Artigo
A influência
do Banco Mundial na política educacional do Estado do Paraná
La influencia del Banco Mundial en la política
educativa del Estado de Paraná
The World Bank's influence on the educational policy
of the State of Paraná
Mayara Haruka Watanabe Iijima[i]
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Cascavel, PR, Brasil
https://orcid.org/0000-0001-6877-6348
Isaura Monica Souza Zanardini[ii]
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Cascavel, PR, Brasil
https://orcid.org/0000-0003-2226-3840
Contribuição
na elaboração do texto: Autora 1 – coleta de fontes primária e secundária,
análise de dados, sistematização do texto. Autora 2 – orientação da pesquisa, análise
de dados, sistematização do texto.
Recebido em: 25/02/2022
Aceito
em: 29/04/2022
Publicado em: 19/05/2022
Linhas
Críticas | Periódico científico
da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Brasil
ISSN: 1516-4896 |
e-ISSN: 1981-0431
Volume 28, 2022 (jan-dez).
http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas
Referência
completa (APA):
Iijima, M. H. W., & Zanardini, I. M. S.
(2022). A influência do Banco Mundial na política educacional do Estado do
Paraná. Linhas Críticas, 28, e42092. https://doi.org/10.26512/lc28202242092
Link alternativo:
https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/42092
Licença Creative
Commons CC BY 4.0.
Resumo: Este artigo objetiva apresentar a influência do
Banco Mundial no que diz respeito às políticas educacionais implementadas no
Estado do Paraná. Sendo assim, destacam-se o Projeto Qualidade da Educação
Básica (PQE) no Paraná, aprovado em 1994, e o Projeto Multissetorial para o
Desenvolvimento do Paraná, instituído em 2012. O projeto de educação
disseminado por esse organismo internacional é sustentando e negociado de
acordo com os interesses da política interna paranaense e incorpora aspectos do
campo empresarial, resultando na intensificação de processos avaliativos, na
busca pela eficiência e eficácia e na participação e responsabilização dos
sujeitos em prol de melhores resultados.
Palavras-chave: Banco Mundial. Políticas educacionais. Produtividade da Educação.
Avaliação da Educação. Qualidade da educação.
Resumen: Este artículo pretende presentar la influencia del
Banco Mundial en las políticas educativas implementadas en el Estado de Paraná.
Así, destacan el Projeto Qualidade
da Educação Básica (PQE) en Paraná aprobado en 1994 y
el Projeto Multissetorial
para o Desenvolvimento do Paraná en 2012. El proyecto
educativo difundido por este organismo internacional se sustenta y negocia de
acuerdo con los intereses de la política interna de Paraná e incorpora aspectos
del ámbito empresarial que se traducen en la intensificación de los procesos de
evaluación, en la búsqueda de eficiencia y eficacia y en la participación y
responsabilización de los sujetos en pro de mejores resultados.
Palabras
clave: Banco Mundial. Políticas educativas. Productividad de la educación. Evaluación de la educación. Calidad de
la educación.
Abstract: This article discusses the influence of the World Bank
regarding the educational policies implemented in the State of Paraná. Thus,
the Projeto Qualidade da Educação Básica (Quality of Basic
Education Project) in Paraná, approved in 1994, and the Projeto
Multissetorial para o Desenvolvimento
do Paraná (Multi-sector Project) for the Development of Paraná, instituted in
2012, stand out. The education project disseminated by this international
organization is sustained and negotiated according to the interests of the
internal policy of Paraná and incorporates aspects of the business field, resulting
in the intensification of evaluative processes, the search for efficiency and
effectiveness, and the participation and accountability of the subjects in
favor of better results.
Keywords: World Bank.
Educational policies. Education Productivity. Education Evaluation. Quality of
Education.
Introdução
Este artigo, que tem como objetivo apresentar a influência do Banco
Mundial (BM) no que diz respeito às políticas educacionais implementadas no
Estado do Paraná, é resultado de uma pesquisa bibliográfica e documental,
fundamentada em fontes primárias internacionais e nacionais que orientam a
política educacional no Estado. Os documentos analisados são considerados a
partir da dimensão histórica e da compreensão das relações sociais
estabelecidas na base material da sociedade.
Em linhas gerais, é possível afirmar que o Grupo BM é formado por
cinco instituições: Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
(BIRD), Associação Internacional de Desenvolvimento (AID), Corporação
Financeira Internacional (CFI), Agência Multilateral de Garantia de
Investimentos (AMGI) e Centro Internacional para Resolução de Disputas de
Investimentos (CIRDI). Inicialmente, em 1944, suas ações estavam direcionadas à
reconstrução da infraestrutura dos países pós-Segunda Guerra Mundial. Atualmente,
com expressiva capacidade de atuação, o Banco Mundial atua na implementação de
estratégias para aliviar a pobreza e fomentar a prosperidade compartilhada dos
países considerados em desenvolvimento. Contudo, para que isso ocorra, exerce influência
nas diversas áreas de desenvolvimento, entre elas a educação.
Ressaltamos que a
influência desse organismo internacional pode ser compreendida “[…] por meio do
estabelecimento da agenda de questões a serem consideradas, das prioridades
fixadas, das concepções com base nas quais se definem as políticas públicas e,
inclusive, do condicionamento explícito de políticas.” (Vior
& Cerruti, 2014, p. 113). Sendo assim, é possível
afirmar que a implementação de políticas sociais, nas quais se incluem a
educação, não resulta de uma imposição feita por esse organismo internacional,
mas da complexa correlação de forças e de interesses que perpassam um país e o
conjunto de seus estados.
Entendemos que o BM
é indutor de políticas, e que suas orientações não são uma imposição, mas há
uma relação de negociação de interesses internos e externos e, portanto, de
intervenção e de consentimento, como argumenta Silva (2002). Diante disso, objetivamos
apresentar a influência do BM na implementação de políticas voltadas para a
área da educação no Estado do Paraná, considerando que as condicionalidades desse
organismo internacional, atendidas pela elite nacional, estão relacionadas ao
fomento de um determinado projeto societário que permanece na orientação das
relações sociais estabelecidas na sociedade capitalista.
Para tratar
dessa influência, destacamos algumas das ações desenvolvidas nos governos de
Roberto Requião de Mello e Silva (1991-1994), de Jaime Lerner (1995-1998) e de Carlos
Alberto Richa (2011-2017). Chamamos a atenção, sobretudo, para o contrato
firmado entre o BIRD e o Governo do Estado do Paraná – Contrato
de Garantia para o Projeto Qualidade da Educação Básica (PQE) no Paraná número
3766/BR –, em 1994, no valor de US$96 milhões de dólares (Sousa, 2013), e para
o Documento de Avaliação do Projeto do Empréstimo Proposto, elaborado pelo
Banco Mundial (2012), no Valor de US$350 milhões para o Estado do Paraná, com a
Garantia da República Federativa do Brasil.
A
análise dos documentos produzidos pelo BM, selecionados no site do próprio
Banco para este estudo como fontes primárias, demonstra a preponderância desse organismo
internacional para além do aspecto financeiro, indicando a sua influência no
que diz respeito à disseminação de orientações para implementação de políticas
educacionais, bem como os discursos e as justificativas que as fundamentam.
A
partir de uma abordagem metodológica qualitativa, relacionada ao levantamento
de fontes específicas do Estado do Paraná, buscamos, seletivamente, no site do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social
(Ipardes), os seguintes documentos como
fontes primárias deste artigo: o Manual Operativo de
Projeto (MOP) volume 1 (Paraná, 2014a), que apresenta a descrição do Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná,
atentando-se para os compromissos assumidos no Acordo de Empréstimo firmado
entre o BM e o Estado do Paraná; e o MOP volume 4 (Paraná, 2014b), que trata
especificamente dos programas que compõem o setor da Educação do Projeto no
Paraná: Formação em Ação, Renova Escola e Sistema de
Avaliação da Aprendizagem.
Tanto os
documentos orientadores do BM como as políticas estaduais implementadas no
Paraná (PQE e Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná) e
apresentadas neste artigo foram analisadas a partir do contexto de sua produção.
Isso se harmoniza com o pressuposto metodológico de que, para compreender a
influência do BM na política educacional do Paraná, é preciso considerar o
conjunto das relações sociais presentes na sociedade capitalista e as
implicações produzidas sobre as políticas educacionais, na direção do que
orientam Shiroma et al. (2005):
As recomendações presentes nos documentos de
política educacional amplamente divulgados por meios impressos e digitais não
são prontamente assimiláveis ou aplicáveis. Sua implementação exige que sejam traduzidas,
interpretadas, adaptadas de acordo com as vicissitudes e os jogos políticos que
configuram o campo da educação em cada país, região, localidade; tal processo
implica, de certo modo, uma reescritura das prescrições, o que coloca para os
estudiosos a tarefa de compreender a racionalidade que os informa e que, muitas
vezes, parece contraditória, fomentando medidas que aparentam ir em direção
contrária ao que propõem. (Shiroma et al., 2005, pp.
430-431)
Para
apresentar as reflexões desenvolvidas, estruturamos este artigo está em duas
seções: na primeira, intitulada O Projeto Qualidade do Ensino Público (PQE) no
Paraná financiado pelo Banco Mundial, tratamos de um projeto específico para a
área da educação – o PQE –, demonstrando que o seu principal objetivo (a
melhoria da escolarização dos alunos do Ensino Fundamental) baseava-se na
gestão compartilhada e fundamentava-se na política das escolas como centro de
excelência; na segunda, denominada A educação no Projeto Multissetorial para o
Desenvolvimento no Paraná financiado pelo Banco Mundial, apresentamos os
principais objetivos desse projeto no que diz respeito à área da educação, tais
como a melhoria da qualidade do ensino, a redução da distorção idade/ano e a melhoria
do ambiente escolar. Para tanto, os programas definidos para o alcance desses
objetivos foram: o Sistema de Avaliação de Aprendizagem, Formação em Ação e
Renova Escola.
O Projeto Qualidade do Ensino Público (PQE) no Paraná financiado pelo Banco Mundial
Embora
as primeiras negociações do governo do Estado do Paraná com o BM tiveram êxito a
partir de 1987, período que corresponde à posse do governador Álvaro Dias (1987-1991),
como afirmam Gonçalves et al. (2003), neste estudo, consideramos, para a
análise das negociações com o BM, a gestão do governador Roberto Requião
(1991-1994), do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), pois foi nesse
governo que o PQE no Paraná começou a ser desenhado.
Durante
o Governo Requião, foi possível observar, segundo Gonçalves et al. (2003), que
os projetos voltados para a educação estavam inseridos na lógica do
desenvolvimento do Estado e da sua capacidade de competir. Nesse contexto, as
decisões, em grande medida, eram influenciadas pelo Secretário de Planejamento.
Os autores supracitados mencionam:
A opção inicial da
Secretaria de Planejamento era por um investimento focalizado na criação de
algumas escolas técnicas (2.o grau), ou melhor, centros técnicos à semelhança
das escolas de Quebec (Canadá), que o Secretário de Planejamento havia
visitado, os quais pudessem formar técnicos de alto nível e prover o Estado de
mão-de-obra qualificada em áreas de ponta, interferindo no ainda predominante
perfil agrícola do Estado. (Gonçalves et al., 2003, p. 87)
No
entanto, ciente das condicionalidades determinadas pelo BM no que se refere ao
retorno que a Educação Básica (principalmente o ensino fundamental) poderia oferecer,
o Estado do Paraná, em um primeiro momento, buscou, junto ao BM, financiamentos
para o ensino de 1º grau. Na visão do Secretário de Planejamento do Estado do
Paraná, essa ação foi necessária para que, mais tarde, fosse possível obter a
aprovação de recursos do BM para financiar as escolas técnicas de 2º grau,
objetivo central dessa gestão (Gonçalves et al., 2003).
Após
negociações iniciadas em 1992, foi aprovado, em 1994, o PQE para o Ensino Fundamental,
em um contrato firmado entre o governo do Estado do Paraná e o BM (Gonçalves et
al., 2003; Figueiredo, 2005; Sousa, 2013). Sobre o PQE, Gonçalves et al. (2003)
e De Tommasi (2007) apontam que o projeto do Paraná
passou por duas formulações: a primeira guardava aproximações com o projeto do Estado
de São Paulo e a segunda com o projeto de Minas Gerais, sendo essa a versão
final do PQE-PR, que seria executado somente no governo seguinte.
Com relação
aos empréstimos externos concedidos pelo BM para o Estado do Paraná, era
necessário que o Estado se adequasse às exigências impostas. Entre elas, de
acordo com De Tommasi (2007), estavam a adoção do
processo de municipalização do ensino e o apoio à descentralização, resultando
na autonomia das escolas. Além disso, “[…] o Banco requer que os estados se responsabilizem
pelo fornecimento dos livros às escolas, independente do cumprimento de suas
obrigações por parte do Governo Federal.” (De Tommasi,
2007, p. 206). Ainda, na busca pela eficiência, o BM impôs um estado de
competição entre as instituições escolares, pois estabeleceu critérios para
aprovação de financiamento, como a presença do caráter inovador dos projetos
apresentados pelas escolas, a fim de reduzir as altas taxas de repetência.
Seguindo
essa direção, Sousa (2013, p. 85) ressalta as recomendações feitas pelo BM para
a educação do Estado do Paraná:
No contrato de garantia
para o Projeto Qualidade da Educação Básica (PQE) no Paraná número 3766/BR,
firmado em 1994 com o BIRD no valor de 96 milhões de dólares, o Banco
estabelece obrigações ao mutuário não só no sentido financeiro, quando impõe a
contrapartida de 102 milhões de dólares, mas no sentido político também, quando
estabelece os direcionamentos do projeto. Entre as orientações do Banco a
gestão educacional de maneira ampla se apresenta de forma significativa, isto
na mesma lógica de eficiência apresentada na Reforma do Estado. No referido
contrato são explicitados os encaminhamentos acordados com o Banco para a
Educação no Paraná: a descentralização em consonância com a participação, a
autonomia e a responsabilização como mecanismos essenciais para constituir
escolas de excelência.
Desse modo, é importante assinalar que compreendemos
o PQE sob a dimensão da regulação transnacional de políticas educacionais, bem
como do Estado reformado e do papel que desempenha no contexto de implementação
de projetos educacionais. Em meio a esse contexto, em 1995, houve mudança
na gestão do governo do Estado, que ficou sob responsabilidade de Jaime Lerner
(1995-1998), o qual, por meio da Secretaria da Educação, definiu os Planos de
Ação I e II para orientação das atividades educacionais. De acordo com
Figueiredo (2005), os atos previstos nesses Planos fazem parte dos componentes
de ação definidos no PQE.
O PQE
tinha como objetivo propalado aumentar a escolarização dos alunos das redes
municipal e estadual, englobando alunos de 1ª a 8ª série. Em conformidade com a
realidade nacional, em um contexto sinalizado pela Reforma do Estado, o governo
de Lerner ressaltava a necessidade da gestão compartilhada, cuja valorização da
escola e dos professores que nela atuavam era uma característica relevante
dessa forma de gestão (Figueiredo, 2005).
Na
visão de Sousa (2013, p. 91), a gestão compartilhada traduzia-se em alguns
princípios básicos, tais como:
[…] as escolas como
centros de excelência; as parcerias com a comunidade para obter sucesso no
cumprimento das metas de excelência; o fortalecimento da gestão descentralizada
da SEED-PR como apoio no desenvolvimento da competência do sistema; a
valorização do profissional da educação mediante a ampliação da sua
competência; o envolvimento da comunidade externa e interna à escola tomado
como fundamental no processo de avaliação; e a sistematização e o acesso às
informações. Esses princípios seriam a base para a concretização do processo decisório
e de inovações educacionais.
Como
observado no excerto, Sousa (2013) ressalta que a proposta da gestão
compartilhada da educação no governo Lerner, o PQE e o Programa Expansão,
Melhoria e Inovação no Ensino Médio do Paraná (PROEM) basearam-se na política
da escola de excelência, a qual girava em torno de “categorias como competição,
responsabilização, avaliação e premiação” (Sousa, 2013, p. 87), sendo orientada
pelas proposições neoliberais de organismos internacionais. Isso corroborou com
os documentos que foram produzidos após a Conferência Mundial sobre Educação
para Todos, realizada em Jomtien, em 1990, e com a
lógica da eficiência apresentada na Reforma do Estado.
No que
se refere ao PQE, para alcançar seus objetivos, esse programa direcionava suas
ações fundamentadas em cinco componentes: materiais pedagógicos e equipamentos;
capacitação dos recursos humanos da educação; rede física; desenvolvimento
institucional; e estudos, pesquisas e avaliação (Figueiredo, 2005).
No
conjunto dessas discussões, é preciso desconstruirmos a crença de que os
projetos financiados pelo BM resultam apenas de exigências prontas e acabadas,
impostas por esse organismo internacional e que devem ser colocadas em prática
pelos países tomadores de empréstimos. Ao contrário disso, observamos, de
acordo com Nogueira et al. (2003), que houve uma flexibilização por parte do BM
no decorrer da implementação do projeto PQE, a partir de demandas internas. Os
autores apontam:
O que foi possível
verificar é que os técnicos do Banco Mundial, em negociação com os técnicos da
SEED-Pr, no processo de aprovação do projeto PQE, re-alocaram
as rubricas de outros programas de ação para o programa de “Desenvolvimento
Institucional” e “Capacitação de Professores”. Estes dois programas de ação se
constituíram efetivamente como os de maior impacto, seja na perspectiva de
reestruturação do aparelho do Estado […], seja no impacto ideológico que
atingiu o conjunto dos professores, a comunidade escolar em geral, e os pais/APMs (Nogueira et al. 2003, p. 91)
Merece
destaque, também, a possibilidade de alterações nos projetos em andamento,
mudanças que ocorreram no componente 1, material pedagógico. O objetivo
principal do PQE era promover a universalização do Ensino Fundamental no Estado,
melhorando os índices nacionais. Para alcançar esse propósito e combater a
distorção idade/série, em uma de suas ações, a Secretaria da Educação e do
Esporte do Paraná (SEED-PR) incluiu, no componente material pedagógico, a
impressão de material didático para o Programa de Correção de Fluxo (Nogueira
et al., 2003).
Portanto,
compreendendo que a política do BM para a educação não se trata de uma
imposição, mas é resultado de um jogo de forças e interesses internacionais e
nacionais, Pronko (2014) reforça que:
Essa perspectiva é fundamental para superar o
duplo equívoco de pensar a atuação do BM como uma intervenção de fora para
dentro (portanto, uma sobredeterminação do âmbito internacional sobre o
nacional) e como uma imposição unilateral da qual os governantes locais seriam
vítimas. (Pronko, 2014, p. 90)
No que
se refere especificamente à qualidade da educação desejada pelo PQE, foram
adotados mecanismos de avaliação e de controle, como a Avaliação do Rendimento
Escolar (AVA), que supostamente forneceria informações mais precisas sobre a
realidade escolar e assim serviria de ferramenta para nortear o trabalho
pedagógico.
O que
constatamos é que essa nova forma de gestão escolar, atrelada à necessidade de
avaliação dos resultados em busca da melhoria da qualidade educacional, refletia
a atualização da ideologia neoliberal que ocorreu na década de 1990. A esse
processo de redefinição das políticas educacionais, que é conduzido pelos
grupos hegemônicos com sustentação em orientações dos organismos internacionais
como o BM, Melo (2005) chamou de mundialização da educação, compondo o processo
de mundialização do capital.
Sousa
(2013), referindo-se ao governo de Carlos Alberto Richa, no Paraná, também
retoma alguns dos pressupostos do BM, assim como foi feito no governo Jaime
Lerner. A autora assevera:
Na mesma lógica do governo
Lerner, o Estado precisa se tornar mais eficiente de forma a melhorar a gestão
pública, com maior ação no setor público e econômico e ao mesmo tempo reduzir
os gastos do Estado. Para tanto, é fundamental convocar e convencer a sociedade
da importância da sua participação para melhorar o Paraná. A ideia do
“empoderamento” (empowerment), da cooperação, da responsabilização, das
parcerias, está presente como estratégia central desse governo. Nesse sentido,
na gestão educacional as instâncias colegiadas são estimuladas a participar,
principalmente como meio de assumir a responsabilidade do estado nas
benfeitorias escolares e na obtenção de mais recursos. (Sousa, 2013, pp. 98-99)
Tendo
como base os pressupostos do Banco Mundial, que coadunam à lógica presente na
Reforma do Estado brasileiro, o governo de Carlos Alberto Richa, no Paraná,
retoma alguns desses elementos de caráter neoliberal, tais como: “[…] corte de
gastos públicos, redução da burocracia, descentralização, maior ênfase no mercado e parcerias público privadas PPPs.”
(Sousa, 2013, p. 99).
A
respeito do governo de Carlos Alberto Richa e de suas relações com os
organismos internacionais, em especial o BM, por meio do Projeto Multissetorial
para o Desenvolvimento do Paraná, discorremos a seguir.
A educação no Projeto
Multissetorial para o Desenvolvimento no Paraná financiado pelo Banco Mundial
Falar
sobre a atuação do BM no Estado do Paraná, na visão de Sousa (2013), pressupõe
estudar o Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná, elaborado
pelo governo de Carlos Alberto Richa com a finalidade de obter empréstimos do
Banco Mundial. Nesse documento, é possível identificar convergências com as
recomendações e as orientações desse organismo internacional. Para tanto, é
fundamental a leitura de documentos como o Relatório nº 67388-BR do Banco
Mundial (2012), que trata da avaliação do Projeto do Empréstimo proposto no
valor de US$ 350 milhões de dólares do BM para o Estado do Paraná, o Manual
Operativo de Projeto (MOP) volumes 1 (Paraná, 2014a) e 4 (Paraná, 2014b), o Modelo Lógico Formação em Ação (Ipardes,
2012a), o Modelo Lógico Programa Renova Escola (Ipardes, 2012b) e o Programa
Sistema de Avaliação da Aprendizagem (Ipardes, 2012c).
Em seus
estudos, Camargo (2018) examinou as condicionalidades políticas, ideológicas,
financeiras e educacionais para o financiamento da política educacional,
presente nos documentos do Projeto Multissetorial para
o Desenvolvimento do Paraná, implementado no estado durante a gestão dos
governos de Carlos Alberto Richa (2011-2017).
Para financiá-lo,
o Estado do Paraná contraiu diversos empréstimos com o BM, que foram
acompanhados por diversas condicionalidades, sejam elas políticas, ideológicas
e/ou financeiras. Sendo assim, estudar essas condicionalidades “[…] é tentar
desvendar quais as intencionalidades por trás do seu financiamento.” (Camargo,
2018, p. 54).
O custo
total do Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná foi de US$
713,24 milhões. O BM se responsabilizou por financiar uma parte, que
corresponde ao valor de US$ 350 milhões, e o restante da contrapartida caberia
ao Estado (Banco Mundial, 2012). De acordo com o MOP, o Projeto Multissetorial
para o Desenvolvimento do Paraná tinha como objetivo tornar mais justo e
sustentável o acesso às oportunidades de desenvolvimento econômico e humano,
com base em um “Novo Jeito de Governar”, caracterizado por uma gestão
direcionada aos resultados. O projeto partia da chamada Abordagem
Setorial Ampla (SWAp), com o envolvimento das Secretarias
Estaduais de Educação, de Saúde, de Agricultura, de Meio Ambiente, da Fazenda, da
Administração e da Previdência e Planejamento. De acordo com o primeiro volume
do MOP:
A proposta do Projeto está
em consonância com a estratégia do governo para o desenvolvimento do Paraná,
que visa à construção de um “Novo Jeito de Governar”, objetivando a introdução
de uma gestão voltada a resultados. Esta postura, responsável e inovadora, será
construída a partir do desenvolvimento das competências de gestão, da renovação
dos métodos de trabalho e das estruturas de governo, numa verdadeira nova
gestão, focada em resultados efetivos. (Paraná, 2014a, p. 11)
Como
mencionado anteriormente, o Projeto Multissetorial para
o Desenvolvimento do Paraná articula-se às diretrizes e às proposições do BM.
É possível observar essa conexão em um dos seus documentos - Um Brasil mais justo, sustentável e competitivo:
estratégia de assistência ao país 2004 – 2007 (Banco Mundial, 2003) -, no
qual o BM define elementos da visão do desenvolvimento de um Brasil mais justo,
sustentável e competitivo.
O BM
(2003) afirma, ainda, que essas três dimensões de visão para o Brasil – justo,
sustentável e competitivo – estão relacionadas e, portanto, o programa de
assistência desse organismo internacional é de natureza multissetorial. Desse
modo, “Privilegia a combinação de atividades de um grupo de setores para
alcançar um objetivo comum (por exemplo, as iniciativas nos setores de saúde,
água e educação para reduzir a mortalidade infantil)” (Banco Mundial, 2003, p.
78).
Nessa
direção, com vistas a garantir uma estratégia que esteja estruturada e ajustada
em nível estadual, os empréstimos direcionados aos estados reúnem esse caráter
multissetorial. É o que ocorre, por exemplo, na definição do Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná.
As ações desse Projeto foram organizadas em dois componentes: Componente 1 - Promoção
Justa e Ambientalmente Sustentável do Desenvolvimento Econômico e Humano, que está
organizado em quatro subcomponentes (1.1 Desenvolvimento Rural
Sustentável; 1.2 Gestão Ambiental e de Riscos e Desastres; 1.3 Educação; e 1.4
Saúde); e Componente 2 - Assistência Técnica para Gestão Pública Mais Eficiente
e Eficaz, que abarca ações de apoio técnico e financeiro à implementação do
Componente 1 e às atividades de modernização da gestão do setor público, dividido,
por sua vez, em oito subcomponentes (2.1 Qualidade Fiscal; 2.2 Modernização
Institucional; 2.3 Gestão Mais Eficiente de Recursos Humanos; 2.4 Apoio à
Agricultura de Baixo Impacto Ambiental; 2.5 Apoio à Modernização do Sistema de
Gerenciamento Ambiental; 2.6 Apoio à Gestão de Riscos Naturais e Antrópicos;
2.7 Educação; e 2.8 Saúde).
Neste
artigo, de modo específico, discutimos os subcomponentes 1.3 e 2.7, que tratam
da educação. De acordo com o MOP, as principais ações para esses subcomponentes
se concentram nos seguintes objetivos: a) melhoria da qualidade do ensino; b) redução
da distorção idade/ano e busca da permanência e conclusão dos anos escolares do
aluno; e c) melhoria do ambiente escolar.
Ainda,
no subcomponente da educação, ocorre a implementação do Programa
Sistema de Avaliação da Aprendizagem, um dos Programas
de Gastos Elegíveis (PGEs). Vale destacar que os PGEs são considerados iniciativas orçamentárias no Plano
Plurianual 2012-2015 e na Lei nº 17.012, de 14 de dezembro de 2011, que estimou
a receita e fixou as despesas para o exercício financeiro de 2012 (Paraná,
2011), correspondendo às ações do Componente 1, que visa ao fomento do
desenvolvimento econômico e social do Estado do Paraná (Paraná, 2014a). Com o Programa Sistema de Avaliação da Aprendizagem, o
governo estadual busca alcançar as metas estabelecidas pelo governo federal
para o campo educacional. Sendo assim, entende-se que é necessário medir os
resultados da aprendizagem por meio de uma avaliação padronizada para o Ensino Fundamental
(anos finais) e ensino secundário. Dessa forma, tem-se como objetivo a
preparação de relatórios e a divulgação dos resultados das avaliações, de modo
que as escolas façam a comparação com as demais instituições e possam planejar
intervenções que subsidiem a prática docente, a fim de melhorar a qualidade de
ensino.
Entre
1995 e 2002, a SEED-PR desenvolveu o Programa de Avaliação do Sistema
Educacional do Paraná, que, inicialmente, estava vinculado ao PQE-PR,
financiado pelo BM, conforme já abordado anteriormente. O Programa de Avaliação do Sistema Educacional do Paraná deve
ser compreendido como uma política educacional associada ao âmbito federal,
como consequência da Reforma do Estado e da Educação Básica, a qual promovia a
cultura das avaliações em larga escala e que resultou na implementação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), em
1991. Dessa forma, assim como ocorreu nos demais setores, e de modo específico
na educação, em consonância com a estratégia de um Novo Jeito de Governar,
implementou-se, nas escolas do Paraná, uma proposta de educação voltada para os
resultados.
Além
disso, é interessante destacar que o MOP chama a atenção para a participação da
sociedade como um todo na implementação do SAEB do Paraná. “Para tanto, é
fundamental o envolvimento efetivo das instâncias colegiadas (Conselho Escolar,
Associação de Pais, Mestres e Funcionários - APMF -
e Grêmio Estudantil) no Processo Avaliativo” (Paraná, 2014b, p. 27).
Nesse
sentido, Camargo (2018) ressalta que:
[…] falar em participação
da Associação de Pais, Mestres e Funcionários e Similares (APMF’s),
por exemplo, como aparece nos documentos do Projeto Multissetorial para o
desenvolvimento do Paraná, deveria se falar em participação da comunidade para
melhoria na educação por meio de diálogos produtivos. Chamar a comunidade para
a escola apenas para apresentar resultados das avaliações externas como uma culpabilização,
como uma escola que não está dando conta de formar os alunos, é, no mínimo,
desrespeitoso para com a escola. (Camargo, 2018, p. 98)
A
autora afirma, ainda, que, diante dessa situação, a autonomia concedida às
escolas, que estaria disfarçada sob o discurso da defesa em prol da
participação da comunidade, traduz-se, na realidade, como uma transferência de
responsabilidades do Estado para a comunidade escolar, em que “[…] culpa-se a
escola e os profissionais que nela atuam pelo fracasso ou pelo sucesso da
instituição.” (Camargo, 2018, p. 98).
No
entanto, no discurso do BM (1999), o incentivo à participação é tratado como consequência
da necessária “reinvenção do Estado”, que deve deixar de lado seu aspecto
centralizador e burocrático:
Aunque el papel del estado continúa siendo el fomento de la educación
básica para todos, ya no es el único responsable de impartir la educación
propiamente dicha. Los gobiernos locales, comunidades, familias, personas
individuales y el sector privado comparten ahora esa responsabilidad. Los
responsables de formular las políticas educacionales están redefiniendo las
responsabilidades de los gobiernos locales y centrales y fomentando el
desarrollo de procesos nuevos para la toma de decisiones, tales como
descentralización, autonomía escolar, privatización, y participación y
evaluación comunitaria de las instituciones educacionales. (Banco Mundial, 1999, p. 33)
Portanto, produz-se nesse contexto uma “hegemonia
discursiva”, cujas reformas consideradas exitosas, como aquelas realizadas em
países centrais como Estados Unidos, são disseminadas, sobretudo, em documentos
de organismos internacionais como Banco Mundial para os países periféricos do
capitalismo, como exemplo a ser seguido (Shiroma et
al., 2005).
Outro PGE
no subcomponente da Educação refere-se ao Programa de
Desenvolvimento de Professores – o Programa Formação em Ação. “Entende-se
que o avanço dos indicadores que medem a qualidade da Educação está diretamente
ligado à efetiva valorização dos professores e técnicos da Educação, com a
difusão das melhores práticas pedagógicas” (Paraná, 2014b, p. 39).
O Programa Formação em Ação é constituído pela formação
teórico-prática dos professores e técnicos da Educação, por meio de oficinas, e
envolve as ações do Programa de Desenvolvimento da
Educação (PDE). De acordo com o MOP (Paraná, 2014b), as cinco dimensões de
impacto dessa política são:
Desempenho dos alunos em
testes padronizados: O objetivo final do PDE
é a melhoria da qualidade do ensino ofertado pela rede. A qualidade do ensino
deve ser comparável entre professores e escolas; desta forma, deve ser
observada por meio de exames padronizados, como a Prova Brasil ou outro a ser
aplicado regionalmente;
- Formação dos
professores egressos do PDE: A experiência do PDE pode servir de estímulo
para que o professor continue sua formação, com vistas a criar novos projetos
para a implementação na escola em que atua. Esses efeitos seriam sentidos
posteriormente ao PDE, podendo ser verificados nos professores após dois anos
do término da formação;
- Ambiente escolar:
Os impactos do PDE podem ir além daqueles atores diretamente envolvidos, isto
é, o corpo docente e o discente. Espera-se que seus efeitos sejam também
sentidos no ambiente escolar, em aspectos como violência na escola e
relacionamento entre os atores. Tais impactos podem ser verificados por meio de
informações levantadas em pesquisas, como o Censo Escolar e Prova Brasil;
- Estímulo aos
professores participantes e não participantes (Qualificação, frequência e
redução do afastamento): Espera-se que a possibilidade e os mecanismos de
seleção para participação no PDE induzam os professores da rede a uma melhora
na sua formação continuada, na assiduidade e também na redução de afastamento.
Essas informações podem ser verificadas nas fichas funcionais dos docentes no
Departamento de Recursos Humanos da SEED;
- Melhora da produção
científica e acadêmica das IES parceiras: Espera-se que a integração com os
professores participantes do PDE tanto estimule a pesquisa quanto modifique
tópicos e abordagens ensinados pelos orientadores em suas IES de origem. Os
impactos neste eixo podem ser observados em bancos de dados sobre produção
científica das IES (quantidade e qualidade das publicações docentes) e também
nos resultados de desempenho dos cursos de Pedagogia e licenciatura no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE). (Paraná,
2014b, pp. 56-57)
Sendo
assim, o PDE é uma política educacional inscrita no Programa
Formação em Ação, cujo objetivo é “[…] instituir uma dinâmica permanente de
reflexão, discussão e construção do conhecimento.” (Paraná, 2014b, p. 51),
amparada pelas Instituições de Ensino Superior (IESs)
e implementada nas escolas de Educação Básica.
Por
fim, o Programa Renova Escola, que visa à melhoria
das instalações das escolas, constitui o terceiro PGE no subcomponente da educação.
O Programa Renova Escola foi estruturado em torno de três ações: ampliação e/ou
adequação de ambientes escolares; recuperação e reparos de Prédios Escolares; e
aquisição de equipamentos e mobiliários escolares.
De
acordo com o MOP (Paraná, 2014b, p. 76), “O ambiente físico escolar adequado,
representado pelo conjunto das instalações físicas e recursos materiais
necessários ao bom funcionamento da escola, é um facilitador para o processo de
aprendizagem e um indicador de qualidade em educação”. Sendo assim, entendemos
que uma escola que não ofereça infraestrutura adequada tem grande chance de
apresentar resultados insatisfatórios no que se refere à aprendizagem.
Em
resumo, com relação aos três programas apresentados, e levando em consideração
que é responsabilidade do Estado assegurar a equidade no acesso à escola e
garantir a permanência e a aprendizagem dos alunos, afirma-se que:
Os três
programas do setor Educação contribuem para o cumprimento desse compromisso. O
programa Sistema de Avaliação da Aprendizagem
enfrenta o problema da “insuficiência de informações necessárias para o
direcionamento pedagógico sobre o desempenho dos alunos”. O programa Formação em Ação visa à atualização e formação dos
profissionais de educação. O programa Renova Escola objetiva a melhoria do
ambiente escolar com a manutenção e conservação dos prédios escolares e a
disponibilização de equipamentos e mobiliários. (Paraná, 2014b, p. 27)
Desse
modo, para demonstrar a influência do BM no Estado do Paraná, além do contrato
firmado entre o BIRD e o Governo do Estado do Paraná – Contrato de Garantia
para o Projeto Qualidade da Educação Básica (PQE)
no Paraná número 3766/BR, em 1994, no valor de 96 milhões de dólares e o Documento de Avaliação do Projeto do Empréstimo Proposto
no valor de US$350 milhões de para o Estado do Paraná com a garantia da
República Federativa do Brasil de 2012 –, é possível destacar que, tal como o BM
recomenda que haja controle dos resultados associado a conceitos de qualidade e
avaliação, as ações desenvolvidas no Paraná, especialmente no que se refere à
educação, incorporam a mesma perspectiva.
Ressaltamos também que a influência dos
organismos internacionais, como o BM, no que diz respeito às políticas dos
países periféricos do capitalismo, está relacionada ao processo definido por Barroso
(2005) como regulação transnacional. Nessa mesma perspectiva, Mello (2014), ao
discorrer sobre a atuação do BM na disseminação de políticas transnacionais,
afirmou que:
Ele foi capaz de, ao longo da sua trajetória,
alcançar legitimidade suficiente para que seus dados estatísticos se tornassem
referência, seus funcionários e documentos circulassem nos governos,
organizações não governamentais (ONGs), universidades e jornais de todo o
mundo, com influência em diversas áreas e temáticas ligadas ao debate
“guarda-chuva” do desenvolvimento que ele ajudou a consolidar. (Mello, 2014, p.
153)
Portanto, é
possível afirmar que a regulação transnacional de políticas pode ser exercida
por meio do controle de regras colocadas nos sistemas de financiamento, as
quais afetam, em determinada medida, a execução de políticas mormente no campo
da educação. Ademais, a regulação transnacional pode ser identificada nos
programas de cooperação ofertados pelos países centrais aos países periféricos,
reunindo-se técnicos de diversos países para supostamente realizarem
investigações a fim de apresentarem possíveis soluções para determinados
problemas. Para Barroso (2006):
Estes programas sugerem (impõem) diagnósticos,
metodologias, técnicas, soluções (muitas vezes de maneira uniforme) que acabam
por constituir uma espécie de “pronto-a-vestir” a que recorrem os especialistas
dos diferentes países sempre que são solicitados (pelas autoridades ou opinião
pública nacionais) a pronunciarem-se sobre os mais diversos problemas ou a
apresentarem soluções. (Barroso, 2006, p. 45)
Considerações finais
Nosso
objetivo com este artigo foi apresentar a influência do BM no que se refere às
políticas educacionais implementadas no Estado do Paraná, tais como o Projeto
Qualidade do Ensino Público (PQE) e os Programas do subcomponente educação do Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do
Paraná. Dentre os três programas desse projeto - Sistema de Avaliação da Aprendizagem, Formação em Ação e
Renova Escola -, enfatizamos o primeiro a fim de demonstrar a influência do
BM principalmente no que diz respeito ao papel que a avaliação da qualidade da
educação desempenha na continuidade do projeto educacional do capital
internacional.
Vale
ressaltar que a dimensão histórica e a compreensão das relações sociais
estabelecidas na sociedade capitalista forma consideradas como aspectos
teóricos-metodológicos fundamentais para a compreensão das políticas
educacionais no Estado do Paraná com influência do BM. Desse modo, observamos
que tanto o PQE-PR quanto os programas do Projeto Multissetorial para o
Desenvolvimento do Paraná apresentam como objetivo principal a melhoria da
qualidade da educação ofertada no Estado, sendo que a preocupação reside
essencialmente na formação de capital humano. Sendo assim, o aprimoramento da
infraestrutura das escolas, a formação de professores e o fornecimento de
insumos, os quais estão inscritos em ambos os projetos apresentados, estão
relacionados à busca por melhores indicadores de aprendizagem supostamente revelados
por meio de avaliações em larga escala. Esses resultados, por sua vez,
representam para o BM a qualidade da educação e, portanto, a capacidade de um
país competir internacionalmente.
É
possível constatar que, embora esses projetos não existam integralmente no
Paraná atualmente, os pressupostos que os sustentavam - a preocupação com uma
determinada qualidade da educação, a eficiência, a eficácia, a preocupação com
os resultados, a avaliação externa e as estratégias de gestão escolar -
continuam orientando as estratégias para a educação a partir das diretrizes de
organismos internacionais, como o BM.
Outro
aspecto que revela a influência do BM na política educacional do Paraná refere-se
à disseminação da lógica que transfere para os sujeitos a responsabilidade pela
escola e por seus resultados. Isso é feito sob o discurso que constantemente incentiva
a participação e o envolvimento da comunidade e daqueles que atuam no espaço
escolar. Portanto, de modo semelhante às proposições feitas pelo BM, as
políticas educacionais aqui apresentadas demonstram essa convergência,
percebida especificamente na proposta de implementação da chamada gestão
compartilhada nas escolas do Paraná.
Portanto,
ressaltamos que, mais do que atuar no financiamento dos projetos como PQE-PR e
Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná, a participação do BM
atinge sobretudo os princípios que fundamentam essas políticas educacionais. Desse
modo, ao incorporarem critérios econômicos do campo empresarial, suas reais
intencionalidades caminham para o desenvolvimento do capital internacional e se
afastam daquilo que verdadeiramente consideramos como educação de qualidade.
É
preciso lembrar que:
Na
ampla maioria das vezes, quando se fala em educação de qualidade, tem-se por
pressuposto imediato (deixemos de lado, no momento, pressupostos mais
profundos) que ela implica: uma política educacional que permitisse boas
condições materiais (infraestrutura, instalações, acesso a tecnologias);
suficientes recursos financeiros; boa formação docente; boas condições de
trabalho para técnicos e docentes; valorização da profissão com salários
adequados, horas de trabalho que incluam tempo para estudo e aperfeiçoamento;
adequada organização curricular; determinadas pedagogias; formas inovadoras de
ensino e avaliação, etc. A boa qualidade da educação, por sua vez, ficaria
comprovada pelo sucesso em processos de avaliação de caráter nacional e
internacional. (Tonet, 2020, pp. 9-10)
Os aspectos
mencionados, que dizem respeito às condições de infraestrutura, de formação, de
avaliação etc., constituem parte das políticas educacionais aqui apresentadas
(PQE e programas educacionais do Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento
da Educação) e, sem dúvidas, são fundamentais para se atender às necessidades
produzidas pela conquista da expansão da educação. Entretanto, “Em si mesma,
uma educação com todos aqueles requisitos pode perfeitamente formar para a
reprodução da sociedade burguesa.” (Tonet, 2020, p. 6).
A educação
de qualidade, em nossa visão, deve ser compreendida sob a perspectiva de classe.
Como hegemonia dominante, o projeto de educação disseminado pelo BM e
incorporado em determinada medida pelo Estado do Paraná, no que diz respeito à
fundamentação e à justificativa que embasam as políticas educacionais adotadas,
busca a conservação da sociedade vigente. Sendo assim, a educação, nesse contexto,
diferente do que intentam demonstrar os documentos, assume papel de formar para
a reprodução do sistema e não para a superação da pobreza e das desigualdades
sociais.
Referências
Banco Mundial. (1999). La educación en América
Latina y el Caribe (Relatório 20248). https://documents1.worldbank.org/curated/en/991981468300538039/pdf/202480SPANISH0Educational0change.pdf
Banco Mundial. (2003). Um Brasil mais justo,
sustentável e competitivo: estratégia de assistência ao país 2004 – 2007. https://documents1.worldbank.org/curated/en/199571467997853678/pdf/361160PORTUGUESE0BOX0327393B.pdf
Banco Mundial. (2012). Documento de
Avaliação do Projeto do Empréstimo Proposto no Valor de US$350 Milhões de
Dólares para o Estado do Paraná com a Garantia da República Federativa do
Brasil. (Relatório 67388/BR). https://documents1.worldbank.org/curated/en/465531468015594208/pdf/NonAsciiFileName0.pdf
Barroso, J. (2005). O Estado, a educação e a
regulação das políticas públicas. Educação & Sociedade, 26(92),
725-751. https://doi.org/10.1590/S0101-73302005000300002
Barroso, J. (2006). O Estado e a educação: a
regulação transnacional, a regulação nacional e a regulação local. Em J.
Barroso (Org.). A regulação das políticas públicas de educação: espaços,
dinâmicas e atores (pp. 41-70). Educa.
Camargo, K. P. da S.
(2018). Dívida Pública, Banco Mundial e Políticas Sociais: o Financiamento
Externo da Política Educacional no Paraná (2011-2017). [Dissertação de
mestrado, Universidade Estadual do Oeste do Paraná]. Biblioteca Digital de
Teses e Dissertações. http://tede.unioeste.br/handle/tede/3927
De Tommasi, L. (2007).
Financiamentos do Banco Mundial no setor educacional brasileiro: os projetos em
fase de implementação. Em L. De Tommasi, M. Warde, & S. Haddad (Orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais (pp.
195-227). Cortez.
Figueiredo, I. M. Z. (2005). A construção da
“centralidade da educação básica” na sociedade brasileira e paranaense. Edunioeste.
Gonçalves, M. D. de S., Santos, J. M. T. P.,
Gouveia, A. B., Gabardo, C. V., Locco, L. de A. de, Rech, P. E., Silva, S. T. da, Tavares, T. M., & Arcoverde, Y. F. de S. (2003). A
presença do Banco Mundial e do Banco Interamericano no financiamento do Ensino
fundamental e médio na Rede Estadual de Ensino do Paraná. Educar em Revista,
71-99. https://doi.org/10.1590/0104-4060.300
Instituto
Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes). (2012a). Modelo lógico do Programa Formação em
Ação. http://www.ipardes.gov.br/pdf/multissetorial/9_formacao_acao.pdf
Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico
e Social (Ipardes). (2012b). Modelo lógico do
Programa Renova Escola. http://www.ipardes.gov.br/pdf/multissetorial/3_renova_escola.pdf
Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico
e Social (Ipardes). (2012c). Modelo lógico do Programa
Sistema de Avaliação da Aprendizagem. http://www.ipardes.gov.br/pdf/multissetorial/4_avaliacao_aprendizagem.pdf
Mello, H. D. A. (2014). O Banco Mundial e a reforma educacional no
Brasil: a convergência de agendas e o papel dos intelectuais. Em J. M. M.
Pereira, & M. Pronko (Orgs.).
A demolição de direitos: um exame das políticas do Banco Mundial para a
educação e a saúde (1980-2013) (pp. 153-179). Escola Politécnica de Saúde
Joaquim Venâncio.
Melo, A. A. S. (2005). A mundialização da
educação: neoliberalismo e social democracia no Brasil e Venezuela. Trabalho,
Educação e Saúde, 3(2), 397-408. https://doi.org/10.1590/S1981-77462005000200008
Nogueira, F. M. G., Figueiredo, I. M. Z., & Borges, L. F. (2003). O
Projeto Qualidade no Ensino Público do Paraná – PQE: A estratégia da
implementação das reformas liberais no Estado. Em F. M. G. Nogueira, & M. L. F. Rizotto
(Orgs.). Estado
e Políticas Sociais: Brasil – Paraná (pp. 85-100). Edunioeste.
Paraná. (2011). Lei nº 17.012 14 de dezembro de 2011. Governo do
Estado do Paraná. Casa Civil. https://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=62636
Paraná. (2014a). Projeto Multissetorial Para Desenvolvimento do Paraná:
Manual Operativo do Projeto – MOP v. 1. Secretaria de Estado do
Planejamento e Coordenação Geral. https://www.ipardes.pr.gov.br/sites/ipardes/arquivos_restritos/files/documento/2019-09/multissetorial_document.pdf
Paraná. (2014b). Projeto Multissetorial Para Desenvolvimento do
Paraná: Manual Operativo do Projeto - MOP v. 4. Secretaria de Estado
do Planejamento e Coordenação Geral. Secretaria de Estado e Educação. https://www.ipardes.pr.gov.br/sites/ipardes/arquivos_restritos/files/documento/2019-09/multissetorial_mop_educacao_2014.pdf
Pronko, M. (2014). O Banco Mundial no
campo internacional da educação. Em J. M. M.
Pereira, & M. Pronko (Orgs.).
A demolição de direitos: um exame das políticas do Banco Mundial para a
educação e a saúde (1980-2013) (pp. 89-112). Escola Politécnica de Saúde
Joaquim Venâncio.
Shiroma, E. O., Campos, R. F., & Garcia, R. M. C.
(2005). Decifrar textos para compreender a política: subsídios
teórico-metodológicos para análise de documentos. Perspectiva, 23(02),
427-446. https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/9769/8999
Silva, M. A. da. (2002). Intervenção e
Consentimento: a política educacional do Banco Mundial. Fapesp.
Sousa, S. E. de. (2013). A gestão educacional no Paraná 2011 – 2013.
[Dissertação de mestrado, Universidade Estadual do Oeste do Paraná]. Biblioteca
Digital de Teses e Dissertações. http://tede.unioeste.br/handle/tede/865
Tonet, I. (2020). Educação contra o capital.
Terra sem amos.
Vior, S., & Cerruti, M.
B. O. (2014). O Banco Mundial e a sua influência na definição de políticas
educacionais na América Latina (1980-2012). Em J. M. M. Pereira, & M. Pronko (Orgs.). A demolição de
direitos: um exame das políticas do Banco Mundial para a educação e a saúde
(1980-2013) (pp. 113-151). Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio.