Entre lógica
instrumental e determinista: perspectivas teóricas nas pesquisas sobre o PROUCA
Entre la lógica instrumental y la determinista:
perspectivas teóricas en la investigación sobre PROUCA
Between instrumental and deterministic logic: theoretical
perspectives in research on PROUCA
Marcos Antonio
Alves Filho[i]
Universidade Federal de Goiás
Goiânia, GO, Brasil
https://orcid.org/0000-0003-3702-4981
Adda Daniela Lima Figueiredo Echalar[ii]
Universidade Federal de Goiás
Goiânia, GO, Brasil
https://orcid.org/0000-0003-3026-8860
Os
autores contribuíram igualmente na elaboração do manuscrito.
Recebido em: 15/12/2021
Aceito em: 19/01/2022
Publicado
em: 25/01/2022
Linhas
Críticas |
Periódico científico da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília,
Brasil | ISSN: 1516-4896 | e-ISSN: 1981-0431 | Volume 28, 2022 (jan-dez).
http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas
Referência completa (APA): Alves
Filho, M. A., & Echalar, A. D. L. F. Entre lógica
instrumental e determinista: perspectivas teóricas nas pesquisas sobre o
PROUCA. Linhas Críticas, 28, e41241. https://doi.org/10.26512/lc28202241241
Link
alternativo:
https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/41241
Licença Creative Commons CC BY 4.0.
Resumo: Objetivamos compreender quais são as
perspectivas teóricas que fundamentam as produções acadêmicas que versam sobre
o uso do laptop distribuído pelo Programa Um Computador por Aluno (PROUCA). A
partir de uma pesquisa bibliográfica, do tipo estado do conhecimento, em
dissertações e teses publicadas no Banco de Teses da Capes e da Biblioteca
Brasileira Digital de Teses e Dissertações (BDTD), entre os anos de 2005 e
2019, constituímos nosso corpus de investigação. Foram encontradas 31
dissertações e 11 teses. Os dados desta pesquisa demonstram que a base
pedagógica predominante é o construcionismo e que há,
em sua maioria, a dicotomia na relação entre ensino e aprendizagem.
Palavras-chave: Tecnologia. Inclusão digital. Escola pública.
Resumen: Buscamos comprender cuáles son las perspectivas
teóricas que subyacen a las producciones académicas que abordan el uso de la
computadora portátil distribuida por el Programa Una Computadora por Alumno
(PROUCA). Con base en una investigación bibliográfica, tipo de estado de
conocimiento, en disertaciones y tesis publicadas en el Banco de Tesis Capes y
en la Biblioteca Digital Brasileña de Tesis y Disertaciones (BDTD), entre 2005
y 2019, constituimos nuestro corpus de investigación. Se encontraron 31
disertaciones y 11 tesis. Los datos de esta investigación demuestran que la
base pedagógica predominante es el construccionismo y que existe, en su mayor
parte, una dicotomía en la relación entre enseñanza y aprendizaje.
Palabras
clave: Tecnología. Inclusión digital. Escuela pública.
Abstract: We aim to understand which are the theoretical
perspectives that underlie the academic productions that deal with the use of
the laptop distributed by the One Laptop per Child (OLPC). Based on a state-of-the-knowledge
bibliographic research in dissertations and theses published in Capes Theses
Bank and in the Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations (BDTD),
between 2005 and 2019, we constituted our research corpus. Thirty-one dissertations
and 11 theses were found. The data from this research demonstrate that the
predominant pedagogical basis is constructionism and that there is, for the
most part, a dichotomy in the relationship between teaching and learning.
Keywords: Technology.
Digital inclusion. Public school.
Introdução
A partir de
2003 o discurso governamental situou a inclusão digital nos direitos do
exercício da cidadania e do desenvolvimento social, ressaltando o caráter
possivelmente transformador das novas tecnologias. Nesta perspectiva, o projeto
One Laptop for Child
(OLPC)[3]
foi apresentado ao governo brasileiro em janeiro de 2005, no Fórum Econômico
Mundial, em Davos (Suíça). O projeto OLPC se expandiu em poucos anos,
abrangendo diversos países, especialmente da América Latina, África e Ásia,
dentre eles o Brasil. A principal justificativa do Programa Um Computador por
Aluno (PROUCA) era a inclusão social via inclusão digital das populações
excluídas do acesso ao laptop no ambiente escolar.
Estudos
sobre este Programa em escolas públicas do Brasil (Echalar,
2015) e de outros países do mundo (Piovani & Pires, 2013; Melo et al.,
2017; Cóndor et al., 2019; Rivoir,
2020) asseveram que a inserção de laptops não implica diretamente em
melhores resultados na aprendizagem dos estudantes. Isto porque a formulação de
políticas públicas de inserção de tecnologia na educação pode até se colocar no
sentido de amenizar as contradições da nossa sociedade, mas não as supera,
visto que são pautadas por uma lógica neoliberal (Echalar,
2015; Echalar & Peixoto, 2017; Peixoto & Echalar, 2017).
Os excluídos
são extremamente importantes para a manutenção do capitalismo, porque mantê-los
à margem da sociedade garante um exército de reserva de trabalhadores que se
submete a competir entre si e a aceitar, cada vez mais, condições precárias de
trabalho. Assim, a incorporação das Tecnologias de Informação e Comunicação
(TIC) na sociedade deve estar sempre à margem do avanço tecnológico, se
limitando ao mínimo necessário para a própria manutenção do sistema
capitalista, que é essencialmente desigual (Marx, 2017).
No intuito
de compreender os aspectos pedagógicos de tal política pública de inserção de
tecnologia na Educação Básica, nos colocamos a problematizar as produções
acadêmicas sobre o PROUCA, a partir da seguinte indagação: quais são as perspectivas
teóricas que fundamentam as produções acadêmicas relacionadas ao uso do laptop
do PROUCA em sala de aula?
Assim, com
fundamento na pesquisa dialética, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, do
tipo estado do conhecimento, que buscou a compreensão mais ampla do fenômeno
apresentado. Neste sentido, foi realizada uma busca, de caráter inventariante e
descritivo, da produção acadêmica brasileira – teses e dissertações (T&D) –
no período de 2005 — ano em que o projeto OLPC foi apresentado ao governo
brasileiro — a 2019, ano do término desta pesquisa.
A busca
destas produções foi realizada no Banco de Teses da Capes e da Biblioteca
Brasileira Digital de Teses e Dissertações (BDTD), sem restrição de tempo ou
área de conhecimento. Foram utilizados os seguintes descritores: PROUCA/Um
computador por Aluno (UCA); inclusão/exclusão digital; laptop/notebook/computador
portátil e modalidade 1:1. Estes descritores foram empregados separadamente,
podendo estar presentes no título, resumo ou palavras-chave. Após a seleção das
produções, foi realizada a leitura dos resumos para o refinamento da busca,
tendo em vista que as produções deveriam ter como temática central o uso do laptop
do PROUCA.
Para
sistematizar estas produções e o processo de recolhimento das informações, foi
construída uma matriz de coleta de dados contendo os seguintes itens: ano;
palavra-chave; orientador(a); Instituição de Ensino Superior (IES); Programas
de Pós-Graduação (PPG); problema de pesquisa; objetivos; bases epistemológicas
que orientam a produção sobre a relação entre educação e tecnologia e as
finalidades de uso do laptop do PROUCA. O processo de análise dos dados
foi realizado por meio da leitura, na íntegra, destas produções, a fim de
compreender o fenômeno em suas múltiplas determinações.
Pelo menos
dois estudos das produções acadêmicas sobre o PROUCA já foram publicados: Andriola e Gomes (2017) que fizeram uma análise
bibliométrica das dissertações e teses produzidas de 2008 até 2014, e Habowski et al. (2019) que realizaram uma análise
hermenêutica em teses publicadas nas universidades públicas de 2012 a 2016
sobre os impactos da consolidação do PROUCA para a inclusão digital. A pesquisa
em tela se diferencia das pesquisas anteriores, uma vez que especifica seu
objeto de estudo nas produções que discutem diretamente as finalidades dos usos
dos laptops do PROUCA em sala de aula, justificando assim sua
originalidade e a não inserção de algumas teses e dissertações, quando
comparado aos trabalhos citados.
O uso de laptops no ambiente escolar: entre os dados empíricos
e as perspectivas teóricas
A partir do
uso dos descritores destacados, no período de 2008 a 2019, foram encontradas 34
dissertações e 12 teses que discutem diretamente o uso do laptop do
PROUCA no ambiente escolar (Quadro 1).
Teses (T)
e dissertações (D) que pesquisaram sobre o uso do laptop do PROUCA no
ambiente escolar.
Código |
Autoria |
PPG |
Código |
Autoria |
PPG |
D1 |
Kist (2008) |
Educação |
D19 |
Santos
(2013) |
Educação |
D2 |
Mendes (2008) |
Educação: currículo |
D20 |
Gomes
(2013) |
Educação |
D3 |
Schäfer (2008) |
Psicologia
social e institucional |
D21 |
Nassri
(2013) |
Educação |
D4 |
Silva (2009a) |
Educação |
D22 |
Schonz
(2013) |
Educação |
D5 |
Silva (2009b) |
Educação:
currículo |
D23 |
Carvalho
(2013) |
Educação |
D6 |
Saldanha (2009) |
Educação |
D24 |
Andrade
(2013) |
Educação
matemática e tecnologia |
D7 |
Xavier (2010) |
Geografia |
D25 |
Sette
(2013) |
Educação
matemática |
D8 |
Bento (2010) |
Educação |
D26 |
Souza
(2013) |
Educação
matemática |
T1 |
Hoffmann (2011) |
Informática
na educação |
D27 |
Barbosa
(2013) |
Educação
brasileira |
D9 |
Pontes (2011) |
Educação
brasileira |
D28 |
Miranda
(2013) |
Educação |
D10 |
Valle (2011) |
Educação
matemática e tecnologia |
D29 |
Maike
(2013) |
Ciência
da computação |
T2 |
Teixeira (2012) |
Letras
estudos linguísticos |
D30 |
Seixas
(2014) |
Educação |
T3 |
Weckelmann (2012) |
Educação |
T6 |
Casarin
(2014) |
Educação |
D11 |
Falcão (2012) |
Educação |
T7 |
Silva
(2014b) |
Educação
brasileira |
D12 |
Eivazian (2012) |
Educação
matemática |
T8 |
Almeida
(2014) |
Educação:
currículo |
D13 |
Piovani (2012) |
Educação física |
T9 |
Veloso
(2014) |
Educação |
D14 |
Castro (2012) |
Educação
brasileira |
T10 |
Silva
(2014c) |
Educação |
D15 |
Rigoni (2012) |
Educação |
T11 |
Santos
(2014) |
Educação |
D16 |
Martins (2012) |
Educação |
D31 |
Silva
(2014a) |
Educação |
D17 |
Reis (2012) |
Educação |
D32 |
Rosa
(2014) |
Letras |
T4 |
Rosa (2013) |
Informática
na educação |
D33 |
Ricarte
(2015) |
Linguística
aplicada |
T5 |
Neiva (2013) |
Educação:
currículo |
D34 |
Telles
(2016) |
Educação |
D18 |
Machado (2013) |
Educação |
T12 |
Silva
(2017) |
Letras |
Fonte: os autores.
A maior
parte destas produções foram realizadas em PPG da região Sudeste, totalizando
19 produções, sendo sete pesquisas oriundas de PPG da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP). Na região Sul foram encontradas 13 produções
acadêmicas, e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) possui o
maior número de trabalhos, cinco no total. Na região Nordeste foram encontrados
nove trabalhos, dos quais cinco estão vinculados à Universidade Federal do
Ceará (UFC). Na região Centro-Oeste foram produzidos quatro trabalhos, três
pela Universidade de Brasília (UnB) e uma pela Universidade Federal de Goiás. A
região Norte produziu somente um trabalho, na Universidade Federal de
Tocantins.
É importante
destacar também que do total de pesquisas analisadas, 31 delas estão vinculadas
a pesquisadores do Grupo de Trabalho do PROUCA (GTUCA) das IES globais (UFC,
Universidade Federal de Pernambuco, Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, PUC-SP, Universidade de São Paulo, Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) e UFGRS) e IES locais (Universidade Federal da Bahia, UnB,
Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade Federal do Paraná). Isto
pode nos revelar que há convergência entre quem pensou a política, quem a
implementou e, em grande medida, quem a analisou.
No que se
refere ao processo de ensino e aprendizagem com o laptop do PROUCA nos
trabalhos analisados, foi possível identificar que 80,43%[4]
declararam uma perspectiva teórico-pedagógica para fundamentar o uso dos laptops
em sala de aula; 2,17% não declararam tal fundamentação; e 17,40% se pautaram
em perspectivas teóricas de outras áreas do conhecimento. Para compreender as
perspectivas teóricas que fundamentam estas produções, sintetizamos as obras
mais citadas (Tabela1).
Tabela 1
Obras mais citadas nas produções acadêmicas sobre o
uso do laptop do PROUCA.
Obras
mais citadas[5] |
Recorrências |
Freire (2013a) |
18 |
18 |
|
Lévy (1993) |
18 |
Papert (2008) |
17 |
Lévy (1999) |
16 |
Valente (1999) |
12 |
Freire (2013b) |
11 |
Almeida e Valente (2007) |
10 |
Kenski (2007) |
10 |
Fonte:
os autores.
José Armando
Valente, Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida e
Seymour Papert possuem vários trabalhos publicados na
perspectiva construcionista, sendo o último o
principal desenvolvedor desta teoria pedagógica.
Destacamos
que Valente[6] foi
orientado pelo professor Seymour Papert durante seu
mestrado e doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT). A professora Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida[7]
foi orientada por Valente no seu mestrado e doutorado e possui vários trabalhos
publicados com ele. Ambos são integrantes das IES Globais do PROUCA (Unicamp e
PUC-SP, respectivamente).
Podemos
compreender, então, que a perspectiva teórica que fundamenta a maior parte das
pesquisas tem fundamento construcionista.
O
construcionismo é construído sobre a suposição de que
as crianças farão melhor descobrindo (“pescando”) por si mesmas o conhecimento
específico de que precisam […] Evidentemente, além de conhecimento sobre
pescar, é também fundamental possuir bons instrumentos de pesca — por isso
precisamos de computadores — e saber onde existem águas férteis, motivo pelo
qual precisamos desenvolver uma ampla gama de atividades mateticamente
ricas, ou “micromundos". (Papert, 2008, pp.
134-135)
O “Guia de
orientação didática” do PROUCA possui alicerces construtivistas, logo “o
sujeito ativo aprende a partir de suas ações sobre os objetos e constrói suas
próprias categorias de pensamento, ao mesmo tempo que organiza seu mundo”
(Programa Um Computador por Aluno [PROUCA], 2012, p. 13).
A
perspectiva construcionista e a construtivista
possuem como base teórica os fundamentos desenvolvidos por Jean Piaget
(1896-1980). Entretanto, diferem no foco de sua análise, ou seja, a primeira
foca na aprendizagem individual da criança e a segunda foca no desenvolvimento
cognitivo da criança.
Os
fundamentos teóricos do PROUCA vão ao encontro do construcionismo,
à medida que colocam na tecnologia a possibilidade de solução dos problemas
educacionais e sociais que vivenciamos. Todavia, declaram que um dos principais
fundamentos pedagógicos do PROUCA é preparar “o indivíduo para o mundo
produtivo reclamado pelo sistema econômico […]” (PROUCA, 2012, p. 13).
Paulo Freire
ganha importância como elemento de crítica à educação tradicional. As
construções teóricas, observadas nas produções, são complementadas pelas
discussões de Lévy e Castells acerca do surgimento de uma “nova sociedade” que,
cada vez mais, se complexificaria com as rápidas mudanças sociais advindas da
inserção das TIC na sociedade, e que, consequentemente, essas mudanças sociais
tem repercutido também no âmbito educacional, de modo a adequar-se,
progressivamente, à lógica da cultura digital[8].
Estamos
em um momento histórico da Educação, no qual o giz vai perdendo espaço para as
TD, e o mundo passa a estar, cada vez mais, conectado às inovações
tecnológicas. Nesse contexto, a escola e a Educação estão sendo repensadas com
a inserção das TD, apontando a necessidade de desenvolver uma postura
pedagógica adequada às transformações da cultura digital. Nesse âmbito, o
professor precisa buscar construir e reconstruir o processo de
ensino-aprendizagem. (Andrade, 2013, p. 26)
Pierre Lévy,
ao discutir sobre a internet, a caracteriza como um ambiente democrático que concretiza
uma vontade coletiva. O autor destaca as possibilidades de uso que as novas
tecnologias trazem para a sociedade, visto que a tecnologia é produzida pelos
homens, logo, não haveria nenhuma diferença de natureza. Entretanto,
Afirmar
que entre homens e máquinas não existe diferença de natureza é um equívoco;
ainda que consideremos que as máquinas são feitas pelos homens, este fato não
os equipara como sistemas de mesma natureza. Não se trata de ocultar as
diferenças entre os sistemas comparados, mas de reconhecer que todos os objetos
e fenômenos da natureza encerram contradições internas. (Malaquias, 2018, p.
49)
Uma análise
que busca compreender as relações sociais e os seus produtos, sem direcionar
para as forças produtivas, desconsidera a própria base fundamental que alicerça
a constituição destas relações, consequentemente, reduz ainda mais a
compreensão humana sobre a sua própria história (Vázquez,
2011).
Sob uma
ótica similar à de Lévy, a obra mais citada da professora Vani
Moreira Kenski[9]
destaca que:
Podemos
também ver a relação entre educação e tecnologias de um outro ângulo, o da
socialização da inovação. Para ser assumida e utilizada pelas demais pessoas,
além do seu criador, a nova descoberta precisa ser ensinada. A forma de
utilização de alguma inovação, seja ela um tipo novo de processo, produto,
serviço ou comportamento, precisa ser informada e aprendida. (Kenski, 2007, p. 47)
A autora
enfatiza uma relação direta entre tecnologia e inovação. Esta forma de
exposição vai ao encontro da perspectiva teórica adotada na maioria das
pesquisas, que enxerga nos aparatos tecnológicos, principalmente as TIC, formas
“inovadoras” de ensino. Esta forma de pensamento pode reforçar a lógica de que
o desenvolvimento tecnológico é algo natural e inevitável, o que fundamenta uma
perspectiva determinística sobre o uso de tecnologias (Peixoto, 2016).
Dicotomias e unidades: ensino-aprendizagem e
sujeito-objeto técnico
Ao
levantarmos os problemas de pesquisa e objetivos, identificamos que as
produções analisadas versam sobre três finalidades educativas no que se refere
ao uso de laptops no ambiente escolar, a saber: para o ensino, para a
aprendizagem e para a relação ensino e aprendizagem. Tais categorias estão
vinculadas ao “uso em si” do aparato digital ou consideram o laptop do
PROUCA “como possibilidade pedagógica” (Quadro 2).
Quadro 2
Finalidades educativas no que se refere ao uso de laptop
do PROUCA no ambiente escolar.
Lugar
da tecnologia / Uso de tecnologias / metodologia |
Uso
em si |
Como
possibilidade pedagógica |
Ensino |
Mendes (2008); Silva (2009b); Bento (2010); Xavier (2010); Reis (2012); Teixeira (2012); Weckelmann (2012); Machado (2013); Neiva (2013); Almeida (2014); Casarin (2014); Seixas (2014); Silva (2014c); Veloso (2014); Telles (2016) e Silva (2017). |
Saldanha (2009); Pontes (2011); Eivazian
(2012); Piovani
(2012); Gomes
(2013); Rosa
(2013); Silva
(2014a) e Ricarte (2015). |
Aprendizagem |
- |
Kist (2008); Schäfer
(2008); Silva (2009a); Hoffmann (2011); Valle (2011); Castro (2012) e Rigoni (2012). |
Ensino/aprendizagem |
Falcão (2012); Martins (2012); Andrade (2013); Nassri
(2013); Santos
(2013); Schonz
(2013); Sette
(2013); Souza
(2013); Rosa (2014) e Santos (2014). |
Barbosa (2013); Carvalho
(2013); Maike (2013); Miranda (2013) e Silva
(2014b). |
Fonte:
os autores.
Podemos
perceber que a maioria das produções acadêmicas discutem a relação entre ensino
e aprendizagem – tanto “como possibilidade pedagógica” quanto como “uso em si”
– de forma dicotômica, isolando o ensino da aprendizagem e vice-versa.
Entretanto,
se considerarmos que a base predominante destas produções é construcionista
e que, por mais que o ensino seja minimizado por esta lógica, ela não permite a
ocorrência de uma dicotomia entre ensino e aprendizagem (Valente, 1999),
concluiremos que tal separação é fator de distanciamento entre estas pesquisas
e o referencial teórico por elas adotado. O ensino, neste âmbito, é caracterizado
como uma “abordagem integradora de conteúdo e voltada para a resolução de
problemas específicos do interesse de cada aluno” (Valente, 1999, p. 2).
A relação
entre ensino e aprendizagem construída por este referencial pedagógico gera um
produto para o estudante ou, mais especificamente, a solução de um problema.
Neste caso, o processo de ensino se dilui nas necessidades do estudante,
consequentemente, ensino e aprendizagem são igualados entre si. Esta
homogeneização reduz o processo de ensino e aprendizagem a uma mera soma de
termos (Almeida & Grubisich, 2011). O fenômeno
educativo, então, é restringido a uma ação pragmática na qual a aprendizagem é
transformada em solução de conflito; como consequência, as tecnologias são
discutidas a partir das “vantagens e desvantagens como máquina de ensino”
(Valente, 1999, p. 1).
O lugar da tecnologia nos processos de ensino, aprendizagem e
ensino-aprendizagem
As 16
pesquisas que abordam as tecnologias no “uso em si” do ensino as destacam, no processo
educativo, como um ato inovador que pode gerar aceitação e/ou rejeição por
parte dos envolvidos. Afirmam ainda que, no desenvolver destas relações, os
professores compreendem melhor seus usos e ressignificam suas práticas, como
destacado abaixo:
A inserção da inovação gera duas reações
distintas: a aceitação (que tende a ser explícita, já que o programa foi
imposto) e rejeição (que tende a ser velada, para não gerar retaliações à
docente). Cada reação acaba por promover mudanças na interação do docente com a
ferramenta e, por consequência, na sua forma de planejar as aulas em que irá
usá-la. (Teixeira, 2012, pp. 125-126)
Neste
contexto, a ferramenta ganha centralidade no processo pedagógico, colocando o
professor e as relações pedagógico-didáticas à margem do processo de ensino e
aprendizagem. Há uma transmutação do ensino em ferramenta. Isto acontece porque
as pesquisas colocam em segundo plano as intencionalidades que envolvem a
atividade docente. Assim, estas produções que versam sobre o ensino se
entusiasmam com as tecnologias e com as diversas formas de uso que estas
ferramentas possibilitam e por isto não percebem que o novo pode ser utilizado
para repetir o velho.
No que se
refere às nossas análises, identificamos oito produções (Saldanha, 2009; Pontes, 2011; Eivazian, 2012; Piovani, 2012;
Gomes,
2013; Rosa, 2013; Silva, 2014a; Ricarte, 2015) que tratam a tecnologia como uma
possibilidade pedagógica, centralizando, assim, suas discussões nas formas de
uso, tal como pode ser evidenciado no trecho a seguir: “[…] o fundamental para
a inclusão digital não é o laptop em si, nem a possibilidade de acesso à
rede, mas o uso que se fará desse acesso, o papel que alunos e professores
assumirão frente a este recurso” (Rosa, 2013, p. 26).
Ao partirem
dos pressupostos de que os usos das TIC são moldáveis pelos sujeitos – aspecto
coerente ao construcionismo – e de que “é preciso
compreender que as tecnologias digitais ampliam a cognição humana na medida em
que superam a simples representação do real e se fundem a novas formas de
atuação sobre este real” (Rosa, 2013, p. 48), estas pesquisas acabam por
homogeneizar, na perspectiva dos sujeitos, as questões técnicas do aparato e
seu próprio processo de produção. Logo, a discussão sobre o ensino paira sobre
as formas de uso, materializadas na atividade de ensino. Mas, ao mesmo tempo,
estas formas são descaracterizadas do contexto social como se o processo de
ensino fosse uma ação de inspiração individual, desconexo dos contextos
sociais.
Percebe-se,
pois, que as pesquisas que discutem a aprendizagem nesta perspectiva centram a
discussão no fazer do estudante e, de certa forma, colocam como espontânea a
capacidade do estudante de desenvolver uma aprendizagem eficaz e dinâmica. Tal
constatação pode ser ratificada pelo trecho abaixo:
O
jovem de hoje espera da escola o mesmo que ele espera de sua relação com a
tecnologia: respostas eficazes, imediatas, dinamismo e movimento. Se, por
acaso, a abordagem em sala de aula não contempla um desses aspectos, a
tendência é que o aluno faça com seu professor o mesmo que costuma fazer com
sites da Web que considera “parados”: mudar de página na internet, buscar em
outro local, acessar outras possibilidades. (Valle, 2011, p. 44)
Nesta
lógica, é vinculada ao laptop a ideia de que ele torna possível, ao
estudante, moldar sua própria aprendizagem, isto é, aprender aquilo que lhe
interessa, visto que "cada indivíduo tem, em suas mãos, uma ligação com o
mundo exterior à sala de aula, um equipamento que permite que os próprios
alunos busquem aprender o que lhes interesse, chame a atenção, proporcione
satisfação e prazer” (Hoffmann, 2011, p. 32).
Diante
disto, a atividade docente estaria à mercê das questões individuais do
estudante. Entretanto, cabe destacar que o trabalho docente, por mais que
compreenda o “estar atento” à perspectiva discente, não se restringe a isto
(Almeida & Grubisich, 2011). Caberia ainda
problematizar a própria atividade do estudante, porque mesmo no âmbito
individual a atividade humana é social (Vázquez,
2011).
Ainda no que
diz respeito a nossa análise, dez das pesquisas que discutem a questão do
ensino e aprendizagem (Falcão, 2012; Martins, 2012; Andrade, 2013; Nassri, 2013; Santos, 2013; Schonz,
2013; Sette, 2013; Souza, 2013; Rosa, 2014; Santos, 2014)
enfatizam a inevitabilidade do processo de inserção das TIC no ambiente escolar
e sua capacidade de transformar as relações escolares.
As
respostas resgatadas mostram que os professores permaneceram alienados
tecnologicamente, sem consciência do significado da tecnologia que estava sendo
colocada em suas mãos, ainda que tenha existido uma capacitação específica para
compreensão do PROUCA e habilitação para o uso prático do laptop na sala de
aula. No entanto, não apenas as respostas em análise levam a essa conclusão,
mas, também o fato de que mais da metade dos entrevistados nunca ouviu falar
sobre o assunto, enquanto o restante tinha uma vaga ideia do que se tratava.
(Andrade, 2013, p. 109)
Todavia, o
avanço tecnológico e sua disseminação na sociedade não é um fato inevitável e
não está ao alcance de todos. As constantes mudanças tecnológicas em nosso
modelo produtivo estão mais vinculadas ao aumento de produção em seus aspectos
quantitativos do que, necessariamente, a uma mudança qualitativa da vida da
população (Marx, 2017). Além disto, nosso país, de um modo geral, estabelece
uma relação de consumidor de tecnologias e não de produtor. Neste sentido, cabe
destacar que ao colocar a tecnologia como produtora ou indutora da realidade,
coisificamos uma característica essencialmente humana, nossa própria história.
Uso em si das tecnologias: entre facilitação e
inovação
As produções
do item “uso em si” dão à tecnologia o papel de facilitadora do trabalho
docente. Estas pesquisas se distanciam do seu referencial teórico, pois, não
colocam no estudante a centralidade da ação, além de evidenciarem elementos de
uma lógica tecnocêntrica na própria perspectiva construcionista.
Quando uma
pesquisa afirma que “[…] ainda há professores que apresentam dificuldades em lidar
com toda essa tecnologia inovadora em sala de aula” (Silva, 2017, p. 29),
percebemos que as maneiras inovadoras que as tecnologias apresentam se tornam
impositivas à atividade docente, na medida em que é enfatizado que os processos
de ensino e aprendizagem precisam se adequar a uma nova realidade proporcionada
pelas TIC.
Portanto, as novas tecnologias com suas ferramentas
têm requerido novas práticas e formas de expressão de sentidos dos nossos
alunos e a escola pode abarcar tanto a forma tradicional, já conhecida e
implementada nesse ambiente, quanto essa nova maneira de produzir textos (Ricarte, 2015, p. 130).
Acrescenta-se
que para algumas pesquisas “já nos sentimos desafiados pela reflexão de uma
práxis tecnológica que se refletisse no uso da tecnologia como ferramenta de
inclusão sociodigital e, consequentemente, como instrumento de mediação
pedagógica” (Andrade, 2013, p. 11).
As pesquisas
que ao se depararem com o artefato tecnológico supõem que este realiza a
práxis, efetivam a tecnologia de forma naturalizada e não socializada. A práxis
é atividade humana transformadora (Vázquez, 2011), já
o objeto técnico, por mais que seja um produto e processo histórico e cultural,
não é produtor da história.
Para o construcionismo, o “aprender-em-uso libera os alunos para
aprender de uma forma pessoal e isto, por sua vez, libera os professores para
oferecer aos seus estudantes algo mais pessoal e mais gratificante para ambos
os lados” (Papert, 2008, p. 71). De tal modo, a
tecnologia não seria inovadora em si. Este caráter inovador, ao contrário, vai
depender dos usos que os estudantes fazem dela. O foco é uma aprendizagem
personalizada, a partir de um uso individual de determinado aparato. Logo,
centrar na tecnologia, tal como já destacado, é uma contradição eminente que
estas pesquisas apresentam em relação ao seu próprio referencial teórico.
Ao
atribuírem à tecnologia a capacidade de inovação pedagógica, concedem-na o
direito de tomar espaço em relação à ação do sujeito. Sendo assim, a
intencionalidade do sujeito acaba sendo transferida para o objeto técnico.
Estas afirmações possibilitam evidenciar uma fetichização da tecnologia nestas
pesquisas. Para Marx (2017), o fetiche da mercadoria consiste na sua própria
forma, onde a mercadoria está expressa como valor de uso, mas este valor de uso
é apresentado à margem das relações de produções e dos produtores que a
constituíram. Em suma, a função social da mercadoria é convertida em sua função
natural.
Entretanto,
mesmo que estas pesquisas se distanciem de suas perspectivas teóricas, por
centralizarem a discussão na tecnologia, elas possibilitam compreender a
contradição dentro do próprio construcionismo. O contradictio in subjecto
para o construcionismo na relação de aprendizagem
está no fato de ele ser centrado no estudante (característica de uma abordagem
antropocêntrica), não há como afirmar que a tecnologia em si facilita a
aprendizagem sem considerar a subjetividade de cada estudante. Se a tecnologia,
sozinha, facilitasse a aprendizagem, as soluções técnicas seriam suficientes
para melhorar os processos educativos, o que contradiz diretamente o construcionismo.
Algumas
pesquisas afirmam que a “utilização do laptop pode favorecer uma abordagem
questionadora, pela diversidade de informações e possibilidade de autocorreção,
correção coletiva e feedback” (Almeida, 2014, p. 148). Assim, elas atribuem ao laptop
do PROUCA a realização do trabalho humano.
Sob nossa
ótica, a tecnologia não medeia estas relações, mas é um dos elementos
mediadores no fazer educativo. As mediações não são um caminho ou o meio, mas
processos. Em outras palavras, a mediação é a relação dos sujeitos entre si e
com os instrumentos, signos e significados construídos em um determinado
contexto histórico (Almeida & Grubisich, 2011;
Peixoto, 2016; Araújo et al., 2018).
O ensino e a aprendizagem com uso de tecnologias:
possibilidade pedagógica
Cinco
pesquisas discutem a relação de ensino e aprendizagem, considerando a
tecnologia como possibilidade pedagógica. Elas enfatizam que:
[…]
é oportuno lembrar que a tecnologia não garante colaboração e aprendizagem, mas
oferece possibilidades e suporte para que elas aconteçam. Todavia, para que
professores e alunos utilizem a tecnologia em prol da aprendizagem, utilizando
os princípios da prática colaborativa, é necessário ter a compreensão do que é
a colaboração e de como aprender com o suporte tecnológico, buscando novas
práticas de ensino e aprendizagem. (Silva, 2014b, p. 41)
As
discussões realizadas nestas pesquisas apresentam um olhar sociotécnico,
diferente do olhar desenvolvido nas demais pesquisas que compõem o corpus
deste trabalho, tendo em vista que trazem para o debate as finalidades do
trabalho pedagógico. Isto acontece, por exemplo, quando enfatizam que “o uso de
recursos digitais deve ser adotado na disciplina com objetivos pedagógicos bem
definidos” (Carvalho, 2013, p. 81).
As pesquisas
do corpus deste trabalho que buscam discutir o uso de tecnologias sem
cair numa lógica dualista, ou na naturalização dos artefatos tecnológicos, possibilitam
uma análise mais crítica dos processos educativos, pois, não transformam os
meios da atividade docente em suas finalidades. Cabe salientar que compreender
o processo de ensino e aprendizagem com o uso de tecnologia, numa perspectiva
crítica, é, antes de tudo, compreender as bases concretas e históricas que
compõem esta relação.
Considerações finais
Os dados
apresentados neste trabalho demonstram que as produções acadêmicas sobre o uso
do laptop do PROUCA no ambiente escolar, em sua maioria (31 T&D) e
em grande medida, dicotomizam o processo de ensino e aprendizagem,
centralizando suas discussões no aparato tecnológico (26 T&D).
A
centralização do fazer pedagógico na tecnologia nos possibilita compreender que
as produções acadêmicas a fetichizam, atribuindo a
ela aspectos do trabalho humano, o que oculta seu processo de produção. Estes
discursos reificam os processos de ensino e aprendizagem, pois, este fenômeno
não é uma relação de coisas, mas uma relação com as coisas.
Os problemas
na educação apresentados nas pesquisas estudadas – como o ensino tradicional e
linear – não serão resolvidos pela mudança das tecnologias utilizadas pelos
professores. Devemos, antes de tudo, voltar nossos olhares para as relações que
estão sendo estabelecidas na escola e, principalmente, para as estruturas
sociais que fundamentam nossa sociedade. Logo, é necessário que a escola seja o
lócus dos mecanismos de apropriação dos saberes científicos e da
humanização.
Entretanto,
cabe destacar que a análise realizada por esta pesquisa é limitada pela própria
especificidade do seu objeto de estudo. Assim, suas contribuições se ampliam
com os demais estudos bibliográficos efetivados, de modo que podemos
estabelecer as relações entre as partes (o processo de implementação do PROUCA,
a formação de professores no programa, a análise desta política pública
educacional, dentre outros temas) e o todo do fenômeno educativo.
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[i] Licenciado em Ciências Biológicas pela
Universidade Federal de Goiás (UFG) (2019). Mestrando em Educação em Ciências e
matemática pela UFG.
[ii] Doutora em Educação pela Pontifícia
Universidade Católica de Goiás (2015). Professora da UFG.
[3] Programa global que deu origem ao PROUCA, criado
por pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT).
[4] Os valores foram arredondados até duas casas
decimais.
[5] Será referenciada a edição mais recente citada em
português.
[6] Dados retirados do currículo Lattes. http://lattes.cnpq.br/8919503255281132
[7] Dados retirados do currículo Lattes. http://lattes.cnpq.br/7485134644744641
[8] De acordo com o PROUCA (2012), a cultura digital
pode ser destacada como qualquer processo e produtos culturais construídos na
rede de internet e computadores.
[9] Dados retirados do currículo Lattes. http://lattes.cnpq.br/3113321723239176