Artigo
Mapeamento de
fatores de risco e de proteção psicossocial no ensino superior
Mapeo de factores de riesgo y protección psicosocial
en educación superior
Mapping of risk factors and psychosocial protection in
higher education
Carlos Manoel Lopes Rodrigues[i]
Centro Universitário de Brasília
Brasília, DF, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-5188-7110
Dionne Rayssa Cardoso
Corrêa[ii]
Universidade de Brasília
Brasília, DF, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-3811-7744
Contribuição
na elaboração do texto: autor 1: concepção do estudo, supervisão, coleta de dados,
análise de dados, redação do manuscrito; autora 2: coleta de dados, análise de
dados, redação e revisão do manuscrito.
Recebido em: 28/05/2022
Aceito em: 10/10/2022
Publicado
em: 17/10/2022
Linhas
Críticas | Periódico científico
da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Brasil
ISSN: 1516-4896 |
e-ISSN: 1981-0431
Volume 28, 2022 (jan-dez).
http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas
Referência
completa (APA):
Rodrigues, C. M. L., & Correa, D. R. C. (2022). Mapeamento de
fatores de risco e de proteção psicossocial no ensino superior. Linhas
Críticas, 28, e43443. https://doi.org/10.26512/lc28202243443
Link alternativo:
https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/43443
Licença Creative
Commons CC BY 4.0.
Resumo: Esta pesquisa teve por objetivo mapear os
fatores de risco e de proteção psicossociais percebidos por estudantes
universitários. Participaram desta pesquisa qualitativa 389 estudantes de 26
instituições públicas e privadas. A partir da análise de conteúdo, foram
identificadas quatro categorias: 1) Relações interpessoais e suporte social; 2)
Políticas Educacionais e Suporte Institucional; 3) Níveis de exigência e
produtividade; 4) Escolha profissional. A pesquisa indica a prevalência de fatores
de risco e a necessidade de ações de prevenção que alcancem a complexidade do
ambiente universitário.
Palavras-chave: Estudante universitário. Condições para aprendizagem. Saúde mental.
Resumen: Esta investigación tuvo como objetivo mapear los factores
psicosociales de riesgo y protección percibidos por estudiantes universitarios.
En esta investigación cualitativa participaron un total de 389 estudiantes de
26 instituciones públicas y privadas. A partir del análisis de contenido, se
identificaron cuatro categorías: 1) Relaciones interpersonales y apoyo social;
2) Políticas Educativas y Apoyo Institucional; 3) Niveles de demanda y
productividad; 4) Elección profesional. La investigación indica la prevalencia
de factores de riesgo y la necesidad de acciones de prevención que alcancen la
complejidad del entorno universitario.
Palabras
clave: Estudiante universitario. Condiciones para el aprendizaje. Salud mental.
Abstract: This research aimed to map the psychosocial risk and
protection factors perceived by university students. A total of 389 students
from 26 public and private institutions participated in this qualitative
research. From the content analysis, four categories were identified: 1)
Interpersonal relationships and social support; 2) Educational Policies and
Institutional Support; 3) Demand and productivity levels; 4) Professional
choice. The research indicates the prevalence of risk factors and the need for
prevention actions that reach the complexity of the university environment.
Keywords: University student. Conditions for learning. Mental health.
Introdução
No último século,
a atenção à saúde mental do estudante universitário vem ganhando destaque, mas
nem sempre foi assim. No panorama internacional, por muito tempo, se via apenas
a saúde física do estudante e essa deveria estar ligada ao contexto escolar, ou
seja, deveria ter algum aspecto ligado à escola, como a recreação física, por
exemplo (Hahn et al., 1999). Estudantes universitários não tinham suporte no
que diz respeito a programas e serviços de saúde institucionais.
No Brasil, a
primeira iniciativa institucional para oferecer assistência psicológica e
psiquiátrica aos estudantes universitários foi o Serviço de Higiene Mental e
Psicologia Clínica, criado em 1957 e vinculado à Clínica Psiquiátrica da
Faculdade de Medicina da Universidade de Recife (Hahn et al., 1999). A partir
disso, observa-se inúmeras pesquisas e programas propostos visando auxiliar a
instituição e o estudante universitário em seu ingresso e permanência no ensino
superior (Teixeira et al., 2008; Brasil, 2010; Padovani et al., 2014; Lameu et al., 2016; Malajovich et
al., 2017).
Atualmente, há
uma Política Nacional de Assistência Estudantil (PNAE) regulamentada pelo
Decreto n.º 7.234 (Brasil, 2010). Este programa dispõe de uma série de ações
que devem ser desenvolvidas no âmbito do ensino superior público para propiciar
a permanência do estudante na universidade, entre elas, a atenção à saúde. A
Organização Mundial da Saúde (OMS) descreve a saúde como um estado de completo
bem-estar físico, mental e social. Diante disso, encontra-se a necessidade de
falar sobre saúde mental no ensino superior brasileiro, visto que o adoecimento
emocional exerce grande influência na qualidade do desempenho do estudante
(Penha et al., 2020).
Uma pesquisa
realizada pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de
Ensino Superior (ANDIFES, 2019) mostra que 83,5% dos estudantes já passaram por
dificuldades emocionais e que a ansiedade afeta 6 em cada 10 estudantes
universitários. A pesquisa ainda traz que 39,9% dos universitários fazem ou já
fizeram uso de medicação psiquiátrica e que 32,4% dos estudantes já estiveram
ou estão em atendimento psicológico. Estudos mostram que o ingresso no ensino
superior desperta e exige diferentes recursos cognitivos (Teixeira et al.,
2008; Padovani et al., 2014; Penha et al., 2020; Sahão
& Kienen, 2021). Desde o seu ingresso na
instituição, o estudante deve apresentar recursos cognitivos e emocionais
complexos para o manejo das demandas e exigências do ambiente universitário
(Padovani et al., 2014).
Portanto, é
fundamental o conhecimento dos fatores, tanto de risco quanto de proteção, que
permeiam o adoecimento do estudante de graduação. Esses fatores auxiliarão na
proposição de políticas e programas em diversos âmbitos para lidar com a saúde
universitária. Estudos de países como Portugal e Estados Unidos demonstram o
quanto tais aspectos são contextuais (Lourenço, 2017; Kahn et al., 2019; Haliwa et al., 2020) e que, portanto, merecem ser
investigados a partir de sua realidade. Apesar de ser um tema bastante
estudado, até o momento (Graner & Cerqueira,
2019; Perez et al., 2019; Sahão & Kienen, 2021) não há pesquisas no Brasil que se proponham a
mapear os fatores de risco e proteção no ensino superior, focando-se
principalmente na mensuração de fatores já elencados na literatura.
Dessa forma, este
estudo tem o objetivo de mapear os fatores de risco psicossocial e fatores
protetivos entre os estudantes do ensino superior brasileiro a partir da
percepção dos próprios estudantes, numa perspectiva de produção do conhecimento
e, ao mesmo tempo, maior engajamento do público estudantil sobre a temática.
Método
Esta pesquisa foi desenvolvida a partir de uma estratégia qualitativa, de
caráter exploratório, baseada na realização de oficinas abertas com estudantes universitários
para discutir o tema “Fatores psicossociais na vida acadêmica: Do risco à
proteção”. As oficinas eram divididas em duas fases: a primeira acontecia no
formato de palestra informativa sobre saúde mental no contexto universitário
enquanto a segunda se destinava ao mapeamento de fatores de risco psicossociais
e fatores protetivos. Ao início da primeira fase, eram explicados aos
participantes os objetivos das duas fases e feito o convite para participação
na segunda fase, participação esta voluntária cuja recusa não impedia a
participação na primeira. Aos estudantes que se voluntariaram a participar da
segunda fase, foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
e, novamente, explicados os objetivos do estudo. Foi adotado como critério de
inclusão, além do caráter voluntário, ser estudante universitário regularmente
matriculado em uma Instituição de Ensino Superior (IES) no momento da
participação.
Para coleta de
dados, foi utilizado um instrumento desenvolvido para este estudo denominado
Instrumento de Mapeamento de Fatores de Risco Psicossocial e Fatores Protetivos
no Contexto Universitário (MAPA-R/P-UNIV). O MAPA-R/P-UNIV é composto por uma
folha de resposta individual e dois slides
para projeção para o grupo (Figura 1). A folha de resposta apresenta duas
silhuetas simulando uma conversa em duas partes: a primeira, onde são
registradas as respostas às perguntas norteadoras apresentadas no slide 1, referentes aos riscos
psicossociais no contexto acadêmico, e a segunda parte, onde são registradas as
respostas às perguntas do slide 2,
com foco nos fatores de proteção. Em adição, foi aplicado um questionário
sociodemográfico para coleta de dados sobre sexo, idade, tipo de IES, curso e
ano de ingresso no Ensino Superior.
Figura 1
Instrumento
de Mapeamento de Fatores de Risco Psicossocial e Fatores Protetivos no Contexto
Universitário – MAPA-R/P-UNIV
Fonte: os
autores.
Inicialmente, os
participantes preencheram a folha de resposta e depois as respostas foram
compartilhadas no grupo para discussão e síntese. Em seguida, apresentou-se o slide com as perguntas norteadoras
referentes aos fatores de proteção e, novamente, foi realizada a discussão das
respostas individuais e síntese da produção do grupo. Optou-se por iniciar com
o levantamento dos fatores de risco e, em seguida, dos fatores protetivos como
forma de promover uma experiência mais salutar aos participantes, sendo a
finalização da atividade com foco nos fatores positivos da vivência
universitária e não nos negativos.
As duas etapas
foram gravadas e, posteriormente, degravadas. Para
suporte das análises realizadas, a mediação das atividades dos grupos foi
realizada por docentes universitários voluntários com formação em psicologia e
experiência em condução de grupos. Cada grupo contou com um auxiliar de
pesquisa, graduando em psicologia, responsável pelo apoio logístico, registro,
gravação e degravação das falas dos participantes.
Os dados
coletados, tanto das folhas de resposta quanto dos registros das falas dos
grupos, foram analisados a partir dos procedimentos metodológicos propostos por
Bardin (2011) para análise de conteúdo. Dentro do
escopo da Análise de Conteúdo, seguiu-se o caminho da análise
temático-categorial, uma vez que este conjunto de técnicas tem, por objetivo,
classificar a produção textual em dimensões a partir de critérios empíricos e
teóricos (Oliveira, 2008; Bardin, 2011). Assim, a análise temático-categorial
se alinha com o objetivo de mapeamento de fatores de risco e de proteção.
Assim, o material
coletado foi organizado em um corpus textual,
em seguida codificado e agrupado em categorias, estas foram nomeadas em função
de suas particularidades. A fim de garantir o critério de objetividade
(Oliveira, 2008), o material categorizado foi submetido à análise de 3
especialistas em saúde mental no contexto universitário para avaliação da
adequação das categorias propostas em função do material analisado. Os
especialistas foram selecionados a partir da experiência profissional no
atendimento a estudantes universitários ou da produção científica sobre o tema.
Aos juízes foram apresentadas uma planilha com as categorias elencadas pelos
pesquisadores, com as verbalizações de cada categoria. A cada categoria foi
solicitada a identificação da adequação entre as verbalizações e a categoria
nomeada, à qual era atribuída uma notação (0 = inadequada; 1 = adequada). A
concordância entre os juízes quanto à adequação foi estimada a partir do índice
de concordância Kappa Generalizado, cujos valores acima de 0,80 indicam
concordância aceitável (Fleiss, 1971; 1981).
Resultados e Discussão
Desta forma,
voluntariaram-se a participar 389 estudantes do Ensino Superior de 17 a 47 anos
(M = 23,40; DP = 4,72), 52,70% do sexo feminino (n = 205) e 47,30% do sexo
masculino (n = 184), de 26 instituições de 4 Unidades da Federação (Distrito
Federal – DF, Minas Gerais – MG, Goiás – GO e São Paulo – SP). 28,02% dos
participantes frequentavam IES públicas e 71,98% estavam matriculados em IES
Privadas.
A caracterização
dos participantes a partir do questionário sociodemográfico apontou para um
perfil heterogêneo com maior participação de mulheres e de estudantes
matriculados em IES Privadas (Tabela 1). Estes resultados indicam que a amostra
reflete a tendência do predomínio de mulheres na população universitária
brasileira, bem como do maior contingente de estudantes deste nível de ensino
estar vinculado a IES privadas (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira [INEP], 2021).
Tabela 1
Estatísticas
descritivas
Tipo de
IES |
f |
Feminino |
Masculino |
Amostra Geral |
|||
n |
% |
n |
% |
n |
% |
||
IES
Pública |
|
|
|
|
|
|
|
Universidade Federal |
2 |
27 |
6,94% |
21 |
5,40% |
48 |
12,34% |
Instituto Federal |
1 |
12 |
3,08% |
23 |
5,91% |
35 |
9,00% |
Universidade Estadual |
1 |
13 |
3,34% |
13 |
3,34% |
26 |
6,68% |
IES
Privada |
|
|
|
|
|
|
|
Universidade |
1 |
18 |
4,63% |
9 |
2,31% |
27 |
6,94% |
Centro
Universitário |
3 |
40 |
10,28% |
30 |
7,71% |
70 |
17,99% |
Faculdade |
18 |
95 |
24,42% |
88 |
22,62% |
183 |
47,04% |
Total |
26 |
205 |
52,70% |
184 |
47,30% |
389 |
100,00% |
Nota: IES =
Instituição de Ensino Superior.
Fonte: os
autores.
A palestra
anterior ao mapeamento dos fatores de risco e de proteção contribuiu para
melhor identificação dos fatores experienciados pelos participantes em sua vida
universitária, servindo como uma fase de reflexão e mobilização dos estudantes
e contribuindo para adesão à proposta de pesquisa – 86,44% dos participantes
das palestras aceitaram participar do estudo). Destaca-se que, nesta fase, não
houve a apresentação nominal de fatores de risco ou de proteção já indicados na
literatura, apenas a definição dos termos risco e proteção, a fim de evitar a
indução de respostas.
A partir da
análise de conteúdo, foi possível identificar 4 categorias distintas de fatores
de risco e de proteção: 1) Relações interpessoais e suporte social; 2)
Políticas Educacionais e Suporte Institucional; 3) Níveis de exigência e
produtividade; 4) Escolha profissional (Quadro 1). A análise dos juízes quanto
à adequação das categorias propostas indicou concordância substancial com estas
cinco categorias (Kappa = 0,86). Dentro de cada categoria, os fatores de risco
e de proteção se apresentam como valências negativas ou positivas de um mesmo
fenômeno, por exemplo, a presença de relações interpessoais conflituosas com
colegas é considerada como fator de risco enquanto relações de amizade são
apontadas como fator de proteção. A exceção é a categoria Níveis de exigência e
produtividade, que congrega apenas fatores de risco.
Quadro 1
Categorias,
falas representativas e frequência relativa dos fatores de risco psicossociais
e fatores de proteção identificados
Fatores
de Risco Psicossociais |
% |
Fatores
de Proteção |
% |
|
Relações interpessoais e suporte social |
|
|
|
|
Relações
com Pares |
Incompreensão,
falta de sensibilidade, intolerância (…) dos colegas e grupos. (P. 1, DF) |
66,32 |
Meus amigos de sala que me ajudam quando
tenho dificuldades. (P. 45, SP) |
50,90 |
Relações
com professores |
Falta de compreensão com as dificuldades dos
alunos. (P. 123, SP) Tem
professor que pensa que a gente é inimigo e nem trata a gente como gente. (P.
25, MG) |
67,61 |
Ah se não fosse a ajuda de uma professora
nunca teria conseguido me manter firme no curso. (P. 302, SP) |
21,59 |
Suporte
Social |
Meus pais não acreditam em mim, isso me
deixa muito desanimada para continuar o curso. (P. 67, GO) |
30,33 |
Poder compartilhar minhas conquistas com
minha família me ajuda a ter forças. (P. 45, MG) |
51,67 |
Políticas
Educacionais e Suporte Institucional |
|
|
|
|
Suporte
psicológico/ psicopedagógico |
Falta de apoio psicológico no ambiente
universitário é bem ruim, a gente nem tem com quem contar na instituição. (P.
4, DF) Tenho
dificuldades de entendimento e não tenho ninguém da faculdade para procurar.
(P. 50, GO) |
51,41 |
Aqui a gente tem um núcleo de apoio, e eu
tenho TDAH, então é muito bom ter essa ajuda. (P. 9, DF) Começaram
um plantão psicológico aqui no curso de XXXXXXX ajuda muito porque o curso é
puxado demais. (P. 360, SP) |
32,13 |
Políticas de
acesso e permanência |
Não ter certas coisas (palestras, cursos,
etc.) destinadas a alunos que trabalham. Baixa
divulgação de pesquisa, estágio e extensão, principalmente as que podem
remunerar e ajudar a ficar no curso. (P. 360, SP) Transporte
e alimentação caros, tem dias que tenho de escolher entre comer e tirar
cópias. (P. 14, DF) |
67,27 |
Uma coisa que ajuda muito e me tranquiliza é
poder contar com o RU, para mim faz muita diferença. (P. 90, MG) O
financiamento da faculdade me ajuda demais, me deixa mais de boa para
continuar. (P .22, DF) |
31,88 |
Níveis
de exigência e produtividade |
Sou
iniciante em pesquisa, e professores e orientadores, pensam que já sabemos de
tudo. (P. 12, DF) O que
mais me incomoda é a pressão por produção. (P. 59, GO) Me
sinto fracassado, a competição e pressão por notas não acompanho os colegas.
(P. 46, GO) |
77,12 |
|
|
Escolha
profissional |
Não sei se terei emprego na minha área. (P.
45, GO) Fico
com medo de ter escolhido errado e não ser um bom profissional. (P. 250, SP) |
87,40 |
Os professores sempre mostrarem como posso
me desenvolver no mercado de trabalho me anima muito. (P. 12, DF) Ansiedade
de me formar e poder atuar na minha área. Mas aquela ansiedade boa, de ter
escolhido algo que amo. (P. 67, GO) |
38,56 |
Nota: P. =
Participante, DF = Distrito Federal; GO = Goiás, MG = Minas Gerais; SP = São
Paulo, % = frequência relativa.
Fonte: os
autores.
A categoria
Relações interpessoais e suporte social compreende as relações com pares, professores
e pessoas externas à comunidade acadêmica, como familiares, por exemplo. Essas
relações se apresentam como fonte de suporte social (fator protetivo) ou como
estressor em potencial (fator de risco). A presença de relações interpessoais
negativas no contexto universitário tem sido relacionada com prejuízos na
qualidade de vida e na saúde mental de estudantes universitários
(Nogueira-Martins & Nogueira-Martins, 2018; Penha et al., 2020). Associação
similar entre maior chance de adoecimento psíquico e baixo suporte social
(Barroso et al., 2019; Graner & Cerqueira, 2019)
corroboram para a identificação desta variável relevante no contexto
universitário. Em contrapartida, relações interpessoais positivas e presença de
suporte social podem atuar como fatores protetivos à saúde mental dos
estudantes universitários (Hefner & Eisenberg, 2009; Barroso et al., 2019; Oliveira et al.,
2019; Lee, 2020).
A categoria
denominada Políticas Educacionais e Suporte Institucional compreende os fatores
indicados pelos participantes relativos à ausência (fator de risco) ou presença
(fator de proteção) de ações institucionais de apoio aos discente com ações e
serviços de atendimento psicológico ou psicopedagógico direcionado para
dificuldades emocionais, de adaptação ao ensino superior ou dificuldades de
aprendizagem. Esta categoria inclui ainda ações institucionais ou
governamentais que configurem políticas de acesso e permanência no ensino
superior, como programas de apoio ou financiamento do ensino superior. As
verbalizações sobre a importância dos serviços de suporte aos estudantes se
alinham com o já identificado na literatura quanto a importância destes
serviços na promoção da qualidade de vida, saúde mental e prevenção ao suicídio
no contexto universitário (Lantyer et al., 2016;
Macêdo, 2018; Winzer et al., 2018; Cuijpers et al., 2019; Flett et
al., 2019; Harrer et al., 2019). As políticas de permanência constituem
importantes mecanismos de redução de desigualdade e propiciam a melhoria de
condições objetivas de vida dos estudantes (fator protetivo) enquanto as
dificuldades financeiras, e outras situações de vulnerabilidade social, se
apresentam como fatores de risco, não só à permanência no Ensino Superior, mas
à saúde mental dos estudantes (Nogueira-Martins & Nogueira-Martins, 2018;
Abreu & Ximenes, 2020; Pierce et al., 2021).
A categoria
denominada Níveis de exigência e produtividade agrupa as exigências de
desempenho acadêmico e de produtividade a que os estudantes estão expostos. As
verbalizações indicam esta categoria como constituída apenas de fatores de
risco e, principalmente, em função de um descompasso entre as exigências
impostas e as possibilidades pessoais e materiais de cumprimento destes padrões
de desempenho. A categoria ainda indica a introjeção por parte do corpo docente
de um ideal de competitividade de notas e produção cientifica (Vide Quadro 1).
Esta categoria reflete a entrada e disseminação no meio acadêmico dos ideais de
produtividade (Ball, 2005; Zubieta, 2007; Bianchetti
et al., 2018), que são introjetados pelos estudantes na forma da autocobrança
(Cristo et al., 2019) e em prejuízos na autoestima, por exemplo (Lee, 2020).
A última
categoria compreende as expectativas em função do futuro após a graduação,
sendo assim denominada de Escolha profissional. Essa categoria apresenta
fatores de risco relativas a preocupações com o futuro, a possibilidade de
desemprego, de não obter realização pessoal com a escolha profissional, de não
conseguir retorno do tempo e dinheiro gasto com a graduação e dúvidas a
respeito de ser capaz de atuar na profissão escolhida. Como fatores protetivos,
esta categoria apresenta a função dos docentes como exemplos profissionais e
orientadores do processo de ingresso no mercado de trabalho, além de fatores
pessoais de identificação com o curso escolhido. Como apontado por
Nogueira-Martins e Nogueira-Martins (2018, p. 335), o Ensino Superior é um
processo educacional que tem, por cenário, uma formação profissional marcada
pelas “vicissitudes da construção de uma carreira/identidade profissional em
uma realidade de mercado de trabalho altamente competitivo”.
Quando observadas
as frequências relativas, percebe-se a maior incidência de relatos de fatores
de risco: a ausência do suporte social, principalmente familiar. A prevalência
de verbalizações correspondentes a fatores de risco corrobora com uma percepção
geral do ambiente universitário como hostil (Graner
& Cerqueira, 2019; Sahão & Kienen, 2021), bem como aponta para necessidade urgente de
promoção e fortalecimento dos fatores de proteção (Perez et al., 2019). Um
cuidado deve ser dispensado ao não se ater apenas aos fatores de risco de
categorias de nível micro institucionais (Relações com Pares – 66,32%; Relações
com professores – 67,61%) como foco único de intervenção, pois, os fatores de
risco relacionados a categorias de ordem meso e macro
institucionais (Suporte psicológico/psicopedagógico – 51,41%; Políticas de
acesso e permanência – 51,41%; Níveis de exigência e produtividade – 77,12%)
precisam ser levados em consideração, incluindo questões mais amplas que as
próprias IESs, como a insegurança na carreira,
indicada na categoria Escolha profissional (87,40%), que reflete como aspectos
conjunturais do país afetam os estudantes.
Considerações finais
O conjunto de
fatores de risco e fatores protetivos mapeados indicam uma gama de fatores de
risco psicossociais que englobam os níveis individual, grupal e institucional.
Variáveis que operam no nível individual, como, por exemplo, a pressão por
produção, trazem em si exigências cognitivas e emocionais (Padovani et al.,
2014; Nogueira-Martins & Nogueira-Martins, 2018; Cristo et al., 2019; Sahão & Kienen, 2021) que são
originadas em um nível institucional das políticas de avaliação do Ensino
Superior em voga (Ball, 2005; Zubieta, 2007;
Bianchetti et al., 2018). Esta complexidade aponta para a necessidade de
compreensão dos fatores mapeados em todas as suas dimensões, tanto para
diagnóstico quanto para intervenção, sob pena de conclusões/ações apenas
superficiais ou paliativas.
Apesar do
mapeamento indicar a presença de fatores de proteção psicossocial, percebe-se
um descompasso entre estes fatores de risco e de proteção. Enquanto a maioria
dos fatores de risco tem raízes nas políticas e forma organizativas do Ensino
Superior, a maioria dos fatores de proteção estão ligados às iniciativas dos
atores individuais da comunidade acadêmica. Este descompasso implica na
responsabilização pessoal dos estudantes e professores quanto à qualidade do
ambiente universitário, cujas ações são limitadas para gerar mudanças de grande
escala ou de longo prazo.
As limitações
deste estudo incluem a concentração geográfica da amostra (Centro-Oeste e
Sudeste) recortada em função de estudantes do ensino presencial, o que leva à
necessidade de cautela na generalização dos resultados para outros contextos.
Apesar do instrumento de pesquisa ter se mostrado útil, há a necessidade de
novas aplicações para a avaliação de seu potencial de uso, inclusive como
ferramenta de avaliação de intervenções. Os resultados obtidos abrem a
perspectiva de uma agenda de pesquisa focada nos fatores de risco e de proteção
psicossocial e sua associação com variáveis de saúde física e mental, com
desempenho acadêmico e demais fenômenos presentes na vida universitária.
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[i] Mestre em Psicologia Social, do
Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília (UnB) (2018).
Doutorando em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela UnB.
Professor Adjunto do Centro Universitário de Brasília.
[ii] Psicóloga pela UnB (2020).
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura da UnB.