogía en prácticas no obligatorias: reflexiones para la formación docente

Pedagogy students in non-mandatory internship: reflections for teacher training


Ludmilla Carneiro Araujo[i]

Centro Universitário Governador Ozanam Coelho

Ubá, MG, Brasil

ludaraujo55@gmail.com

https://orcid.org/0000-0002-9705-2565

Simone de Almeida Braga[ii]

Centro Universitário Governador Ozanam Coelho

Ubá, MG, Brasil

simonebraga.07@gmail.com

https://orcid.org/0000-0001-5576-7178

Bruno Venancio[iii]

Universidade Federal Fluminense

Niterói, RJ, Brasil

brunovenanciob@gmail.com

https://orcid.org/0000-0001-7122-2733

Os autores contribuíram igualmente na elaboração do manuscrito.

Recebido em: 26/07/2022

Aceito em: 17/10/2022

Publicado em: 20/10/2022

Linhas Críticas | Periódico científico da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Brasil

ISSN: 1516-4896 | e-ISSN: 1981-0431

Volume 28, 2022 (jan-dez).

http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas

Referência completa (APA):

Araujo, L. C., Braga, S. de A., & Venancio, B. (2022). Estudantes de Pedagogia em estágio não obrigatório: reflexões para a formação docente. Linhas Críticas, 28, e44357. https://doi.org/10.26512/lc28202244357

Link alternativo:

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Licença Creative Commons CC BY 4.0.


Resumo: Objetivamos investigar os desafios das estagiárias, estudantes de Pedagogia, que atuaram nas escolas de um município de uma cidade no interior de Minas Gerais. Realizamos uma pesquisa, por meio de questionários, com as estudantes que fizeram o estágio não obrigatório neste mesmo programa. Para este estudo, nos apoiamos em autoras, tais como: Pimenta, Borssoi, Lima, Rosa, Weigert e Souza. São muitos os desafios e dificuldades encontrados, como a falta de aporte teórico, uma vez que estão em períodos iniciais do curso. Apesar disso, percebemos oportunidades de conhecimentos para a formação profissional.

Palavras-chave: Formação de Professores. Estágio. Experiência.

Resumen: Nuestro objetivo es investigar los desafíos de los pasantes, estudiantes de Pedagogía, que trabajaban en escuelas de la ciudad de una ciudad del interior de Minas Gerais. Realizamos una encuesta, a través de cuestionarios, a los estudiantes que realizaron la pasantía no obligatoria en este mismo programa. Para este estudio, nos apoyamos en autoras como: Pimenta, Borssoi, Lima, Rosa, Weigert y Souza. Son muchos los retos y dificultades encontradas, como la falta de sustento teórico, ya que se encuentran en los períodos iniciales de la carrera. A pesar de eso, percibimos oportunidades de conocimiento para la formación profesional.

Palabras clave: Formación de profesores. Prácticas. Experiencia.

Abstract: We aim to investigate the challenges of interns, Pedagogy students, who worked in schools in the city of a city in the interior of Minas Gerais. We conducted a survey through questionnaires for students who did the non-mandatory internship in this same program. For this study, we rely on authors such as: Pimenta, Borssoi, Lima, Rosa, Weigert and Souza. There are many challenges and difficulties encountered, such as the lack of theoretical support, since they are in the initial periods of the course. Despite that, we perceive knowledge opportunities for professional training.

Keywords: Teacher Training. Internship. Experience.




Introdução

O estágio é fundamental para desenvolver e aprimorar os conhecimentos durante a formação acadêmica, sendo de extrema importância para a formação de graduandas[4] do curso de Pedagogia, pois ele possibilita a articulação teórico-prática em campo, oportunizando a vivência e agregação de conhecimentos à futura professora.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), no seu artigo 61, parágrafo único, estabelece que, para a formação de profissionais da educação, será necessária “II – a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e capacitação em serviço” (Brasil, 1996). Diante disso, nota-se a relevância das experiências vivenciadas no estágio, sendo estas exigências fundamentais à formação do educador.

O estágio obrigatório exigido pelo Ministério da Educação (MEC) foi regulamentado pela Lei n.º 11.788, que, em seu 1º artigo, define o estágio como ato educativo escolar supervisionado (Brasil, 2008). Ele é apresentado como requisito fundamental para a formação dos acadêmicos, pois os conhecimentos adquiridos somente pela teoria não são suficientes para exercer o ofício.

O estágio não obrigatório, por sua vez, é optativo e pode ser considerado uma atividade investigativa, a qual abrange a reflexão e a intervenção no âmbito escolar. Segundo Tiscoski e Bittencourt (2017), ele pode promover o engrandecimento da percepção cultural escolar, ao conciliar a teoria à prática docente, tornando possível uma reflexão. Freire (1996) também afirma que é indispensável para a formação da professora uma reflexão crítica sobre a prática, possibilitando que a docente analise e aperfeiçoe seus conhecimentos. Diante disso, nota-se que esse estágio pode trazer muitos benefícios à graduanda, acrescentando experiências relevantes à sua formação.

Diante disso, este estudo traz como objetivo geral investigar os desafios das estagiárias, alunas de Pedagogia de uma Instituição de Ensino Superior no interior de Minas Gerais. Nesse sentido, propomos analisar como e se foram oferecidas capacitações para a inserção das alunas no programa de estágio. Buscamos analisar as principais dificuldades enfrentadas pelas estagiárias nas escolas e relatar a realidade vivenciada por elas. A prefeitura da cidade possui um programa para a contratação de estagiárias, que são enviadas para diversas escolas todos os anos. Para ingressar nesse programa, a estudante deve passar por um processo seletivo, por meio de uma prova, que a classifica em uma lista de aprovados. É um estágio remunerado, sendo, portanto, muito atrativo para muitos discentes. Diante disso, com o intuito de investigar o funcionamento desse programa nas escolas, apresentamos os seguintes questionamentos: Quais são os desafios enfrentados pelas estagiárias contratadas? Quais as contribuições desse estágio para a construção de conhecimentos necessários à formação das futuras professoras?

 

O estágio (não) obrigatório e a formação de professoras

O estágio é parte fundamental dos cursos de licenciatura, considerado uma das etapas imprescindíveis para a formação da professora. Sem a realização do estágio, a estudante não consegue concluir sua graduação, pois é apontado como uma obrigatoriedade pela LDBEN (Brasil, 1996). Segundo Fontana (2013), o estágio curricular se faz necessário para desenvolver e aprimorar os conhecimentos sobre a cultura e o funcionamento escolar, sendo uma atividade muito relevante ao processo de formação da futura professora.

A LDBEN estabelece, no seu artigo 61, que são considerados aptos a atuar na educação básica “I- professores habilitados em nível médio ou superior para a docência em educação infantil e nos ensinos fundamental e médio” (Brasil, 1996). A referida lei afirma que a habilitação em nível médio na modalidade normal é a formação mínima exigida para o exercício da função em Educação Infantil e nos quatro primeiros anos do Ensino Fundamental. Entretanto, pontua que a habilitação para atuação também se dá pela formação em cursos de licenciatura de graduação plena. De acordo com o parecer do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno (CNE/CP) 21/2001:

A licenciatura é uma licença, ou seja, trata-se de uma autorização, permissão ou concessão dada por uma autoridade pública competente para o exercício de uma atividade profissional, em conformidade com a legislação. A rigor, no âmbito do ensino público, esta licença só se completa após o resultado bem-sucedido do estágio. (Brasil, 2001, p. 2)

Ainda de acordo com o parecer, denota-se que o estágio obrigatório na formação docente é uma norma de grande importância não apenas na formação das pedagogas, mas em todos os cursos de licenciatura. A licenciatura traz uma licença para atuação na docência, ressaltando a importância de se cumprir com excelência o estágio, que possibilita uma aproximação à realidade encontrada nas escolas.

Conforme Freire (1996) e Pimenta e Ghedin (2006), é notável a relevância da prática articulada à teoria, pois os dois saberes são indissociáveis, visto que se complementam e auxiliam no desenvolvimento da criticidade. São saberes necessários por apresentarem grande valor formativo no processo de graduação. Assim, como o estabelecido pela LDBEN, o estágio é uma norma, uma atividade curricular obrigatória, e cabe à instituição de Ensino Superior acompanhar, avaliar, ressaltar sua relevância e dar aporte para seu cumprimento (Brasil, 1996).

Para validar e efetivar o estágio, a Lei n.º 11.788 aponta que a graduanda deve cumprir as fases da observação, regência e a elaboração do relatório final, no qual deve conter os registros do período vivenciado no estágio (Brasil, 2008). De acordo com Borssoi (2008), é a partir da observação que se consegue suporte para elaboração da regência e é por ela que a graduanda experiencia a rotina escolar. Ainda nesse contexto, Silva e Gaspar (2018) afirmam que a experiência da observação e participação possibilita um olhar mais atento e crítico aos acontecimentos nesse ambiente, trazendo percepções que, em outros contextos, não seriam notadas. Nesse sentido, as autoras declaram que a fase da observação oportuniza um melhor desenvolvimento da regência.

De acordo com Pimenta e Lima (2019), o estágio obrigatório, se bem aproveitado, pode servir de suporte para a vivência profissional docente, expandindo e aprofundando os saberes pedagógicos e as práticas. Todavia, as autoras ressaltam o fato de alguns estudos apontarem que a temática não é vivenciada com a devida importância e afirmam que, “Os estudos sobre os cursos de licenciatura têm evidenciado que nem sempre coordenadores, professores e alunos percebem esse valor formativo como oportunidade de ir além e de superar uma simples observação, participação e regência na sala de aula” (Pimenta & Lima, 2019, p. 10). Diante disto, nota-se que algumas estagiárias veem o estágio apenas como uma atividade que é necessária para sua formação, e não como uma oportunidade de experienciar as diversas possibilidades de abranger os conhecimentos que a prática como estagiária pode acrescentar a sua formação profissional.

Ainda de acordo Pimenta e Lima (2019), percebe-se a existência de um problema em relação ao estágio que, em alguns casos, é realizado de forma insatisfatória, quando a estudante o faz apenas por obrigação, sem aproveitar ao máximo as oportunidades que ele oferece para a sua formação. Segundo afirma Borssoi (2008, p. 8), para a formação eficaz do profissional da educação, é necessária uma “busca constante, não apenas do saber, mas também do fazer”. Nesse sentido, Borssoi (2008) afirma o que foi apontado por Pimenta e Lima (2019), pois a estudante não deve realizar o estágio apenas para cumprimento do que é obrigatório, mas ir além, buscando experiências acerca de sua futura profissão.

Segundo define a Lei n.º 11.788, o estágio obrigatório é uma exigência para que a graduanda possa efetivar sua formação, diferente do estágio não obrigatório, cujo cumprimento é uma opção e a carga horária obtida pode ser computada à carga horária regular e obrigatória (Brasil, 2008). Assim, durante o percurso acadêmico, a graduanda deve cumprir o estágio obrigatório e tem a oportunidade de fazer o estágio não obrigatório, que, segundo Tiscoski e Bittencourt (2017), pode proporcionar muitos aprendizados e aproximar da realidade escolar. Os estágios obrigatórios e não obrigatórios são regulamentados por normas, as quais abordam as definições, obrigações e funcionamento do estágio como, por exemplo, a Lei n.º 11.788, de 25 de setembro de 2008.

Art. 1. Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos. (Brasil, 2008, p. 1)

Conforme a legislação acima define, o estágio deve ser realizado sob a supervisão de um profissional habilitado e, no cumprimento do estágio curricular obrigatório, faz-se necessária a comprovação de frequência por meio de vistos nos relatórios obrigatórios do educando. Tais relatórios são citados pela Lei n.º 11.788 como exigência ao educando e sua apresentação deve respeitar o prazo de até seis meses após o início do estágio (Brasil, 2008).

A referida Lei define também, em seu inciso 2º, que “o estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho” (Brasil, 2008, p. 1). Nesse sentido, nota-se que o estágio deve possibilitar uma articulação de conhecimentos curriculares teóricos e práticos, salientando que deve propiciar conhecimentos não apenas para a formação educacional e profissional da graduanda, mas também para sua formação cidadã como um todo. Segundo Borssoi (2008), o estágio pode proporcionar uma visão crítica e reflexiva sobre a sociedade e o mundo que o cerca.

Se bem executadas, as duas formas de estágio podem trazer inúmeras contribuições à formação acadêmica da professora; ambas devem ser bem orientadas e acompanhadas, conforme apontam as legislações que regulam o estágio (Brasil, 2008). Portanto, nota-se a relevância das experiências e das oportunidades que os estágios podem trazer a graduanda, possibilitando uma vivência do cotidiano de sua futura profissão.

De acordo com Tiscoski e Bittencourt (2017), o estágio não obrigatório pode proporcionar uma reflexão ampla de todo o cenário escolar, oportunizar uma melhor compreensão de seu funcionamento e trazer possibilidades de a estagiária criar vínculos com estudantes e com a professora regente, aprimorando seus conhecimentos e contribuindo para sua formação docente.

De acordo com a Resolução n.º 2, de 1º de julho de 2015, o estágio não obrigatório pode ser computado à carga horária obrigatória das atividades teórico-práticas de aprofundamento, conforme definido em seu artigo 13, parágrafo IV:

IV- 200 (duzentas) horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de interesse dos estudantes, conforme núcleo definido no inciso III do artigo 12 desta Resolução, por meio da iniciação científica, da iniciação à docência, da extensão e da monitoria, entre outras, consoante o projeto de curso da instituição. (Brasil, 2015, p. 11)

O estágio não obrigatório contribui com horas complementares, requisito exigido pelas instituições de Ensino Superior. Esse tipo de estágio pode trazer muitas contribuições para a formação inicial de professoras, desde que a graduanda se comprometa com sua execução, não apenas pelo atrativo da remuneração (que é o nosso caso em específico), mas como uma possibilidade de enriquecimento curricular. “É a opção do estudante em inserir-se no meio escolar através de trabalho remunerado, articulando a formação em andamento na graduação com a realidade do seu futuro ambiente de trabalho” (Tiscoski & Bittencourt, 2017, p. 110).

De acordo com Tiscoski e Bittencourt (2017), é notável que, por vezes, a supervisão da graduanda no estágio em questão pode ser inexistente em algumas instituições e suas obrigações não bem delimitadas, resultando em um desvio de funções. Isso acarreta preocupações sobre a eficácia desse estágio, visto que ele deveria assumir uma função de consolidação de teorias e práticas, proporcionando conhecimentos e competências que abrangem a formação da estagiária.

De acordo com Fontana (2013), são vários os envolvidos para que o estágio aconteça de forma responsável e a graduanda consiga desenvolvê-lo de modo a acrescentar em sua formação profissional, ou seja, a estagiária não é a única responsável por seu aprimoramento e aproveitamento. No estágio não obrigatório dentro do contexto escolar, são diversas as possibilidades de construção de conhecimentos para a graduanda. A professora regente, juntamente com a coordenação escolar, deve possibilitar a inserção da estagiária na rotina escolar e promover oportunidades para aprimorar seus conhecimentos prévios e conciliar o que é aprendido no estágio com sua prática, transformando, assim, a experiência em uma atividade reflexiva, que possibilita a construção de saberes. Ainda nesse sentido, Fontana (2013) afirma que o aprendizado de novos conhecimentos, por vezes, se dá pela troca de saberes, pelo aprendizado recíproco e pelos pontos de discordância, que levam à reflexão e a tomadas de decisão no âmbito de trabalho.

É válido ressaltar que podem existir vários empecilhos para a inserção da graduanda no estágio. Fontana (2013) afirma que o professor regente deve aceitar essa estagiária e inseri-la em seu cotidiano, dando a ela autonomia para a prática, abrindo espaço para uma docência compartilhada, evitando que a aceitação e inclusão da estagiária seja algo conflituoso. O autor ainda aponta que:

Nessas relações, nas dificuldades para trabalharem conjuntamente, todos os sujeitos envolvidos incorporam, a si, valores e práticas da docência, interiorizam tradições escolares, apropriam-se de modos de ação, de dizer e de valorar a docência, significando-os como adesão ou recusa, produzindo, nas réplicas ativas ao vivido, sua experiência. Nesse sentido, pode-se definir o estágio como uma instância de formação recíproca em que o outro (referindo-me à tríade – estagiário, formador, professor em atuação) é alguém com quem se vai aprender algo. Algo sobre o outro - o que faz, quais as especificidades da sua experiência - e, também, algo sobre si mesmo. (Fontana, 2013, pp. 157-158)

Durante a consolidação da prática no estágio, a graduanda vivencia diversos desafios, coloca-se à frente de inúmeras dificuldades, é confrontada por situações ainda não estudadas e aprende com o cotidiano da escola. Nesse sentido, Tiscoski e Bittencourt (2017) afirmam que a prática escolar, desenvolvida por meio do estágio não obrigatório, pode trazer experiências pedagógicas que são vivenciadas no cotidiano escolar e tais experiências só são adquiridas no âmbito escolar, pois a teoria estudada na graduação leva a estudante a uma compreensão da futura profissão e de sua atuação, mas a prática educacional não é apenas isso. Entende-se, então, que o estágio pode trazer a oportunidade de preparar essa aluna para as dificuldades e para a sua atuação como professora.

Assim, como afirma Silva (2017), o estágio não obrigatório, diferentemente do obrigatório, traz como exigência para sua realização apenas a comprovação de matrícula e frequência, podendo a graduanda dar início ao estágio não obrigatório no seu primeiro período de graduação, cabendo à instituição acolhedora a exigência ou não de conhecimento prévio para a inserção dessa estagiária. Nota-se, por tudo isso, que o estágio não obrigatório tem muito a acrescentar ao desenvolvimento profissional, pois traz possibilidades de investigação, reflexão e intervenção na vivência escolar, mas é imprescindível evidenciar a relevância do comprometimento de todos os envolvidos.

 

Aspectos Metodológicos

Este trabalho tem como objetivo destacar a importância do estágio não obrigatório e investigar os desafios e as contribuições nele vivenciados pelas graduandas do curso de Pedagogia de uma Instituição de Ensino Superior no interior de Minas Gerais

Essa pesquisa, quanto aos fins, é considerada descritiva, a qual, de acordo com Gil (2008), tem como intenção descrever fatos e características de um fenômeno realista. Segundo o autor, algumas pesquisas descritivas propiciam uma diferente visão da pesquisa em análise. A pesquisa é considerada básica, pois, de acordo com Gerhardt e Silveira (2009), tem por objetivo proporcionar novos conhecimentos, que serão úteis ao avanço da Ciência, sem previsão de sua aplicação.

É uma investigação que envolve a obtenção de dados descritivos, o que deve proporcionar um diálogo com o sujeito de estudo (Lüdke & André, 2017). Lüdke e André (2017) enfatizam que a pesquisa qualitativa tem uma preocupação com o processo, no qual são construídas as questões e hipóteses, o que possibilita um direcionamento para a pesquisa. Portanto, o fenômeno investigado se caracteriza como qualitativo por relacionar os modos subjetivos/objetivos de construção da aprendizagem para a docência assim como do que é subjetivo/objetivo na capacidade de reflexão.

A instituição pesquisada contava com quatro turmas de Pedagogia: uma turma do 1º período com 29 alunas; uma turma do 3º período com 37 alunas; uma turma do 5º período com 30 alunas e uma turma do 7º período com 47 alunas, perfazendo um total de 143 alunas. Das 143 alunas, 27 realizavam estágio não obrigatório no momento da pesquisa. Para a coleta de dados, foram aplicados questionários com perguntas que se alternaram em múltipla escolha e abertas, com o objetivo de obter, das estudantes do curso de Pedagogia, informações sobre o tema pesquisado. Sobre isso, Gil (2008, p. 121) estabelece que, “pode-se definir questionário como a técnica de investigação composta por um conjunto de questões que são submetidas a pessoas com o propósito de obter informações sobre conhecimentos, crenças, sentimentos, valores, interesses, expectativas, aspirações, temores, comportamento presente ou passado etc.”.

Dos 27 questionários aplicados, foram obtidas 22 respostas. O questionário possuía 13 questões fechadas, sendo 6 referentes aos dados demográficos e 7 referentes aos dados da pesquisa. Além disso, possuía também 7 questões abertas, permitindo que as estudantes pudessem descrever, de forma mais detalhada, os aspectos da realização do estágio não obrigatório. As participantes da pesquisa não foram identificadas para preservar suas identidades.

Para este texto, destacamos as falas das estudantes sobre as questões referentes ao estágio. Portanto, selecionamos as falas das quais emergiram os principais elementos aqui propostos, que pudessem trazer contribuições para o campo. Dessa forma, para evitar a citação de trechos que se repetiram ao longo das respostas dadas pelas estagiárias, foram selecionados os que, de certa forma, representavam as demais. Além disso, trouxemos trechos que se destacaram e nos provocaram a discutir sobre o estágio não obrigatório e a formação de professoras. A partir dessa leitura atenta, iniciamos as análises por meio de nossos referenciais e buscamos traçar reflexões e contribuições para o campo de formação docente.

 

Principais resultados

Conforme já descrito por alguns autores citados, o estágio é de grande valia na formação de futuras professoras, sendo importante que sua realização aconteça de forma satisfatória, pois, se bem aproveitado, pode agregar muitos conhecimentos à formação das graduandas. Como relata Silva (2017), o estágio é o período que a graduanda tem a oportunidade de vivenciar toda a rotina acadêmica, podendo trazer reflexões sobre o contexto escolar e seu funcionamento, aprimorando sua prática e desenvolvendo pensamentos críticos e reflexivos. Para tal reflexão, é preciso que a estagiária tenha e aprofunde seus conhecimentos em torno do funcionamento da escola, podendo, assim, desenvolver suas funções e atingir resultados satisfatórios para a sua formação.

Segundo Rosa et al. (2012), apoiadas em Behrens (1991), vivenciar a realidade da sala de aula por meio do estágio proporciona às licenciandas, a partir da prática e de um exercício de reflexão, a possibilidade de uma visão mais coesa e profunda acerca da realidade da escola e da educação de um modo geral. Entretanto, Rosa et. al (2012) salientam que o saber docente (Tardif, 2006) deve estar ancorado também nas teorias educacionais, e não somente a partir das práticas.

Em conformidade aos dados obtidos, notou-se que mais de 60% das participantes iniciaram seu estágio na fase introdutória do curso, o que poderia trazer dificuldades, pois as graduandas, por estarem iniciando os estudos, possivelmente não estavam preparados psicológica e cognitivamente para o que o estágio demanda da discente, podendo acarretar diversas situações e experiências negativas na formação da futura professora.

Diante desse resultado, é de grande valia apresentar os dados informados pelas pesquisadas quando questionadas se fizeram algum curso de capacitação para iniciar sua atuação como estagiárias, pois a maioria se encontrava no início do curso e precisavam de uma preparação. De acordo com as respostas, 90,9% das graduandas informaram que não haviam feito nenhum curso para capacitação ao inserir-se no meio escolar e apenas 9,1% da população do questionário respondeu que havia feito. Com o respaldo do resultado anterior, notou-se que as estudantes iniciam o programa de estágios cedo e quase não se capacitam para a sua atuação, promovendo, assim, uma dúvida sobre a qualificação das discentes. Pimenta e Lima (2018) afirmam que, para que o estágio possa ser válido e sirva de embasamento para o desempenho da futura profissão, é necessário que ele aconteça como forma de aprimoramento dos conhecimentos prévios das estudantes e agregação de novos conhecimentos. Além disso, podemos refletir sobre a entrada muito precoce no estágio, uma vez que os autores também salientam que o tempo de afastamento do ambiente escolar é importante para a formação. Nesse sentido, as estudantes dos períodos iniciais não tiveram esse tempo de se distanciar, se preparar teoricamente e, a partir disso, iniciar o processo de entrada na escola.

Quando questionadas quanto ao principal objetivo de optarem pelo estágio ofertado pela Prefeitura, 81,8% informaram que buscavam oportunidade de consolidar teorias estudadas com a prática vivenciada; 9,1% responderam estar em busca de novos conhecimentos; 4,5% estavam em busca de conhecer o funcionamento escolar e 4,5% dos discentes informaram ter como principal objetivo o ganho financeiro. Com base nisso, pode-se observar que, ao se inserir no estágio, buscavam a oportunidade de agregar a prática aos conhecimentos adquiridos em seus estudos, o que é satisfatório, pois, conforme afirmam Pimenta e Lima (2018), é através da vivência do estágio que se inicia o processo de formação profissional da futura professora, sendo muito importante o propósito pelo qual a graduanda busca o estágio. No entanto, é pertinente perceber que, comumente, o estágio é considerado um lugar para “aplicar” o conhecimento aprendido anteriormente – ou teoricamente. Corroborando os autores, é importante buscar a articulação teoria-prática e não reforçar sua dicotomização.

Sabe-se que o estágio não obrigatório pode agregar muitas experiências importantes à formação, mas também pode proporcionar experiências negativas. Quando perguntado às graduandas sobre a experiência mais relevante em suas vivências como estagiárias, muitas responderam que o contato com estudantes, com o dia a dia da sala de aula e o meio escolar foram aquelas de maior relevância. Dentre outras respostas, destacou-se, também, o trabalho das estagiárias com a rotina de acompanhamento de crianças com deficiência, sendo descrito como algo de grande valia. Identifica-se, assim, que esse estágio pode trazer uma rica vivência e experiências às graduandas, proporcionando inúmeras oportunidades de aprendizado.

Outro ponto interessante presente na fala de uma graduanda merece destaque: “apesar de não ser o certo, há a experiência de poder assumir uma sala de aula na falta de um professor” (Participante 5, 19 anos). Essa estudante relatou algo grave, que é a ausência de um professor e uma sala de aula sob a responsabilidade apenas de uma estagiária. Ela deu ênfase à preocupação quanto à qualificação de si mesma para tal tarefa. Isso descumpre o estabelecido pela Lei n.º 11.788, que, em seu artigo primeiro, estabelece o estágio como um ato educativo escolar supervisionado (Brasil, 2008, p. 11) por um profissional habilitado. Notou-se, por sua fala, que é comum estagiárias ficarem sozinhas em salas de aula, apesar de não ser o correto de acordo com a legislação.

O estágio, então, deve ser estabelecido como elemento da articulação teoria-prática, como um facilitador da aproximação da vivência profissional. Dessa forma, o estágio não chega a ser a prática em si, mas uma forma de aproximar os licenciandos dela, para que seja possível realizar algum tipo de trabalho pertinente ao seu processo de formação­­­ – mesmo porque, devemos considerar a limitação de tempo que as futuras professoras passam nos espaços escolares (Santos, 2004; Rosa et al., 2012). Pimenta e Lima (2019) apontam que o estágio é o momento no qual as licenciandas podem apreender a realidade e, de forma conjunta com os/as professores/as e supervisores/as, fazer uma análise crítica, fundamentada teoricamente. Assim, a partir desse momento, fazer intervenções mais coesas, a fim de transformar a realidade (Andrade, 2019).

Em relação às dificuldades no estágio, algumas participantes da pesquisa destacaram a adaptação e a rotina diária, além do enfrentamento dos diversos desafios de uma sala de aula, ressaltando o quanto o conhecimento teórico é importante, pois, por meio dele, tem-se aporte para lidar com as dificuldades encontradas no cotidiano escolar. A participante 8 (20 anos) afirmou que “um dos meus maiores desafios era aprender a conviver em um lugar onde eu não me sentia muito bem-vinda, que era na sala onde eu ficava”. Segundo Fontana (2013), o não acolhimento pela professora regente pode ser um empecilho para o desenvolvimento eficaz do estágio, pois a docente precisa dar oportunidades de aprendizado à estagiária, tornando o período de estágio uma oportunidade de troca mútua de experiências e sabedorias.

Algumas respostas demonstraram que o estágio pode ser muito importante para a construção dos conhecimentos acerca das funções da futura profissão, mas pode-se tornar desmotivador e uma experiência ruim, dependendo da forma como for conduzido, impactando negativamente sobre todo o percurso acadêmico e a própria atuação docente. A falta de experiência e treinamentos também se mostrou uma grande preocupação para as estagiárias, como demonstrado nesta fala:

Eu estava no segundo período e não tinha muito conhecimento na área de educação especial. Tive que cuidar de uma criança com Transtorno Opositor Desafiador (TOD) sem nem saber que ela sofria desse transtorno e não sabia como lidar com ele. Felizmente sou paciente e observadora (Participante 15, 19 anos).

De acordo com o que foi afirmado, percebeu-se que a graduanda não possuía conhecimentos necessários para atuar de forma correta com essa criança, o que poderia acarretar grandes impactos na vida escolar dela, pois, como afirmou, ela poderia ter deixado de trabalhar funções primordiais para seu desenvolvimento social, cognitivo e motor. Nesse sentido, a participante 18 (20 anos) afirmou:

Fui designada a acompanhar uma criança especial, e nem sempre recebi o suporte necessário para tal função, tornando meu estágio mais dificultoso. Quando iniciei meu estágio, estava cursando a matéria de Educação Especial, foi o que me possibilitou trabalhar com meu aluno de forma mais coerente e eficaz, mas muitos alunos fazem o estágio antes de realizar essa disciplina.

Percebemos, a partir das respostas, que grande parte das estudantes que fazem estágio na Prefeitura acompanham uma criança com alguma deficiência, sem ajuda ou orientação dos/as professores/as regentes de turma e sem estarem preparadas para essa função. Conforme aponta a LDBEN, em seu artigo 59, parágrafo III, para tal função o sistema de educação deve garantir “professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns” (Brasil, 1996). Mas, segundo afirmaram as graduandas, tal função tem sido destinada às estagiárias, que, como visto anteriormente, não estão aptas a exercê-la.

Nota-se que são muitos os desafios e dificuldades encontrados pelas alunas ao adentrar no programa de estágios. Alguns desafios são inerentes à atuação, mas, baseado no relato das graduandas, destaca-se, também, a falta de capacitação e treinamento, visto que as graduandas iniciam o estágio completamente inexperientes e não recebem nenhuma capacitação ou treinamento para a função que irão exercer, podendo, assim, prejudicar a turma que irá recebê-la, a professora regente e até mesmo a sua formação. Andrade (2019) compreende o estágio a partir de uma perspectiva crítica, uma vez que os objetivos estão relacionados com oportunizar às licenciandas conhecimentos que são importantes (científicos, filosóficos, pedagógicos e outros) para que seja possível “uma compreensão do seu papel social da escola e da práxis educativa como transformadora da realidade social” (Andrade, 2019, p. 19). Se faz importante destacar o Estágio como um espaço-tempo objetivando um processo de aprendizagem, de forma a propiciar a reflexão e sistematização do conhecimento. Entendendo a complexidade dos processos de ensino-aprendizagem, o Estágio requer ações dinâmicas, que sejam ancoradas pelos currículos das licenciaturas (Santos, 2004; Rosa et al., 2012).

Mesmo diante de todos os desafios e dificuldades apontadas, quando perguntado às graduandas sobre os benefícios que o estágio trouxe à sua formação profissional, a maioria alegou serem inúmeros, pois a experiência de poder estar em campo, atuando lado a lado com uma professora regente, serviu de aporte para sua própria atuação e até mesmo a ausência do suporte necessário as preparou para assumir uma sala de aula. O estágio, portanto, foi considerado de grande valia para a formação profissional das discentes pesquisadas, social e pessoalmente, pois, conforme afirmaram, a profissão de professor vai além de ministrar uma aula, é ter a oportunidade de fazer a diferença no meio social e educacional.

 

 

Considerações finais

Este trabalho buscou analisar as experiências vivenciadas pelas estudantes de Pedagogia, com o intuito de investigar os desafios enfrentados por essas alunas. A partir desta pesquisa, foi possível entender que o estágio não obrigatório traz muitas possibilidades às graduandas no que se refere à aproximação da vivência profissional no contexto escolar. Foi constatado que as graduandas do curso de Pedagogia, através do estágio da prefeitura, têm a oportunidade de conviver com os diversos desafios, observar a docência de perto e refletir criticamente sobre como enfrentar e superar os desafios.

Foi possível perceber que há ainda uma ideia do estágio como um lugar de aplicação do que foi aprendido anteriormente, ou seja, a dicotomização de que a teoria vem antes da prática. Nesse sentido, consideramos importante refletir sobre a entrada de estudantes de períodos iniciais nos estágios, pois, segundo nossa análise, percebemos que algumas estagiárias sentem falta de um preparo quanto à formação antes de iniciarem as atividades em sala. Além disso, como sinalizado, a prática de assumir a regência da sala de aula na falta da professora supervisora é um elemento que deve ser analisado de forma cuidadosa, pois a proposta do estágio é não atuar na substituição de professoras, mas ser um processo formativo que contribua para a preparação de futuras docentes.

Analisamos que o estágio não obrigatório é um grande condutor de conhecimentos, especialmente esse oferecido pela Prefeitura, trazendo muitas possibilidades para aprimorar os conhecimentos e obter novas experiências, indispensáveis à formação da docente. No entanto, consideramos que é muito importante haver um maior diálogo entre as instituições envolvidas, tanto a prefeitura e a escola quanto o curso de Pedagogia. Essa articulação institucional tende a proporcionar uma melhor organização da atuação das estagiárias nas escolas, e dar um suporte em situações como as que foram relatadas, como a falta de conhecimento sobre a Educação Inclusiva, por exemplo.

Pode-se concluir que, durante o desenvolvimento do estágio, as graduandas relataram enfrentar muitas dificuldades e desafios, em grande parte devido à pouca experiência e pela falta de suporte durante o programa de estágio. Alguns dos desafios apresentados podem ser considerados inerentes à profissão docente, mas também se notou ações contrárias ao que se tem discutido no campo de formação docente, o que traz dificuldades relevantes para a atuação das estagiárias. Apesar dos desafios e dificuldades encontrados pelas estagiárias, o programa de estágio oferecido pela Prefeitura trouxe inúmeras oportunidades de conhecimento às graduandas, apresentando-se como um programa importante para a formação profissional de futuras professoras da região. Nesse sentido, reafirmamos a importância do diálogo entre as instituições afim de oferecer às estudantes momentos formativos enriquecedores e que articulem a reflexão docente. Consideramos que mais investigações sobre os processos formativos envolvidos nesse programa de estágio devem ser realizadas para possamos compreender aspectos outros que emergem nesse caminho.

 

Referências

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[i] Mestre em Educação pela Universidade Federal de Viçosa (2018). Professora do Centro Universitário Governador Ozanam Coelho (UNIFAGOC). Professora da Prefeitura Municipal de Ubá.

[ii] Pedagoga pelo UNIFAGOC (2021). Professora da Prefeitura Municipal de Ubá.

[iii] Mestre em Educação pela Universidade Federal de São João Del Rei (2017). Doutorando em Educação pela Universidade Federal Fluminense.

[4] Adotamos a utilização dos termos femininos por se tratar de uma área de atuação marcada pela feminização e por se tratar de um trabalho que envolveu somente mulheres, tanto estagiárias quanto professoras supervisoras.