Artigo

Antigas demandas, novos tempos: análise da Educação Especial em Goiás e Tocantins

Antiguas exigencias, nuevos tiempos: análisis de la Educación Especial en Goiás y Tocantins

Old demands, new times: analysis of Special Education in Goiás and Tocantins


Luana Rosa Miranda[i]

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais

Arcos, MG, Brasil

luanauft20@gmail.com

https://orcid.org/0000-0003-4127-6786

Simone de Faria[ii]

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais

Arcos, MG, Brasil

simonedfaria@yahoo.com.br

https://orcid.org/0000-0002-8822-9170

Cláudio Alves Pereira[iii]

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais

Arcos, MG, Brasil

claudioapessoal@gmail.com

https://orcid.org/0000-0002-4829-6272

Os autores contribuíram igualmente na elaboração do manuscrito.

Recebido em: 31/03/2022

Aceito em: 14/07/2022

Publicado em: 21/07/2022

Linhas Críticas | Periódico científico da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Brasil

ISSN: 1516-4896 | e-ISSN: 1981-0431

Volume 28, 2022 (jan-dez).

http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas

Referência completa (APA):

Miranda, L. R., Faria, S. de, & Pereira, C. A. (2022). Antigas demandas, novos tempos: análise da Educação Especial em Goiás e Tocantins. Linhas Críticas, 28, e42666. https://doi.org/10.26512/lc28202242666

Link alternativo:

https://www.periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/42666

Licença Creative Commons CC BY 4.0.


Resumo: Após décadas de discussões e legislações a respeito da Educação Especial no país, as demandas continuam urgentes e diárias. Este estudo – qualitativo e de análise documental – interpreta como a Educação Especial tem sido entendida nas legislações federal e estadual, de Goiás e Tocantins, tensionando os desafios trazidos pela pandemia. Após análise indutiva dos dados, nota-se que a Base Nacional Comum Curricular aborda a temática da inclusão de forma fragilizada e, nos documentos estaduais, nota-se um alinhamento das suas metas ao Plano Nacional de Educação, embora as suas estratégias ainda precisem ser adequadas às demandas sociais existentes, anteriores ou que emergiram durante a pandemia.

Palavras-chave: Educação Especial. Política Educacional. Covid-19.

Resumen: Luego de décadas de discusiones y legislaciones en torno a la Educación Especial en el país, las demandas siguen siendo urgentes y cotidianas. Este estudio, de análisis cualitativo y documental, interpreta cómo la Educación Especial ha sido entendida en la legislación federal y estadual, de Goiás y Tocantins, destacando los desafíos traídos por la pandemia. Luego análisis inductivo de los dados, los resultados indican que la Base Nacional Comum Curricular aborda el tema de la inclusión de manera frágil y, en los documentos de estado, se advierte un alineamiento de sus metas con el Plano Nacional de Educação, aunque sus estrategias aún necesitan ser adaptadas a las mismas.

Palabras clave: Educación Especial. Política Educativa. Covid-19.

Abstract: After decades of discussions and legislation regarding Special Education, the demands remain urgent and daily. This study, qualitative and documental analysis, interprets how Special Education has been understood in federal and state legislation, from Goiás and Tocantins, stressing the challenges brought by the pandemic. After inductive analysis of the data, the results indicate that the Base Nacional Comum Curricular approaches the theme of inclusion in a fragile way and, in the state documents, an alignment of its goals with the Plano Nacional de Educação is noted, although adaptations are still needed to the existing social demands, previous or that emerged during the pandemic.

Keywords: Special Education. Educational politics. Covid-19.




Introdução

A educação especial, na perspectiva da educação inclusiva, tem sido tema recorrente em vários campos de estudos na área da Educação (Mantoan, 2003; Mazzotta, 2005; Carvalho, 2008; Baptista, 2019). No entanto, ainda urgem discussões e reflexões para ampliação do conhecimento dos envolvidos nesse processo – professores, pais, agentes públicos – com intuito de problematizar questões que perpassam desde os direitos estabelecidos nos documentos norteadores oficiais (Goiás, 2015; Tocantins, 2015), como também na garantia e efetivação destas normas, de forma eficiente, na aprendizagem e no Atendimento Educacional Especializado (AEE) aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação (Brasil, 2008), de acordo com as necessidades educacionais especiais desses alunos, uma vez que a própria Constituição Federal Brasileira garante o direito à educação a todos.

Compreendemos que a perspectiva da educação inclusiva não deve ser entendida como somente o ato de incluir os estudantes no espaço escolar, mas possibilitar uma aprendizagem significativa de acordo com suas particularidades em todos os níveis da Educação Básica. Assim sendo, notamos como necessário discutir sobre os direitos estabelecidos nas legislações, com vista à garantia efetiva das propostas da Educação Especial na perspectiva inclusiva em todos os níveis da Educação Básica.

Importa-nos entender os caminhos percorridos e os avanços alcançados no que se refere à Educação Especial e Inclusiva, tendo por base os documentos orientadores das políticas educacionais nacionais e as normativas legais publicadas pelos estados de Goiás (2015) e Tocantins (2015). Tomando para análise os Planos Estaduais de Educação dos dois estados, neste estudo, buscamos analisar se e como essas normativas estaduais se vinculam às legislações nacionais e como elas direcionam a educação especial em seus respectivos estados. Complementarmente, serão apresentadas as orientações e normativas publicadas durante o cenário da pandemia da covid-19 para a Educação Especial.

A escolha dos estados de Goiás e Tocantins se deve ao fato de serem esses os locais de atuação profissional das pesquisadoras envolvidas neste estudo, como docentes de escolas públicas. Importante relembrar que Goiás e Tocantins guardam relações históricas uma vez que – até meados da década de 1980 – ambos eram um único estado: Goiás. Nesse sentido, almejamos conhecer as singularidades e as diferenças entre os seus atuais Planos Estaduais de Educação.

Este artigo está organizado com as seguintes seções: (i) apontamentos sobre a educação especial na perspectiva da inclusão escolar e no contexto de pandemia da covid-19; (ii) apresentação de um panorama das Bases Legais Nacionais, no sentido de compreender os avanços alcançados e os entraves existentes para a efetivação da educação inclusiva; (iii) apresentação das políticas educacionais dos estados de Goiás e Tocantins, dos dois estudos de caso deste trabalho, das metas voltadas relativas a educação especial, dos indicadores e das estratégias; (iv) apresentação das resoluções e orientações desses estados frente ao contexto de pandemia; (v) a tecitura das análises e discussões sobre os dados coletados; (vi) as considerações finais.

 

A educação especial na perspectiva da inclusão escolar

Quando refletimos sobre a Educação Especial, notamos que o processo é longo; embora ainda singulares, os avanços conquistados pelos debates constantes são essenciais, como na criação de políticas públicas. Nesse sentido, a educação especial está baseada na necessidade de “proporcionar a igualdade de oportunidades, mediante a diversificação de serviços educacionais, de modo a atender às diferenças individuais dos alunos, por mais acentuadas que elas sejam" (Mazzotta, 2005, p. 10). De acordo com o autor, a igualdade de oportunidades é necessária no processo de construção de uma sociedade justa, independentemente do tipo de necessidade especial que os estudantes apresentem.

Ao analisarmos avanços e retrocessos relacionados à educação especial, logo devemos conciliá-los a outros fatores presentes na sociedade há décadas: a exclusão e a inclusão escolar. Tendo em vista a extensão deste artigo, não nos será possível apresentar uma detalhada revisão da literatura, razão pela qual indicamos a leitura de (Baptista, 2019; Santos, 2020; Dupin & Silva, 2020; Franco & Gomes, 2020) que já realizaram tais revisões. Centramo-nos – assim – em reflexões preliminares sobre a Educação Especial; depois, relacionamo-la aos documentos estaduais vigentes durante a pandemia de covid-19. Prejudicial à construção de um ambiente escolar que agregue as diferenças, a exclusão escolar está atrelada à injusta classificação entre saberes supervalorizados e aqueles deslegitimados (Mantoan, 2003, p. 13).

Ainda de acordo com a autora, o aluno que não se enquadra aos padrões exigidos pela sociedade acaba sendo vítima da exclusão, fazendo com que os diferentes saberes que deveriam ser estimulados sejam – na verdade – desperdiçados. A exclusão pode ocorrer de variadas formas, desde o preconceito até a ignorância por falta de conhecimento quanto à diversidade. Consequentemente, é importante que ocorra a inclusão escolar; por meio dela, os educandos passam a conviver em grupos heterogêneos e observar as diversidades encontradas em seu meio. Ainda segundo a autora, a atuação dos profissionais de educação é de grande valia neste processo, compreendendo a inclusão como “[…] uma inovação que implica um esforço de modernização e de reestruturação das condições atuais da maioria de nossas escolas (especialmente as de nível básico)” (Mantoan, 2003, p. 32).

De acordo com Rossi (2020), a concepção de Educação Inclusiva está fundamentada nas práticas escolares que garantem a qualidade de ensino educacional a todos os alunos. Tal garantia independe de suas condições financeiras, físicas ou intelectuais, tendo em vista que o atendimento às potencialidades e necessidades dos alunos é um dos papeis centrais da instituição escolar. Ao respeitar as individualidades, a escola também precisa promover a educação a todos, atendando-se às diversidades e subjetividades.

Alguns documentos – como a Declaração de Salamanca publicada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), na década de 90 – foram fundamentais para o reconhecimento e a valorização dos alunos especiais (terminologia utilizada na época). Produzida na Conferência Mundial sobre Educação Especial, a Declaração de Salamanca teve como proposta a adequação das escolas regulares para atender a todos, convocando os países a investirem “maiores esforços em estratégias de identificação e intervenção precoces, bem como nos aspectos vocacionais da educação inclusiva” (Unesco, 1994, s.p.).

Segundo Carvalho (2008), a partir da Declaração de Salamanca, a educação inclusiva passou a ser reconhecida como realidade, não sendo mais admissível ignorá-la. Como consequência, foi necessário haver uma reconsideração da escola e das suas adaptações necessárias para atender a todos os alunos. Uma das mudanças essenciais foi o abandono do padrão do aluno ideal e a aceitação do diverso. Mesmo com as conquistas e a maior visibilidade quanto aos alunos especiais, os desafios não deixaram de existir.

Para Pereira (2021), o longo caminho trilhado trouxe consideráveis avanços sociais; tal afirmação não desconsidera, contudo, os desafios que permanecem, pois a educação inclusiva tornou-se presente em pautas e discussões na nossa sociedade. Os discursos escolares sobre Educação Especial e Educação Inclusiva passaram a ser adotados com maior transparência. Para o autor, o reconhecimento e a valorização são fundamentais para o prosseguimento da busca por melhorias e benefícios na vida em sociedade.

Nessa mesma linha:

[…] é inegável que hoje a criança com deficiência, com transtorno global de desenvolvimento ou com altas habilidades/superdotação encontra uma rede de serviços mais bem estruturada, caso a comparemos com uma criança de três décadas atrás. Observamos um período de maior atenção à inclusão como política pública; observados retrocessos, cabe à sociedade se articular para resguardar os direitos já conquistados e buscar aqueles que ainda faltam para garantir a dignidade da pessoa com deficiência. (Pereira, 2021, p. 30)

O atual cenário – mais inclusivo, justo e sensível – é fruto de décadas de discussões, lutas e participações, individuais e coletivas, a fim de garantir mais acesso e participação, na sociedade, às crianças com deficiência. No que concerne às políticas públicas dos diferentes níveis e esferas governamentais, elas devem operar na construção deste ambiente social inclusivo que ainda está distante de alcançar o status almejado. Conforme Pereira (2021), todas as esferas governamentais precisam atuar em parceria para garantir que os recursos, os meios e os instrumentos necessários ao sucesso e à multiplicação das experiências exitosas de inclusão escolar de estudantes com deficiência. Por conseguinte, o exercício inclusivo não aparenta ser uma realidade distante, devendo ser discutido e constantemente revisado pela sociedade e seus representantes, a fim de que alcancemos sua efetiva implantação.

 

Inclusão escolar no contexto da pandemia da covid-19

Com a pandemia da covid-19, a preocupação com a Educação Especial na perspectiva da Inclusão Escolar passou a ser debatida com maior (Silva et al., 2020; Castro, 2021; Rocha & Vieira, 2021). Pensando nas particularidades gerais dos estudantes com deficiências, nem todos puderam acompanhar as práticas educacionais propostas que foram adaptadas para o ensino remoto emergencial e, consequentemente, houve prejuízos nos processos de estímulo que esses alunos precisam para se desenvolverem. Adicionalmente, o papel da família como parceira do processo educativo se tornou mais evidente.

Nas palavras de Rocha e Vieira (2021, p. 10):

Essa modalidade de ensino [remoto] causou impactos emocionais e psicológicos ao estudante público-alvo da educação especial, porém, contribuiu para que as famílias pudessem estar mais presentes no seu processo de ensino e aprendizagem. A escola passou a ter um pouco mais de apoio das famílias. Este fato poderá contribuir com o desenvolvimento do estudante ao retorno do ensino presencial, onde escola e família terão a oportunidade de trabalhar em conjunto, o que é positivo para maior e melhor desenvolvimento do estudante.

O acompanhamento familiar também faz parte do processo de desenvolvimento intelectual do indivíduo. Dessa forma, algumas atividades que antes eram feitas com auxílio de professores foram adaptadas pela equipe pedagógica e aplicadas pelos responsáveis dos alunos, mecanismo que contribuiu para o estreitamento do vínculo entre escola e família. Contudo, é importante registrar que muitas famílias não puderam auxiliar seus filhos nas atividades escolares, seja por um distanciamento dos conteúdos escolares em foco, seja pelas suas obrigações laborais.

Salientamos, no entanto, que houve muitos outros atravessamentos decorrentes da pandemia de covid-19. A título de exemplo, o distanciamento entre o proposto em normativas educacionais e o possível nos contextos locais, a impossibilidade de acompanhar proximamente muitos alunos devido às políticas propostas e à insuficiente formação. Essas ofertadas aos professores para atuarem neste novo contexto. Embora igualmente urgentes e necessários de reflexão, não poderão ser discutidas neste artigo. .

Salientamos que as reflexões teóricas preconizando a educação especial, a inclusão escolar e o combate à exclusão (Mantoan, 2003; Mazzotta, 2005; Rozek, 2009; Franco & Gomes, 2020), apesar de necessárias, por si só não surtirão efeito. É preciso criar um ambiente social no qual elas possam de verbo se tornarem ação. Para isso, é preciso persistência e disseminação de informações para alcançar cada vez mais indivíduos; sensibilizando-os, teremos cada vez mais pessoas conscientes da importância deste debate, das ações e da vigilância para que as políticas públicas de inclusão sejam realidade em nossas cidades, em nossos estados; consequentemente, no Brasil.

 

Bases legais nacionais para a educação especial

No Brasil, a promulgação da Constituição Federal, em 1988, trouxe avanços sociais que antes eram pouco discutidos nos termos jurídicos: as pessoas com deficiência tiveram garantido uma mudança de tratamento, com direitos e garantias que visavam proteção e inclusão social. Dentre eles, o direito à educação não mais segregada em instituições específicas, mas com acesso a instituições regulares de ensino. Portanto, caberia ao Estado Brasileiro garantir a todos os estudantes o direito de frequentarem a escola pública, devendo estas estarem preparadas para acolhê-los, sanadas todas as barreiras arquitetônicas, administrativas e pedagógicas.

Em seu capítulo III, Art. 205, a Constituição Federal afirma que, “[a] educação [é] direito de todos e dever do Estado e da família […]”. Em específico para as pessoas com deficiências, é-lhes garantido, conforme Art. 207, “III. Atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” (Brasil, 1988, s.p.). O referido documento não somente garante a educação a todos, mas também reconhece a necessidade de sua adequação às especificidades desses alunos.

De maneira a regulamentar o texto constitucional, em 1996, foi promulgada a Lei n.º 9.394, que atualizou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Nesta, em seu Art. 58, está estabelecido que:

Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais. §1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender as peculiaridades da clientela de educação especial. §2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns do ensino regular. §3º A oferta da educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil. (Brasil, 1996, s.p.)

Notamos que a LDB (Brasil, 1996) trouxe – conforme já estabelecido na Constituição Federal – a oferta da educação especial, preferencialmente na rede regular de ensino. Para além, também apresenta de forma mais específica os serviços que devem ser prestados na escola pelo AEE, tendo-o como atendimento suplementar ou complementar, dependendo das necessidades específicas do alunado.

Posteriormente, a Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE) instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Especial (DCNEE), por meio da Resolução CNE/CEB n° 2, de 11 de setembro de 2001 (Brasil, 2001). Em conformidade com a LDB (Brasil, 1996), a Resolução estabeleceu parâmetros específicos para a Educação Especial, entre eles:

Art. 4º. Como modalidade da Educação Básica, a educação especial considerará as situações singulares, os perfis dos estudantes, as características bio-psicossociais dos alunos e suas faixas etárias e se pautará em princípios éticos, políticos e estéticos, de modo a assegurar: I. a dignidade humana e a observância do direito de cada aluno de realizar seus projetos de estudo, de trabalho e de inserção na vida social; II. A busca da identidade própria de cada educando, o reconhecimento e a valorização das suas diferenças e potencialidades, bem como de suas necessidades educacionais especiais no processo de ensino aprendizagem, como base para a constituição e ampliação de valores, atitudes, conhecimentos, habilidades e competências; III. O desenvolvimento para o exercício da cidadania, da capacidade de participação social, política e econômica e sua ampliação, mediante o cumprimento de seus deveres e o usufruto de seus direitos. (Brasil, 2001, s.p.).

Percebemos que, assim como a LDB, as DCNEE ampliou o reconhecimento das especificidades das diversas necessidades do alunado, tanto no campo educacional quanto na valorização de suas diferenças e potencialidades e também para o exercício da cidadania.

Outra importante política pública foi a implantação do Plano Nacional de Educação (PNE), por meio da Lei n.º 13.005/2014, que é um instrumento de planejamento de Estado que orienta a execução e o aprimoramento de políticas públicas do setor (Brasil, 2014). Segundo o mesmo documento, tem-se o objetivo de estabelecer diretrizes e metas que regulamentam o ensino escolar em todos os níveis, devendo ser integralmente concluídas até o ano de 2024. Embora esse documento apresente diversas metas e estratégias amplas, trataremos especificamente daquelas voltadas à Educação Inclusiva.

De acordo com o Censo Escolar de 2019, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep, 2019), o Brasil possuía 1.250.967 estudantes com deficiência matriculados em instituições de ensino brasileiras com turmas da Educação Básica, número que representa 2,6% dos estudantes brasileiros. Alguns desafios se apresentam neste cenário, dentre eles condições de permanência desses alunos no ambiente escolar. A esse respeito, chamamos a atenção para a quarta meta do PNE, que figurará na seção de análise.

Além desta meta específica, também há no PNE estratégias planejadas para se alcançar o objetivo de promover uma educação de qualidade que atenda às necessidades dos estudantes com deficiências ou transtornos globais do desenvolvimento. Como exemplo, citamos a estratégia 4.8, que busca “garantir a oferta de educação inclusiva, vedada a exclusão do ensino regular sob alegação de deficiência e promovida à articulação pedagógica entre o ensino regular e o atendimento educacional especializado [AEE]” (Brasil, 2014, s.p.). É um direito dos estudantes com deficiência e da sua família ser inserido e incluído no ensino regular, não lhe sendo excluído o direito complementar do Atendimento Educacional Especializado.

Além da inclusão, a criação de métodos e ferramentas que fomentem o ensino pode ser uma estratégia positiva, uma vez que o professor de classes comuns precisa dividir sua atenção com uma sala cheia de alunos; cada um com especificidades diferentes. Nesse contexto, a inclusão deve ser entendida como um processo inerentemente inacabado e complexo, que dispõe de mudanças estruturais em toda comunidade escolar e deve envolver a equipe da instituição de ensino e familiares, além de parceiros especializados da sociedade civil organizada, sempre que possível.

No decorrer desse percurso das legislações que embasam o direito e a garantia à Educação Especial e ao AEE, instituiu-se a Lei n.º 13.146/2015 (Brasil, 2015), conhecida como a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência ou como Estatuto da Pessoa com Deficiência (LBI). O termo deficiência está relacionado a qualquer pessoa incapaz de assegurar-se de maneira independente – total ou parcialmente, em decorrência congênita ou não – em suas capacidades cognitivas ou físicas. Essa lei teve o objetivo de desconstruir paradigmas sociais como o preconceito, a discriminação e a exclusão das pessoas com deficiência, além de contribuir para a superação dos paradigmas físicos limitadores de acessibilidade, rompendo barreiras urbanísticas e arquitetônicas. Dentre as várias disposições expressas na LBI (Brasil, 2015), focaremos a nossa análise nos processos que acontecem no ambiente escolar.

No campo educacional, o aluno com deficiência –, aquele com traços únicos – tem direito a uma educação inclusiva desde a educação infantil até alcançar o nível superior, tendo o máximo de aproveitamento possível. Conforme o parágrafo único do Art. 27 da LBI, consta ser do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade o dever de assegurarem um percurso educacional de qualidade à pessoa com deficiência, privando-a de todas as formas de violência, negligência e discriminação (Brasil, 2015, s.p.).

O mais recente documento normativo, datado de 2017, é a BNCC (Brasil, 2017), a qual traz, na sua apresentação, alguns trechos sobre a Educação Especial; contudo, chama-nos a atenção um crítico esvaziamento da política pública da inclusão da pessoa com deficiência ao se analisar o documento na perspectiva da inclusão na Educação Especial:

[…] observando os fragmentos trazidos, vê-se que não há enfoque voltado à Educação Especial nem ao seu público-alvo, trazendo ofuscada essa modalidade. As pequenas colocações, vagas, trazem a Educação Especial de forma frágil, sem a atenção necessária. (Souza & Dainez, 2020, p. 3).

Diante do exposto, observa-se que – de 1988 até 2015 – houve avanços nas políticas públicas de inclusão, especialmente no ambiente escolar, zelando pela materialização das obrigações do Estado em atender aos aspectos dessa modalidade de Educação Especial. A partir do ano 2017, tendo a BNCC (Brasil, 2017) como maior representatividade (dado o seu alcance como política pública de alteração da LDB), nota-se um movimento de retrocesso da política pública de inclusão das pessoas com deficiência, especialmente no ambiente escolar.

 

Análise documental

Nesta seção, voltamo-nos para a análise dos Plano Estadual de Educação do estado de Goiás e de Tocantins. Entendemos esta pesquisa enquanto qualitativa (i) pelo reconhecimento das nossas subjetividades enquanto pesquisadoras intrinsecamente ligadas aos contextos escolares que os documentos fazem referência, (ii) pela não exaustão da análise e (iii) pela adoção de um método indutivo de análise (Lincoln & Guba, 2000; Egido, 2019). Em relação à análise conduzida, ela foi indutiva (Egido, 2019); valemo-nos de leituras cíclicas para identificar as instâncias que faziam referência explícita a Educação Especial. Analisamos, primeiramente, o documento de Goiás e – em seguida – o de Tocantins.

Com o surgimento da pandemia da covid-19, houve impactos na organização dos calendários acadêmicos e necessárias adaptações nas metodologias de ensino. Milhões de estudantes pelo mundo tiveram que se adaptar a novos modelos de ensino (híbrido e remoto). Membros das secretarias de educação foram surpreendidos e tiveram que inaugurar formas de oferta de ensino, adaptar às condições regionais de falta de acesso à internet, famílias que não conseguiam dar suporte às atividades escolares dos seus filhos em estudo remoto. Esse cenário foi desafiador para a Educação Mundial.

Cabe ressaltar que o acesso à internet não foi possível a muitos alunos brasileiros, dadas as desigualdades sociais existentes e que foram potencializadas no contexto de pandemia. Esse novo modelo de ensino se tornou um desafio ainda maior para os estudantes com deficiências, devido às suas especificidades educacionais específicas. Sob este aspecto, Santos (2020) afirma que o contexto de pandemia se torna mais árduo para alguns grupos sociais, os quais têm em comum o fato de que – mesmo antes da pandemia – eles já eram vulnerabilizados e a pandemia só fez piorar esse quadro.

Como forma de atender aos alunos com deficiências, com objetivo de garantir o processo de aprendizagem e de assistência, as Secretarias Estaduais de Educação de Goiás e do Tocantins publicaram memorandos e orientações específicas sobre os procedimentos que deveriam ser implementados, bem como estratégias indicadas com o intuito de minimizar os impactos da pandemia da covid-19 na aprendizagem desses estudantes.

 

A educação especial e inclusiva de Goiás em foco

O Plano Estadual de Educação de Goiás (PEE-GO), instituído pela Lei n° 18.969, de 22 de julho de 2015 (Goiás, 2015) – vigente de 2015 a 2025 – apresenta duas metas específicas (Metas 11 e 12) que estão voltadas para a Educação Especial:

Meta 11. Universalizar, no prazo de 10 (dez) anos, o acesso à Educação Básica e o Atendimento Educacional Especializado - AEE para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação e demais necessidades especiais preferencialmente na rede regular de ensino, com garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados públicos ou conveniados.

Meta 12. Promover a articulação intersetorial entre órgãos e políticas públicas de Educação, Saúde, Assistência Social, Trabalho e Direitos Humanos, em parceria com as famílias, a fim de garantir os encaminhamentos e atendimentos necessários voltados à continuidade do atendimento escolar, na educação regular em suas etapas e modalidades, das pessoas com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. (Goiás, 2015, s.p.)

A meta 11 tem como objetivo atender ao que já estabelecido nos documentos como LDB e nas DCNEE, que estabelecem que a matrícula do estudante com deficiência deva se dar – preferencialmente – na rede regular de ensino da Educação Básica, com acesso ao AEE, em todos os níveis da Educação Básica.

O PEE-GO indica algumas estratégias para o cumprimento da Meta 11, as quais são: a construção e adequação dos espaços (Salas de AEE), a promoção de formação específica para as equipes de profissionais e o incentivo da inclusão de referenciais teóricos voltados para AEE nos cursos de licenciatura (Goiás, 2015).

Outro dado trazido pelo PEE-GO é que o estado possuía 882 (oitocentos e oitenta e duas) Salas de Recursos Multifuncionais (SRM) e com seleção de mais 86 (oitenta e seis) escolas para receber SRM, em 2015. O estado também possuía 33 Centros de Atendimento Educacional Especializado (CAEE) públicos, sendo dez deles estaduais. Conforme descreve o PEE-GO, sob competência do estado, foram implementadas 882 que, somadas às 1.196 (mil cento e noventa e seis) SRM implementadas pelas prefeituras dos 244 municípios, totalizavam 2.078 (dois mil e setenta e oito) desses ambientes especializados no ano 2014.

Não é possível, por meio dos dados supracitados, identificar as regiões e os municípios do estado nos quais os avanços ainda se mostram suficientes ou ainda incapazes de atender aos estudantes com deficiências. Diversos são os fatores e contextos: econômicos, administrativos, de estrutura arquitetônica, bem como de formação de profissionais especializados para o trabalho com o AEE.

 

A educação especial e inclusiva de Tocantins em foco

O Plano Estadual de Educação do Estado do Tocantins (2015-2025), aprovado em 8 de julho de 2015, faz parte da Lei n.º 2.977/2015 (Tocantins, 2015). Este documento apresenta as diretrizes, as metas e as estratégias para o desempenho escolar tocantinense. Em meio às metas estabelecidas pelo PEE-TO, encontra-se uma específica (Meta 06) para tratar da Educação Especial.

Meta 6. Universalizar, em regime de colaboração com a União e os Municípios, o acesso das populações de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos de idade com Deficiência, Transtornos Globais do Desenvolvimento e Altas Habilidades/Superdotação à educação básica e ao atendimento educacional especializado, prioritariamente, na rede regular de ensino e nas instituições especializadas, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados, assegurando também a oferta para a população acima desta faixa etária. (Tocantins, 2015, s.p.)

Como o PEE-GO e os demais documentos nacionais que contemplam a Educação Especial, o PEE-TO retrata a parceria que a União e os Municípios devem promover para ampliar o desenvolvimento dos estudantes com necessidades educacionais especializadas, visando ao amparo e à inclusão no ensino regular e nas SRM, usufruindo dos serviços especializados. Observamos que o a Meta 4 do PNE se encontra reforçada no PEE-TO (Meta 6 deste). Essa e outras metas foram reproduzidas ou adaptadas dentro desses instrumentos de monitoramento, permitindo que houvesse uma relação mútua entre ambos.

A estratégia 6.8 do PEE-TO destaca a importância da preparação dos profissionais responsáveis pelas SRM, professores de classes comuns e professores auxiliares, estabelecendo um tripé entre todos. Dessa forma, as escolas públicas tocantinenses visam acolher todas as crianças e todos os jovens, independentemente de suas condições físicas, emocionais ou sociais. De acordo com esta estratégia, cabe aos sistemas de ensino estaduais:

[…] ampliar e garantir, equipes de profissionais da educação para atender a demanda dos(as) alunos(as) com Deficiência, Transtornos Globais do Desenvolvimento e Altas Habilidades/Superdotação, nas escolas públicas do sistema estadual de ensino, garantindo professores(as) do atendimento educacional especializado, profissionais de apoio e professores(as) auxiliares, tradutores(as) e intérpretes de LIBRAS, guias-intérpretes para surdocegos(as), professores(as) de LIBRAS, prioritariamente surdos(as), professores(as) bilíngues e apoiar os Municípios e as escolas privadas a implantarem centros de atendimento educacional especializado, em regime de colaboração com a União e os Municípios e em parcerias com instituições públicas, privadas e conveniadas, quando solicitado […]. (Tocantins, 2015, s.p.)

A preparação dos profissionais de educação é levada em consideração de maneira essencial, o atendimento de qualidade pode promover o melhor desenvolvimento das habilidades específicas dos alunos. Assim como em outros estados brasileiros, a política de Educação Inclusiva no estado de Tocantins enfrenta alguns desafios para sua completa efetivação, como o despreparo por parte da comunidade escolar para lidar com a inclusão. Dessa forma, evidenciamos a necessidade de ações formativas mais efetivas, preferencialmente em serviço, e a disponibilização de equipamentos e softwares de acessibilidade.

 

Direcionamentos dos estados frente ao contexto pandêmico para educação especial

No atual cenário de pandemia, a Secretaria de Estado da Educação de Goiás (SEDUC-GO) – citando como base legal o Parecer CNE/CP n.º 5/2020 (Brasil, 2020), aprovado pelo Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação – publicou as orientações sobre a reorganização do calendário escolar das suas instituições de ensino estaduais e estabeleceu a possibilidade de cômputo de atividades não presenciais como letivas. No que tange à Educação Especial, a orientação recebida pelas escolas foi que as atividades não presenciais se aplicariam a todos os alunos, independentemente de suas especificidades, níveis e particularidades. Tais nuances deveriam ser consideradas no momento da elaboração pelos docentes: tal orientação sobre as atividades não presenciais “é extensivo àqueles submetidos a regimes especiais de ensino, entre os quais os que apresentam altas habilidades/superdotação, deficiência e Transtorno do Espectro Autista (TEA), atendidos pela modalidade de Educação Especial.” (Brasil, 2020, s.p.). Questionamo-nos como oferecer uma educação de qualidade, prevista em lei a todos os alunos, quando demandas ainda não supridas, no ensino regular, precisaram ser deixadas de lado, a fim de se responder a uma demanda imprevisível, que foi o ensino remoto emergencial.

Uma possível resposta à inquietação levantada no parágrafo anterior é o parecer que orienta que o AEE deverá ser assegurado enquanto perdurar o contexto de pandemia da covid-19, devendo os professores de AEE trabalhar articuladamente com os professores regentes e a equipe escolar. Nesse sentido, o documento da SEDUC-GO estabelece que estes profissionais deverão organizar e adaptar os materiais para que as orientações sejam repassadas às famílias, oferecendo a elas o apoio necessário no acompanhamento das atividades junto ao estudante com deficiência.

Conforme orientações do Parecer CNE/CP n.º 5/2020 (Brasil, 2020), a SEDUC-GO encaminhou o Memorando n.º 102/2021 para todas as instituições de ensino do estado. O documento trouxe orientações para o Regime de Aulas Não Presenciais (REANP), especialmente quanto à elaboração de um portfólio para cada estudante. O processo de ensino e aprendizagem para os alunos da Educação Especial deveria ocorrer “por meio da plataforma digital com a mediação dos professores de apoio pedagógico dos intérpretes, por vídeo aulas no WhatsApp e material impresso entregues quinzenalmente” (Goiás, 2021, s.p.). Como forma de acompanhar e analisar o processo de aprendizagem dos conteúdos pelos estudantes, o portfólio foi utilizado para documentar e registrar a participação significativa “de forma individualizada dentro do contexto, adequando os recursos e metodologias necessárias para a promoção da aprendizagem destes estudantes” (Goiás, 2021, s.p.).

No estado do Tocantins, diante da nova realidade trazida pela pandemia da covid-19, professores e estudantes também tiveram que reinventar a forma de trabalho e estudo. Após três meses da suspensão das aulas em virtude da pandemia, no fim do primeiro semestre de 2020, houve a retomada das aulas por meio de modelo híbrido. A Secretaria de Estado da Educação de Tocantins (SEDUC-TO) publicou o Memorando n.º 120/2020 (Tocantins, 2020), apresentando as orientações para os professores do AEE e professores auxiliares dos alunos com deficiências e esclarecendo como deveriam ocorrer as aulas remotas a partir de então. Dentre os objetivos do memorando, salientamos que dois deles versavam a respeito das Salas de Recursos Multifuncionais; ambos mencionavam tanto a interlocução necessária entre professores regentes e professores auxiliares quanto o auxílio desses professores aos alunos.

Dessa forma, os estudantes com deficiências continuaram sua rotina de estudos com atividades híbridas, desenvolvendo suas habilidades por meio de recursos variados e contando com o apoio dos professores do AEE e da família. Foi apenas em maio de 2021 que alguns municípios tocantinenses tiveram condições de retorno às aulas presenciais.

 

Reflexões sobre as bases legais nacionais e estaduais

Diante das análises de documentos federais e estaduais citados no decorrer da pesquisa, percebemos como a inclusão dos estudantes com deficiência é vista pelas diferentes hierarquias administrativas. Na LDB (Brasil, 1996) é possível ler como a Educação Especial deve ser oferecida pela rede regular de ensino, destacando os procedimentos e os direitos destes estudantes. Nas DCNEE (Brasil, 2001), apresentam-se parâmetros específicos sobre a Educação Especial, como o perfil, as características e a faixa etária dos estudantes que fazem parte dessa modalidade de ensino, pautada em princípios éticos de moral humana e na busca por identidade individual e desenvolvimento pessoal.

No Plano Nacional de Educação (PNE) (Brasil, 2014), por se tratar de um instrumento de planejamento educacional do país, apresentam-se as diretrizes e metas que buscam melhorar os indicadores educacionais em nosso país. Por haver uma normatização nacional, percebemos que os Planos Estaduais dos estados de Goiás e Tocantins realizaram apenas pequenas adaptações em seu regulamento interno e mantiveram o texto trazido pelo PNE. Com isso poderíamos nos questionar – por exemplo – se as reflexões nos âmbitos estaduais têm sido suficientes, visto que os documentos têm mais passado por adequações do que uma reconfiguração genuína. Nos documentos estaduais, a Educação Especial é tratada como garantia e direito de todo cidadão brasileiro, tanto nas salas de aula regulares como nas salas especializadas (as SRM).

Na LBI (Brasil, 2015), observamos um avanço no processo inclusivo social. Criado especificamente para assegurar e promover condições de igualdade da pessoa humana, garantia do exercício de seus direitos e cidadania pelas pessoas com deficiência, a sua publicação permitiu alguns avanços sociais e um redesenhar de paradigmas sociais, os quais foram rompidos ou tensionados. Dentre eles, ressaltamos a maior expansão das políticas de acessibilidade (Franco & Gomes, 2020).

Nos Planos Estaduais de Educação dos estados de Goiás (2021) e do Tocantins (2020), observamos a presença de políticas internas que tratam da Educação Especial e Inclusiva em seus regulamentos. Notamos uma semelhança entre as metas estabelecidas por ambos os Planos: as garantias educacionais, o aproveitamento escolar como um direito de todos os estudantes, as SRM, os Professores Auxiliares para acompanhamento interno nas classes comuns, entre outros. No entanto, enquanto professoras em serviço, sabemos que o que é teoricamente estabelecido nos planos estaduais de educação nem sempre se materializa, com relatos de algumas regiões desses estados ainda se encontram às margens do desenvolvimento educacional e da inclusão escolar, seja pela falta de estrutura física das escolas seja pela falta de ações formativas das equipes escolares (Baptista, 2019; Franco & Gomes, 2020; Santos, 2020).

Na BNCC, aprovada pelo Ministério da Educação (MEC) por meio da Lei n.º 13.145/2017 (Brasil, 2017), revelamos que a Educação Especial foi fragilizada. Ao analisarmos a extensão do documento, percebemos uma superficialidade em relação ao conteúdo específico que seja capaz de promover a Inclusão Escolar. Levando-se em consideração o seu intuito de proporcionar um desenvolvimento cognitivo e social para todos os estudantes, a BNCC traz a educação dos estudantes com deficiências como um dos seus compromissos.

 

Considerações finais

As análises realizadas nos documentos normativos que suportam este estudo demonstraram que há uma intenção política para a construção de ações que façam do processo educacional um processo inclusivo. Os Planos de Educação dos referidos estados refletem aquilo que está compromissado no PNE (Brasil, 2014) e na LBI (Brasil, 2015), estabelecendo como metas a construção de cotidianos escolares inclusivos, desde a prioridade para que estudantes com deficiência se matriculem na rede regular de ensino até a estratégias para que eles tenham condições de ter à sua disposição uma SRM e AEE como ação complementar.

Os planos estaduais de educação analisados não apresentam claramente quais seriam as regiões dos estados que mais careciam de profissionais para o AEE e a implantação das SRM. Em suma, os documentos estaduais reforçam as metas das normativas federais, mas não avançam em mapear as suas próprias deficiências e os planos para saná-las. Corre-se o risco de – em 2025 – observarmos pouco avanço na concretização de uma intencionalidade de Escola Inclusiva. No nosso entendimento, aqui repousa uma orientação para pesquisas futuras, a qual é: pesquisas de campo que investiguem como tais recursos têm sido usados no dia a dia e quais têm sido as interpretações dos referidos documentos estaduais por agentes locais. Em outras palavras, nossa pesquisa documental contribui para o alinhamento de pesquisas de campo locais.

A pandemia provocada pela covid-19 criou desafios ao cenário educacional brasileiro e tornou ainda mais evidente as diferenças sociais entre famílias e instituições de ensino. Especificamente na Educação Especial, os estados de Goiás e Tocantins elaboraram orientações para o atendimento aos estudantes com deficiências. Foram indicadas diversas estratégias para este trabalho, desde a criação de portifólios, contatos via WhatsApp, atividades impressas, contando essencialmente com apoio das famílias nesse processo de aprendizagem frente ao distanciamento social. No entanto, observamos que as orientações de cada estado – apesar de apresentarem estratégias para o contexto de pandemia – mostraram algumas diferenças na efetivação e no acompanhamento do ensino e da aprendizagem do aluno. Todavia, ainda não é possível mensurar as lacunas de aprendizagem, da socialização, da subjetividade refletida em cada um dos alunos.

Ainda que o ensino remoto tenha sido uma boa estratégia para a continuidade das atividades escolares, não se pode desconsiderar o fato de domicílios sem acesso à energia elétrica; consequentemente, à internet. Apesar da opção de materiais impressos destinados aos alunos, não se pode esquecer que muitos não dispunham de suporte para auxiliá-los nas atividades escolares. Mesmo que o aparelho celular tenha ganhado destaque como aliado no processo educacional, na comunicação entre equipe pedagógica e alunos/família, não se pode desconsiderar que os pacotes de dados dos planos de internet no Brasil ainda são muito caros e que em muitas residências o aparelho é de uso coletivo e preferencialmente para compromissos profissionais dos pais.

O AEE é serviço muito importante para o processo de aprendizagem dos estudantes com deficiências. A matrícula deles em salas de aula regulares e em SRM é um divisor de águas nesse processo educacional, pois proporcionam a oportunidade de aprender e a conviver em sociedade, trocando saberes e experiências de vida. O repensar da oferta deste serviço – durante e após o período pandêmico – parece-nos ser uma consequência do que vivemos, uma vez que sua re-concepção foi necessária durante a pandemia de covid-19.

Por fim, entendemos ser importante pensarmos em uma mobilização coletiva por meio de palestras e orientações cotidianas direcionadas a todos os estudantes (não apenas àqueles com deficiências), pode ser um fator importante para o desenvolvimento da consciência individual de igualdade e empatia. Adicionalmente, a União, os estados e os municípios devem planejar ações de formação continuada direcionadas aos profissionais da Educação, tendo como foco a temática da Educação Inclusiva, constituindo equipes pedagógicas imbuídas do compromisso social de não somente permitir a matrícula de estudantes com deficiência, mas zelar pelo seu aprendizado enquanto ali estiver, estimulando-os a desenvolver a capacidade intelectual de cada um, nas suas especificidades, limites e potencialidades.

 

Referências

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Tocantins. (2020). Memorando n.º 120/2020 [Impresso]. Diretoria Regional de Educação de Araguaína.



[i] Pós-graduanda em Docência com ênfase educação inclusiva pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais. Professora da educação básica da Secretaria de Estado da Educação do Tocantins.

[ii] Mestra em Língua, Literatura e Interculturalidade pela Universidade Estadual de Goiás (2022). Pós-graduanda em Docência com ênfase educação inclusiva pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais.

[iii] Mestre em Educação pela Universidade Federal de Lavras (2016). Doutorando em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo. Técnico em Assuntos Educacionais no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais.