Artigo

A influência do Banco Mundial na política educacional do Estado do Paraná

La influencia del Banco Mundial en la política educativa del Estado de Paraná

The World Bank's influence on the educational policy of the State of Paraná


Mayara Haruka Watanabe Iijima[i]

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Cascavel, PR, Brasil

may_iijima@hotmail.com

https://orcid.org/0000-0001-6877-6348

Isaura Monica Souza Zanardini[ii]

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Cascavel, PR, Brasil

monicazan@uol.com.br

https://orcid.org/0000-0003-2226-3840

Contribuição na elaboração do texto: Autora 1 – coleta de fontes primária e secundária, análise de dados, sistematização do texto. Autora 2 – orientação da pesquisa, análise de dados, sistematização do texto.

Recebido em: 25/02/2022

Aceito em: 29/04/2022

Publicado em: 19/05/2022

Linhas Críticas | Periódico científico da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Brasil

ISSN: 1516-4896 | e-ISSN: 1981-0431

Volume 28, 2022 (jan-dez).

http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas

Referência completa (APA):

Iijima, M. H. W., & Zanardini, I. M. S. (2022). A influência do Banco Mundial na política educacional do Estado do Paraná. Linhas Críticas, 28, e42092. https://doi.org/10.26512/lc28202242092

Link alternativo:

https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/42092

Licença Creative Commons CC BY 4.0.


Resumo: Este artigo objetiva apresentar a influência do Banco Mundial no que diz respeito às políticas educacionais implementadas no Estado do Paraná. Sendo assim, destacam-se o Projeto Qualidade da Educação Básica (PQE) no Paraná, aprovado em 1994, e o Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná, instituído em 2012. O projeto de educação disseminado por esse organismo internacional é sustentando e negociado de acordo com os interesses da política interna paranaense e incorpora aspectos do campo empresarial, resultando na intensificação de processos avaliativos, na busca pela eficiência e eficácia e na participação e responsabilização dos sujeitos em prol de melhores resultados.

Palavras-chave: Banco Mundial. Políticas educacionais. Produtividade da Educação. Avaliação da Educação. Qualidade da educação.

Resumen: Este artículo pretende presentar la influencia del Banco Mundial en las políticas educativas implementadas en el Estado de Paraná. Así, destacan el Projeto Qualidade da Educação Básica (PQE) en Paraná aprobado en 1994 y el Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná en 2012. El proyecto educativo difundido por este organismo internacional se sustenta y negocia de acuerdo con los intereses de la política interna de Paraná e incorpora aspectos del ámbito empresarial que se traducen en la intensificación de los procesos de evaluación, en la búsqueda de eficiencia y eficacia y en la participación y responsabilización de los sujetos en pro de mejores resultados.

Palabras clave: Banco Mundial. Políticas educativas. Productividad de la educación. Evaluación de la educación. Calidad de la educación.

Abstract: This article discusses the influence of the World Bank regarding the educational policies implemented in the State of Paraná. Thus, the Projeto Qualidade da Educação Básica (Quality of Basic Education Project) in Paraná, approved in 1994, and the Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná (Multi-sector Project) for the Development of Paraná, instituted in 2012, stand out. The education project disseminated by this international organization is sustained and negotiated according to the interests of the internal policy of Paraná and incorporates aspects of the business field, resulting in the intensification of evaluative processes, the search for efficiency and effectiveness, and the participation and accountability of the subjects in favor of better results.

Keywords: World Bank. Educational policies. Education Productivity. Education Evaluation. Quality of Education.




Introdução

Este artigo, que tem como objetivo apresentar a influência do Banco Mundial (BM) no que diz respeito às políticas educacionais implementadas no Estado do Paraná, é resultado de uma pesquisa bibliográfica e documental, fundamentada em fontes primárias internacionais e nacionais que orientam a política educacional no Estado. Os documentos analisados são considerados a partir da dimensão histórica e da compreensão das relações sociais estabelecidas na base material da sociedade.

Em linhas gerais, é possível afirmar que o Grupo BM é formado por cinco instituições: Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), Associação Internacional de Desenvolvimento (AID), Corporação Financeira Internacional (CFI), Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (AMGI) e Centro Internacional para Resolução de Disputas de Investimentos (CIRDI). Inicialmente, em 1944, suas ações estavam direcionadas à reconstrução da infraestrutura dos países pós-Segunda Guerra Mundial. Atualmente, com expressiva capacidade de atuação, o Banco Mundial atua na implementação de estratégias para aliviar a pobreza e fomentar a prosperidade compartilhada dos países considerados em desenvolvimento. Contudo, para que isso ocorra, exerce influência nas diversas áreas de desenvolvimento, entre elas a educação.

Ressaltamos que a influência desse organismo internacional pode ser compreendida “[…] por meio do estabelecimento da agenda de questões a serem consideradas, das prioridades fixadas, das concepções com base nas quais se definem as políticas públicas e, inclusive, do condicionamento explícito de políticas.” (Vior & Cerruti, 2014, p. 113). Sendo assim, é possível afirmar que a implementação de políticas sociais, nas quais se incluem a educação, não resulta de uma imposição feita por esse organismo internacional, mas da complexa correlação de forças e de interesses que perpassam um país e o conjunto de seus estados.

Entendemos que o BM é indutor de políticas, e que suas orientações não são uma imposição, mas há uma relação de negociação de interesses internos e externos e, portanto, de intervenção e de consentimento, como argumenta Silva (2002). Diante disso, objetivamos apresentar a influência do BM na implementação de políticas voltadas para a área da educação no Estado do Paraná, considerando que as condicionalidades desse organismo internacional, atendidas pela elite nacional, estão relacionadas ao fomento de um determinado projeto societário que permanece na orientação das relações sociais estabelecidas na sociedade capitalista.

Para tratar dessa influência, destacamos algumas das ações desenvolvidas nos governos de Roberto Requião de Mello e Silva (1991-1994), de Jaime Lerner (1995-1998) e de Carlos Alberto Richa (2011-2017). Chamamos a atenção, sobretudo, para o contrato firmado entre o BIRD e o Governo do Estado do Paraná – Contrato de Garantia para o Projeto Qualidade da Educação Básica (PQE) no Paraná número 3766/BR –, em 1994, no valor de US$96 milhões de dólares (Sousa, 2013), e para o Documento de Avaliação do Projeto do Empréstimo Proposto, elaborado pelo Banco Mundial (2012), no Valor de US$350 milhões para o Estado do Paraná, com a Garantia da República Federativa do Brasil.

A análise dos documentos produzidos pelo BM, selecionados no site do próprio Banco para este estudo como fontes primárias, demonstra a preponderância desse organismo internacional para além do aspecto financeiro, indicando a sua influência no que diz respeito à disseminação de orientações para implementação de políticas educacionais, bem como os discursos e as justificativas que as fundamentam.

A partir de uma abordagem metodológica qualitativa, relacionada ao levantamento de fontes específicas do Estado do Paraná, buscamos, seletivamente, no site do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), os seguintes documentos como fontes primárias deste artigo: o Manual Operativo de Projeto (MOP) volume 1 (Paraná, 2014a), que apresenta a descrição do Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná, atentando-se para os compromissos assumidos no Acordo de Empréstimo firmado entre o BM e o Estado do Paraná; e o MOP volume 4 (Paraná, 2014b), que trata especificamente dos programas que compõem o setor da Educação do Projeto no Paraná: Formação em Ação, Renova Escola e Sistema de Avaliação da Aprendizagem.

Tanto os documentos orientadores do BM como as políticas estaduais implementadas no Paraná (PQE e Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná) e apresentadas neste artigo foram analisadas a partir do contexto de sua produção. Isso se harmoniza com o pressuposto metodológico de que, para compreender a influência do BM na política educacional do Paraná, é preciso considerar o conjunto das relações sociais presentes na sociedade capitalista e as implicações produzidas sobre as políticas educacionais, na direção do que orientam Shiroma et al. (2005):

 

As recomendações presentes nos documentos de política educacional amplamente divulgados por meios impressos e digitais não são prontamente assimiláveis ou aplicáveis. Sua implementação exige que sejam traduzidas, interpretadas, adaptadas de acordo com as vicissitudes e os jogos políticos que configuram o campo da educação em cada país, região, localidade; tal processo implica, de certo modo, uma reescritura das prescrições, o que coloca para os estudiosos a tarefa de compreender a racionalidade que os informa e que, muitas vezes, parece contraditória, fomentando medidas que aparentam ir em direção contrária ao que propõem. (Shiroma et al., 2005, pp. 430-431)

Para apresentar as reflexões desenvolvidas, estruturamos este artigo está em duas seções: na primeira, intitulada O Projeto Qualidade do Ensino Público (PQE) no Paraná financiado pelo Banco Mundial, tratamos de um projeto específico para a área da educação – o PQE –, demonstrando que o seu principal objetivo (a melhoria da escolarização dos alunos do Ensino Fundamental) baseava-se na gestão compartilhada e fundamentava-se na política das escolas como centro de excelência; na segunda, denominada A educação no Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento no Paraná financiado pelo Banco Mundial, apresentamos os principais objetivos desse projeto no que diz respeito à área da educação, tais como a melhoria da qualidade do ensino, a redução da distorção idade/ano e a melhoria do ambiente escolar. Para tanto, os programas definidos para o alcance desses objetivos foram: o Sistema de Avaliação de Aprendizagem, Formação em Ação e Renova Escola.

 

O Projeto Qualidade do Ensino Público (PQE) no Paraná financiado pelo Banco Mundial

Embora as primeiras negociações do governo do Estado do Paraná com o BM tiveram êxito a partir de 1987, período que corresponde à posse do governador Álvaro Dias (1987-1991), como afirmam Gonçalves et al. (2003), neste estudo, consideramos, para a análise das negociações com o BM, a gestão do governador Roberto Requião (1991-1994), do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), pois foi nesse governo que o PQE no Paraná começou a ser desenhado.

Durante o Governo Requião, foi possível observar, segundo Gonçalves et al. (2003), que os projetos voltados para a educação estavam inseridos na lógica do desenvolvimento do Estado e da sua capacidade de competir. Nesse contexto, as decisões, em grande medida, eram influenciadas pelo Secretário de Planejamento. Os autores supracitados mencionam:

A opção inicial da Secretaria de Planejamento era por um investimento focalizado na criação de algumas escolas técnicas (2.o grau), ou melhor, centros técnicos à semelhança das escolas de Quebec (Canadá), que o Secretário de Planejamento havia visitado, os quais pudessem formar técnicos de alto nível e prover o Estado de mão-de-obra qualificada em áreas de ponta, interferindo no ainda predominante perfil agrícola do Estado. (Gonçalves et al., 2003, p. 87)

No entanto, ciente das condicionalidades determinadas pelo BM no que se refere ao retorno que a Educação Básica (principalmente o ensino fundamental) poderia oferecer, o Estado do Paraná, em um primeiro momento, buscou, junto ao BM, financiamentos para o ensino de 1º grau. Na visão do Secretário de Planejamento do Estado do Paraná, essa ação foi necessária para que, mais tarde, fosse possível obter a aprovação de recursos do BM para financiar as escolas técnicas de 2º grau, objetivo central dessa gestão (Gonçalves et al., 2003).

Após negociações iniciadas em 1992, foi aprovado, em 1994, o PQE para o Ensino Fundamental, em um contrato firmado entre o governo do Estado do Paraná e o BM (Gonçalves et al., 2003; Figueiredo, 2005; Sousa, 2013). Sobre o PQE, Gonçalves et al. (2003) e De Tommasi (2007) apontam que o projeto do Paraná passou por duas formulações: a primeira guardava aproximações com o projeto do Estado de São Paulo e a segunda com o projeto de Minas Gerais, sendo essa a versão final do PQE-PR, que seria executado somente no governo seguinte.

Com relação aos empréstimos externos concedidos pelo BM para o Estado do Paraná, era necessário que o Estado se adequasse às exigências impostas. Entre elas, de acordo com De Tommasi (2007), estavam a adoção do processo de municipalização do ensino e o apoio à descentralização, resultando na autonomia das escolas. Além disso, “[…] o Banco requer que os estados se responsabilizem pelo fornecimento dos livros às escolas, independente do cumprimento de suas obrigações por parte do Governo Federal.” (De Tommasi, 2007, p. 206). Ainda, na busca pela eficiência, o BM impôs um estado de competição entre as instituições escolares, pois estabeleceu critérios para aprovação de financiamento, como a presença do caráter inovador dos projetos apresentados pelas escolas, a fim de reduzir as altas taxas de repetência.

Seguindo essa direção, Sousa (2013, p. 85) ressalta as recomendações feitas pelo BM para a educação do Estado do Paraná:

No contrato de garantia para o Projeto Qualidade da Educação Básica (PQE) no Paraná número 3766/BR, firmado em 1994 com o BIRD no valor de 96 milhões de dólares, o Banco estabelece obrigações ao mutuário não só no sentido financeiro, quando impõe a contrapartida de 102 milhões de dólares, mas no sentido político também, quando estabelece os direcionamentos do projeto. Entre as orientações do Banco a gestão educacional de maneira ampla se apresenta de forma significativa, isto na mesma lógica de eficiência apresentada na Reforma do Estado. No referido contrato são explicitados os encaminhamentos acordados com o Banco para a Educação no Paraná: a descentralização em consonância com a participação, a autonomia e a responsabilização como mecanismos essenciais para constituir escolas de excelência.

Desse modo, é importante assinalar que compreendemos o PQE sob a dimensão da regulação transnacional de políticas educacionais, bem como do Estado reformado e do papel que desempenha no contexto de implementação de projetos educacionais. Em meio a esse contexto, em 1995, houve mudança na gestão do governo do Estado, que ficou sob responsabilidade de Jaime Lerner (1995-1998), o qual, por meio da Secretaria da Educação, definiu os Planos de Ação I e II para orientação das atividades educacionais. De acordo com Figueiredo (2005), os atos previstos nesses Planos fazem parte dos componentes de ação definidos no PQE.

O PQE tinha como objetivo propalado aumentar a escolarização dos alunos das redes municipal e estadual, englobando alunos de 1ª a 8ª série. Em conformidade com a realidade nacional, em um contexto sinalizado pela Reforma do Estado, o governo de Lerner ressaltava a necessidade da gestão compartilhada, cuja valorização da escola e dos professores que nela atuavam era uma característica relevante dessa forma de gestão (Figueiredo, 2005).

Na visão de Sousa (2013, p. 91), a gestão compartilhada traduzia-se em alguns princípios básicos, tais como:

[…] as escolas como centros de excelência; as parcerias com a comunidade para obter sucesso no cumprimento das metas de excelência; o fortalecimento da gestão descentralizada da SEED-PR como apoio no desenvolvimento da competência do sistema; a valorização do profissional da educação mediante a ampliação da sua competência; o envolvimento da comunidade externa e interna à escola tomado como fundamental no processo de avaliação; e a sistematização e o acesso às informações. Esses princípios seriam a base para a concretização do processo decisório e de inovações educacionais.

Como observado no excerto, Sousa (2013) ressalta que a proposta da gestão compartilhada da educação no governo Lerner, o PQE e o Programa Expansão, Melhoria e Inovação no Ensino Médio do Paraná (PROEM) basearam-se na política da escola de excelência, a qual girava em torno de “categorias como competição, responsabilização, avaliação e premiação” (Sousa, 2013, p. 87), sendo orientada pelas proposições neoliberais de organismos internacionais. Isso corroborou com os documentos que foram produzidos após a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, em 1990, e com a lógica da eficiência apresentada na Reforma do Estado.

No que se refere ao PQE, para alcançar seus objetivos, esse programa direcionava suas ações fundamentadas em cinco componentes: materiais pedagógicos e equipamentos; capacitação dos recursos humanos da educação; rede física; desenvolvimento institucional; e estudos, pesquisas e avaliação (Figueiredo, 2005).

No conjunto dessas discussões, é preciso desconstruirmos a crença de que os projetos financiados pelo BM resultam apenas de exigências prontas e acabadas, impostas por esse organismo internacional e que devem ser colocadas em prática pelos países tomadores de empréstimos. Ao contrário disso, observamos, de acordo com Nogueira et al. (2003), que houve uma flexibilização por parte do BM no decorrer da implementação do projeto PQE, a partir de demandas internas. Os autores apontam:

O que foi possível verificar é que os técnicos do Banco Mundial, em negociação com os técnicos da SEED-Pr, no processo de aprovação do projeto PQE, re-alocaram as rubricas de outros programas de ação para o programa de “Desenvolvimento Institucional” e “Capacitação de Professores”. Estes dois programas de ação se constituíram efetivamente como os de maior impacto, seja na perspectiva de reestruturação do aparelho do Estado […], seja no impacto ideológico que atingiu o conjunto dos professores, a comunidade escolar em geral, e os pais/APMs (Nogueira et al. 2003, p. 91)

Merece destaque, também, a possibilidade de alterações nos projetos em andamento, mudanças que ocorreram no componente 1, material pedagógico. O objetivo principal do PQE era promover a universalização do Ensino Fundamental no Estado, melhorando os índices nacionais. Para alcançar esse propósito e combater a distorção idade/série, em uma de suas ações, a Secretaria da Educação e do Esporte do Paraná (SEED-PR) incluiu, no componente material pedagógico, a impressão de material didático para o Programa de Correção de Fluxo (Nogueira et al., 2003).

Portanto, compreendendo que a política do BM para a educação não se trata de uma imposição, mas é resultado de um jogo de forças e interesses internacionais e nacionais, Pronko (2014) reforça que:

Essa perspectiva é fundamental para superar o duplo equívoco de pensar a atuação do BM como uma intervenção de fora para dentro (portanto, uma sobredeterminação do âmbito internacional sobre o nacional) e como uma imposição unilateral da qual os governantes locais seriam vítimas. (Pronko, 2014, p. 90)

No que se refere especificamente à qualidade da educação desejada pelo PQE, foram adotados mecanismos de avaliação e de controle, como a Avaliação do Rendimento Escolar (AVA), que supostamente forneceria informações mais precisas sobre a realidade escolar e assim serviria de ferramenta para nortear o trabalho pedagógico.

O que constatamos é que essa nova forma de gestão escolar, atrelada à necessidade de avaliação dos resultados em busca da melhoria da qualidade educacional, refletia a atualização da ideologia neoliberal que ocorreu na década de 1990. A esse processo de redefinição das políticas educacionais, que é conduzido pelos grupos hegemônicos com sustentação em orientações dos organismos internacionais como o BM, Melo (2005) chamou de mundialização da educação, compondo o processo de mundialização do capital.

Sousa (2013), referindo-se ao governo de Carlos Alberto Richa, no Paraná, também retoma alguns dos pressupostos do BM, assim como foi feito no governo Jaime Lerner. A autora assevera:

Na mesma lógica do governo Lerner, o Estado precisa se tornar mais eficiente de forma a melhorar a gestão pública, com maior ação no setor público e econômico e ao mesmo tempo reduzir os gastos do Estado. Para tanto, é fundamental convocar e convencer a sociedade da importância da sua participação para melhorar o Paraná. A ideia do “empoderamento” (empowerment), da cooperação, da responsabilização, das parcerias, está presente como estratégia central desse governo. Nesse sentido, na gestão educacional as instâncias colegiadas são estimuladas a participar, principalmente como meio de assumir a responsabilidade do estado nas benfeitorias escolares e na obtenção de mais recursos. (Sousa, 2013, pp. 98-99)

Tendo como base os pressupostos do Banco Mundial, que coadunam à lógica presente na Reforma do Estado brasileiro, o governo de Carlos Alberto Richa, no Paraná, retoma alguns desses elementos de caráter neoliberal, tais como: “[…] corte de gastos públicos, redução da burocracia, descentralização, maior ênfase no mercado e parcerias público privadas PPPs.” (Sousa, 2013, p. 99).

A respeito do governo de Carlos Alberto Richa e de suas relações com os organismos internacionais, em especial o BM, por meio do Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná, discorremos a seguir.

 

A educação no Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento no Paraná financiado pelo Banco Mundial

Falar sobre a atuação do BM no Estado do Paraná, na visão de Sousa (2013), pressupõe estudar o Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná, elaborado pelo governo de Carlos Alberto Richa com a finalidade de obter empréstimos do Banco Mundial. Nesse documento, é possível identificar convergências com as recomendações e as orientações desse organismo internacional. Para tanto, é fundamental a leitura de documentos como o Relatório nº 67388-BR do Banco Mundial (2012), que trata da avaliação do Projeto do Empréstimo proposto no valor de US$ 350 milhões de dólares do BM para o Estado do Paraná, o Manual Operativo de Projeto (MOP) volumes 1 (Paraná, 2014a) e 4 (Paraná, 2014b), o Modelo Lógico Formação em Ação (Ipardes, 2012a), o Modelo Lógico Programa Renova Escola (Ipardes, 2012b) e o Programa Sistema de Avaliação da Aprendizagem (Ipardes, 2012c).

Em seus estudos, Camargo (2018) examinou as condicionalidades políticas, ideológicas, financeiras e educacionais para o financiamento da política educacional, presente nos documentos do Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná, implementado no estado durante a gestão dos governos de Carlos Alberto Richa (2011-2017).

Para financiá-lo, o Estado do Paraná contraiu diversos empréstimos com o BM, que foram acompanhados por diversas condicionalidades, sejam elas políticas, ideológicas e/ou financeiras. Sendo assim, estudar essas condicionalidades “[…] é tentar desvendar quais as intencionalidades por trás do seu financiamento.” (Camargo, 2018, p. 54).

O custo total do Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná foi de US$ 713,24 milhões. O BM se responsabilizou por financiar uma parte, que corresponde ao valor de US$ 350 milhões, e o restante da contrapartida caberia ao Estado (Banco Mundial, 2012). De acordo com o MOP, o Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná tinha como objetivo tornar mais justo e sustentável o acesso às oportunidades de desenvolvimento econômico e humano, com base em um “Novo Jeito de Governar”, caracterizado por uma gestão direcionada aos resultados. O projeto partia da chamada Abordagem Setorial Ampla (SWAp), com o envolvimento das Secretarias Estaduais de Educação, de Saúde, de Agricultura, de Meio Ambiente, da Fazenda, da Administração e da Previdência e Planejamento. De acordo com o primeiro volume do MOP:

A proposta do Projeto está em consonância com a estratégia do governo para o desenvolvimento do Paraná, que visa à construção de um “Novo Jeito de Governar”, objetivando a introdução de uma gestão voltada a resultados. Esta postura, responsável e inovadora, será construída a partir do desenvolvimento das competências de gestão, da renovação dos métodos de trabalho e das estruturas de governo, numa verdadeira nova gestão, focada em resultados efetivos. (Paraná, 2014a, p. 11)

Como mencionado anteriormente, o Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná articula-se às diretrizes e às proposições do BM. É possível observar essa conexão em um dos seus documentos - Um Brasil mais justo, sustentável e competitivo: estratégia de assistência ao país 2004 – 2007 (Banco Mundial, 2003) -, no qual o BM define elementos da visão do desenvolvimento de um Brasil mais justo, sustentável e competitivo.

O BM (2003) afirma, ainda, que essas três dimensões de visão para o Brasil – justo, sustentável e competitivo – estão relacionadas e, portanto, o programa de assistência desse organismo internacional é de natureza multissetorial. Desse modo, “Privilegia a combinação de atividades de um grupo de setores para alcançar um objetivo comum (por exemplo, as iniciativas nos setores de saúde, água e educação para reduzir a mortalidade infantil)” (Banco Mundial, 2003, p. 78).

Nessa direção, com vistas a garantir uma estratégia que esteja estruturada e ajustada em nível estadual, os empréstimos direcionados aos estados reúnem esse caráter multissetorial. É o que ocorre, por exemplo, na definição do Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná. As ações desse Projeto foram organizadas em dois componentes: Componente 1 - Promoção Justa e Ambientalmente Sustentável do Desenvolvimento Econômico e Humano, que está organizado em quatro subcomponentes (1.1 Desenvolvimento Rural Sustentável; 1.2 Gestão Ambiental e de Riscos e Desastres; 1.3 Educação; e 1.4 Saúde); e Componente 2 - Assistência Técnica para Gestão Pública Mais Eficiente e Eficaz, que abarca ações de apoio técnico e financeiro à implementação do Componente 1 e às atividades de modernização da gestão do setor público, dividido, por sua vez, em oito subcomponentes (2.1 Qualidade Fiscal; 2.2 Modernização Institucional; 2.3 Gestão Mais Eficiente de Recursos Humanos; 2.4 Apoio à Agricultura de Baixo Impacto Ambiental; 2.5 Apoio à Modernização do Sistema de Gerenciamento Ambiental; 2.6 Apoio à Gestão de Riscos Naturais e Antrópicos; 2.7 Educação; e 2.8 Saúde).

Neste artigo, de modo específico, discutimos os subcomponentes 1.3 e 2.7, que tratam da educação. De acordo com o MOP, as principais ações para esses subcomponentes se concentram nos seguintes objetivos: a) melhoria da qualidade do ensino; b) redução da distorção idade/ano e busca da permanência e conclusão dos anos escolares do aluno; e c) melhoria do ambiente escolar.

Ainda, no subcomponente da educação, ocorre a implementação do Programa Sistema de Avaliação da Aprendizagem, um dos Programas de Gastos Elegíveis (PGEs). Vale destacar que os PGEs são considerados iniciativas orçamentárias no Plano Plurianual 2012-2015 e na Lei nº 17.012, de 14 de dezembro de 2011, que estimou a receita e fixou as despesas para o exercício financeiro de 2012 (Paraná, 2011), correspondendo às ações do Componente 1, que visa ao fomento do desenvolvimento econômico e social do Estado do Paraná (Paraná, 2014a). Com o Programa Sistema de Avaliação da Aprendizagem, o governo estadual busca alcançar as metas estabelecidas pelo governo federal para o campo educacional. Sendo assim, entende-se que é necessário medir os resultados da aprendizagem por meio de uma avaliação padronizada para o Ensino Fundamental (anos finais) e ensino secundário. Dessa forma, tem-se como objetivo a preparação de relatórios e a divulgação dos resultados das avaliações, de modo que as escolas façam a comparação com as demais instituições e possam planejar intervenções que subsidiem a prática docente, a fim de melhorar a qualidade de ensino.

Entre 1995 e 2002, a SEED-PR desenvolveu o Programa de Avaliação do Sistema Educacional do Paraná, que, inicialmente, estava vinculado ao PQE-PR, financiado pelo BM, conforme já abordado anteriormente. O Programa de Avaliação do Sistema Educacional do Paraná deve ser compreendido como uma política educacional associada ao âmbito federal, como consequência da Reforma do Estado e da Educação Básica, a qual promovia a cultura das avaliações em larga escala e que resultou na implementação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), em 1991. Dessa forma, assim como ocorreu nos demais setores, e de modo específico na educação, em consonância com a estratégia de um Novo Jeito de Governar, implementou-se, nas escolas do Paraná, uma proposta de educação voltada para os resultados.

Além disso, é interessante destacar que o MOP chama a atenção para a participação da sociedade como um todo na implementação do SAEB do Paraná. “Para tanto, é fundamental o envolvimento efetivo das instâncias colegiadas (Conselho Escolar, Associação de Pais, Mestres e Funcionários - APMF - e Grêmio Estudantil) no Processo Avaliativo” (Paraná, 2014b, p. 27).

Nesse sentido, Camargo (2018) ressalta que:

[…] falar em participação da Associação de Pais, Mestres e Funcionários e Similares (APMF’s), por exemplo, como aparece nos documentos do Projeto Multissetorial para o desenvolvimento do Paraná, deveria se falar em participação da comunidade para melhoria na educação por meio de diálogos produtivos. Chamar a comunidade para a escola apenas para apresentar resultados das avaliações externas como uma culpabilização, como uma escola que não está dando conta de formar os alunos, é, no mínimo, desrespeitoso para com a escola. (Camargo, 2018, p. 98)

A autora afirma, ainda, que, diante dessa situação, a autonomia concedida às escolas, que estaria disfarçada sob o discurso da defesa em prol da participação da comunidade, traduz-se, na realidade, como uma transferência de responsabilidades do Estado para a comunidade escolar, em que “[…] culpa-se a escola e os profissionais que nela atuam pelo fracasso ou pelo sucesso da instituição.” (Camargo, 2018, p. 98).

No entanto, no discurso do BM (1999), o incentivo à participação é tratado como consequência da necessária “reinvenção do Estado”, que deve deixar de lado seu aspecto centralizador e burocrático:

Aunque el papel del estado continúa siendo el fomento de la educación básica para todos, ya no es el único responsable de impartir la educación propiamente dicha. Los gobiernos locales, comunidades, familias, personas individuales y el sector privado comparten ahora esa responsabilidad. Los responsables de formular las políticas educacionales están redefiniendo las responsabilidades de los gobiernos locales y centrales y fomentando el desarrollo de procesos nuevos para la toma de decisiones, tales como descentralización, autonomía escolar, privatización, y participación y evaluación comunitaria de las instituciones educacionales. (Banco Mundial, 1999, p. 33)

Portanto, produz-se nesse contexto uma “hegemonia discursiva”, cujas reformas consideradas exitosas, como aquelas realizadas em países centrais como Estados Unidos, são disseminadas, sobretudo, em documentos de organismos internacionais como Banco Mundial para os países periféricos do capitalismo, como exemplo a ser seguido (Shiroma et al., 2005).

Outro PGE no subcomponente da Educação refere-se ao Programa de Desenvolvimento de Professores – o Programa Formação em Ação. “Entende-se que o avanço dos indicadores que medem a qualidade da Educação está diretamente ligado à efetiva valorização dos professores e técnicos da Educação, com a difusão das melhores práticas pedagógicas” (Paraná, 2014b, p. 39).

O Programa Formação em Ação é constituído pela formação teórico-prática dos professores e técnicos da Educação, por meio de oficinas, e envolve as ações do Programa de Desenvolvimento da Educação (PDE). De acordo com o MOP (Paraná, 2014b), as cinco dimensões de impacto dessa política são:

Desempenho dos alunos em testes padronizados: O objetivo final do PDE é a melhoria da qualidade do ensino ofertado pela rede. A qualidade do ensino deve ser comparável entre professores e escolas; desta forma, deve ser observada por meio de exames padronizados, como a Prova Brasil ou outro a ser aplicado regionalmente;

- Formação dos professores egressos do PDE: A experiência do PDE pode servir de estímulo para que o professor continue sua formação, com vistas a criar novos projetos para a implementação na escola em que atua. Esses efeitos seriam sentidos posteriormente ao PDE, podendo ser verificados nos professores após dois anos do término da formação;

- Ambiente escolar: Os impactos do PDE podem ir além daqueles atores diretamente envolvidos, isto é, o corpo docente e o discente. Espera-se que seus efeitos sejam também sentidos no ambiente escolar, em aspectos como violência na escola e relacionamento entre os atores. Tais impactos podem ser verificados por meio de informações levantadas em pesquisas, como o Censo Escolar e Prova Brasil;

- Estímulo aos professores participantes e não participantes (Qualificação, frequência e redução do afastamento): Espera-se que a possibilidade e os mecanismos de seleção para participação no PDE induzam os professores da rede a uma melhora na sua formação continuada, na assiduidade e também na redução de afastamento. Essas informações podem ser verificadas nas fichas funcionais dos docentes no Departamento de Recursos Humanos da SEED;

- Melhora da produção científica e acadêmica das IES parceiras: Espera-se que a integração com os professores participantes do PDE tanto estimule a pesquisa quanto modifique tópicos e abordagens ensinados pelos orientadores em suas IES de origem. Os impactos neste eixo podem ser observados em bancos de dados sobre produção científica das IES (quantidade e qualidade das publicações docentes) e também nos resultados de desempenho dos cursos de Pedagogia e licenciatura no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE). (Paraná, 2014b, pp. 56-57)

Sendo assim, o PDE é uma política educacional inscrita no Programa Formação em Ação, cujo objetivo é “[…] instituir uma dinâmica permanente de reflexão, discussão e construção do conhecimento.” (Paraná, 2014b, p. 51), amparada pelas Instituições de Ensino Superior (IESs) e implementada nas escolas de Educação Básica.

Por fim, o Programa Renova Escola, que visa à melhoria das instalações das escolas, constitui o terceiro PGE no subcomponente da educação. O Programa Renova Escola foi estruturado em torno de três ações: ampliação e/ou adequação de ambientes escolares; recuperação e reparos de Prédios Escolares; e aquisição de equipamentos e mobiliários escolares.

De acordo com o MOP (Paraná, 2014b, p. 76), “O ambiente físico escolar adequado, representado pelo conjunto das instalações físicas e recursos materiais necessários ao bom funcionamento da escola, é um facilitador para o processo de aprendizagem e um indicador de qualidade em educação”. Sendo assim, entendemos que uma escola que não ofereça infraestrutura adequada tem grande chance de apresentar resultados insatisfatórios no que se refere à aprendizagem.

Em resumo, com relação aos três programas apresentados, e levando em consideração que é responsabilidade do Estado assegurar a equidade no acesso à escola e garantir a permanência e a aprendizagem dos alunos, afirma-se que:

Os três programas do setor Educação contribuem para o cumprimento desse compromisso. O programa Sistema de Avaliação da Aprendizagem enfrenta o problema da “insuficiência de informações necessárias para o direcionamento pedagógico sobre o desempenho dos alunos”. O programa Formação em Ação visa à atualização e formação dos profissionais de educação. O programa Renova Escola objetiva a melhoria do ambiente escolar com a manutenção e conservação dos prédios escolares e a disponibilização de equipamentos e mobiliários. (Paraná, 2014b, p. 27)

Desse modo, para demonstrar a influência do BM no Estado do Paraná, além do contrato firmado entre o BIRD e o Governo do Estado do Paraná – Contrato de Garantia para o Projeto Qualidade da Educação Básica (PQE) no Paraná número 3766/BR, em 1994, no valor de 96 milhões de dólares e o Documento de Avaliação do Projeto do Empréstimo Proposto no valor de US$350 milhões de para o Estado do Paraná com a garantia da República Federativa do Brasil de 2012 –, é possível destacar que, tal como o BM recomenda que haja controle dos resultados associado a conceitos de qualidade e avaliação, as ações desenvolvidas no Paraná, especialmente no que se refere à educação, incorporam a mesma perspectiva.

Ressaltamos também que a influência dos organismos internacionais, como o BM, no que diz respeito às políticas dos países periféricos do capitalismo, está relacionada ao processo definido por Barroso (2005) como regulação transnacional. Nessa mesma perspectiva, Mello (2014), ao discorrer sobre a atuação do BM na disseminação de políticas transnacionais, afirmou que:

Ele foi capaz de, ao longo da sua trajetória, alcançar legitimidade suficiente para que seus dados estatísticos se tornassem referência, seus funcionários e documentos circulassem nos governos, organizações não governamentais (ONGs), universidades e jornais de todo o mundo, com influência em diversas áreas e temáticas ligadas ao debate “guarda-chuva” do desenvolvimento que ele ajudou a consolidar. (Mello, 2014, p. 153)

Portanto, é possível afirmar que a regulação transnacional de políticas pode ser exercida por meio do controle de regras colocadas nos sistemas de financiamento, as quais afetam, em determinada medida, a execução de políticas mormente no campo da educação. Ademais, a regulação transnacional pode ser identificada nos programas de cooperação ofertados pelos países centrais aos países periféricos, reunindo-se técnicos de diversos países para supostamente realizarem investigações a fim de apresentarem possíveis soluções para determinados problemas. Para Barroso (2006):

 

Estes programas sugerem (impõem) diagnósticos, metodologias, técnicas, soluções (muitas vezes de maneira uniforme) que acabam por constituir uma espécie de “pronto-a-vestir” a que recorrem os especialistas dos diferentes países sempre que são solicitados (pelas autoridades ou opinião pública nacionais) a pronunciarem-se sobre os mais diversos problemas ou a apresentarem soluções. (Barroso, 2006, p. 45)

 

 

 

Considerações finais

Nosso objetivo com este artigo foi apresentar a influência do BM no que se refere às políticas educacionais implementadas no Estado do Paraná, tais como o Projeto Qualidade do Ensino Público (PQE) e os Programas do subcomponente educação do Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná. Dentre os três programas desse projeto - Sistema de Avaliação da Aprendizagem, Formação em Ação e Renova Escola -, enfatizamos o primeiro a fim de demonstrar a influência do BM principalmente no que diz respeito ao papel que a avaliação da qualidade da educação desempenha na continuidade do projeto educacional do capital internacional.

Vale ressaltar que a dimensão histórica e a compreensão das relações sociais estabelecidas na sociedade capitalista forma consideradas como aspectos teóricos-metodológicos fundamentais para a compreensão das políticas educacionais no Estado do Paraná com influência do BM. Desse modo, observamos que tanto o PQE-PR quanto os programas do Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná apresentam como objetivo principal a melhoria da qualidade da educação ofertada no Estado, sendo que a preocupação reside essencialmente na formação de capital humano. Sendo assim, o aprimoramento da infraestrutura das escolas, a formação de professores e o fornecimento de insumos, os quais estão inscritos em ambos os projetos apresentados, estão relacionados à busca por melhores indicadores de aprendizagem supostamente revelados por meio de avaliações em larga escala. Esses resultados, por sua vez, representam para o BM a qualidade da educação e, portanto, a capacidade de um país competir internacionalmente.

É possível constatar que, embora esses projetos não existam integralmente no Paraná atualmente, os pressupostos que os sustentavam - a preocupação com uma determinada qualidade da educação, a eficiência, a eficácia, a preocupação com os resultados, a avaliação externa e as estratégias de gestão escolar - continuam orientando as estratégias para a educação a partir das diretrizes de organismos internacionais, como o BM.

Outro aspecto que revela a influência do BM na política educacional do Paraná refere-se à disseminação da lógica que transfere para os sujeitos a responsabilidade pela escola e por seus resultados. Isso é feito sob o discurso que constantemente incentiva a participação e o envolvimento da comunidade e daqueles que atuam no espaço escolar. Portanto, de modo semelhante às proposições feitas pelo BM, as políticas educacionais aqui apresentadas demonstram essa convergência, percebida especificamente na proposta de implementação da chamada gestão compartilhada nas escolas do Paraná.

Diante disso, observamos que a influência do BM nas políticas educacionais do Estado do Paraná nas gestões consideradas neste estudo se manifesta principalmente a partir da concepção que esse organismo tem, cujas categorias, essencialmente do campo empresarial (eficiência, eficácia, qualidade, competitividade, avaliação, prestação de contas) são incorporadas pela educação pública do Brasil e do Paraná, principalmente a partir da década de 1990, permanecendo até a atualidade.

Portanto, ressaltamos que, mais do que atuar no financiamento dos projetos como PQE-PR e Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná, a participação do BM atinge sobretudo os princípios que fundamentam essas políticas educacionais. Desse modo, ao incorporarem critérios econômicos do campo empresarial, suas reais intencionalidades caminham para o desenvolvimento do capital internacional e se afastam daquilo que verdadeiramente consideramos como educação de qualidade.

É preciso lembrar que:

Na ampla maioria das vezes, quando se fala em educação de qualidade, tem-se por pressuposto imediato (deixemos de lado, no momento, pressupostos mais profundos) que ela implica: uma política educacional que permitisse boas condições materiais (infraestrutura, instalações, acesso a tecnologias); suficientes recursos financeiros; boa formação docente; boas condições de trabalho para técnicos e docentes; valorização da profissão com salários adequados, horas de trabalho que incluam tempo para estudo e aperfeiçoamento; adequada organização curricular; determinadas pedagogias; formas inovadoras de ensino e avaliação, etc. A boa qualidade da educação, por sua vez, ficaria comprovada pelo sucesso em processos de avaliação de caráter nacional e internacional. (Tonet, 2020, pp. 9-10)

Os aspectos mencionados, que dizem respeito às condições de infraestrutura, de formação, de avaliação etc., constituem parte das políticas educacionais aqui apresentadas (PQE e programas educacionais do Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento da Educação) e, sem dúvidas, são fundamentais para se atender às necessidades produzidas pela conquista da expansão da educação. Entretanto, “Em si mesma, uma educação com todos aqueles requisitos pode perfeitamente formar para a reprodução da sociedade burguesa.” (Tonet, 2020, p. 6).

A educação de qualidade, em nossa visão, deve ser compreendida sob a perspectiva de classe. Como hegemonia dominante, o projeto de educação disseminado pelo BM e incorporado em determinada medida pelo Estado do Paraná, no que diz respeito à fundamentação e à justificativa que embasam as políticas educacionais adotadas, busca a conservação da sociedade vigente. Sendo assim, a educação, nesse contexto, diferente do que intentam demonstrar os documentos, assume papel de formar para a reprodução do sistema e não para a superação da pobreza e das desigualdades sociais.

 

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[i] Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) (2021).

[ii] Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) (2006). Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Campus de Cascavel.