A pesquisa
visual na Educação Ambiental: produção audiovisual como procedimento
investigativo
Investigación visual en Educación Ambiental: la
producción audiovisual como procedimiento de investigación
Visual research in Environmental Education:
audiovisual production as an investigative procedure
Rachel Hidalgo[i]
Universidade Federal do Rio Grande
Rio Grande, RS, Brasil
https://orcid.org/0000-0001-6770-0106
José Vicente de Freitas[ii]
Universidade Federal do Rio Grande
Rio Grande, RS, Brasil
https://orcid.org/0000-0001-7121-9921
Contribuição
na elaboração do texto: autora 1: escrita de todas as seções; autor 2: revisão
e consolidação.
Recebido em: 21/12/2021
Aceito em: 23/03/2022
Publicado
em: 29/03/2022
Linhas
Críticas | Periódico científico
da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Brasil
ISSN: 1516-4896 |
e-ISSN: 1981-0431
Volume 28, 2022
(jan-dez).
http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas
Referência
completa (APA):
Hidalgo, R., & Freitas, J. V. de. (2022). A pesquisa visual na
Educação Ambiental: produção audiovisual como procedimento investigativo. Linhas
Críticas, 28, e40745. https://doi.org/10.26512/lc28202240745
Link alternativo:
https://www.periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/40745
Licença Creative Commons
CC BY 4.0.
Resumo: Como parte de um doutorado a ser concluído em
2023, compartilhamos alguns dos primeiros resultados: o estado de conhecimento
sobre a prática de pesquisa no campo da Educação Ambiental (EA) referente aos
trabalhos que utilizam, como procedimento de investigação, a produção
audiovisual. A partir de um estudo que, inicialmente, foi aberto a outros
campos do conhecimento, oportunizando o acesso a autores/as, teorias, métodos e
temas de pesquisa, damos enfoque ao campo da EA. Concluímos que ele apresenta
uma grande lacuna epistêmica sobre o assunto até o presente momento.
Palavras-chave: Educação Ambiental. Linguagem e Educação. Estado do
Conhecimento.
Resumen: Como parte de un doctorado que se completará en 2023,
compartimos algunos de sus primeros resultados: el estado del conocimiento
sobre la práctica investigadora en el campo de la Educación Ambiental sobre
trabajos que utilizan la producción audiovisual como procedimiento de
investigación. Desde el estudio que, inicialmente, se abrió a otros campos,
dando acceso a autores/as, teorías, métodos y temas de investigación, nos
enfocamos en el campo de la Educación Ambiental concluyendo que tiene un gran
vacío epistémico sobre el tema hasta ahora.
Palabras
clave: Educación Ambiental. Lengua y Educación. Estado del Conocimiento.
Abstract: As part of a doctorade that will be completed in 2023,
we share some of its first results: the state of knowledge about research
practice in the field of Environmental Education on works tha use audiovisual
production as a research procedure. From the study that initially opened up to
other areas of knowledge, giving access to authors, theories, methods and
research topics, we focused on the field of Environmental Education, concluding
that it has a large epistemic gap on the subject so far.
Keywords: Environmental
Education. Language and Education. State
of Knowledge.
O presente texto[3] tem o objetivo de
apresentar uma atualização dos caminhos de uma tese ainda em curso a partir de
uma de suas etapas: a construção do estado do conhecimento, fase que, segundo
Romanowski (2002), pode aprofundar a compreensão sobre o recorte da pesquisa. A
tese trata dos modos de pesquisa em Educação Ambiental (EA) envolvidos com a
produção audiovisual e da qualidade do Cinema como método de produção de
conhecimento para o campo, contribuindo para a validação de outras
possibilidades de pesquisa científica que estão, de alguma maneira, mais
aproximadas das demandas da contemporaneidade. Por outra via, intenciona
utilizar o canal de comunicação do cinema, como potência de inserção em
diferentes grupos sociais, para disseminar conhecimentos sobre a EA que impulsionem
a sustentabilidade.
Dessa forma, apresentamos alguns dos primeiros
dados coletados por este procedimento, os quais já apontam para resultados
relevantes sobre o tema. Tal movimento auxiliou na observação extensa do
universo da cultura audiovisual em teses e dissertações no Brasil – setor
selecionado para o atual estado do conhecimento –; viabilizou a apreensão de um
possível uso do cinema como metodologia de pesquisa no campo da Educação e da
Educação Ambiental e, por outro lado, revelou uma grande lacuna no campo: o
baixo número de literatura especializada, sistematizações e demais reflexões
sobre a utilização desta ferramenta para a produção de conhecimento em EA relacionada
à pesquisa científica.
A partir dos resultados parciais desta pesquisa,
então, é que anunciamos a dificuldade de capturar movimentos metodológicos pelo
insuficiente número de materiais que operam por meio de tal perspectiva. Concluímos,
assim, que a produção audiovisual, como procedimento de investigação, necessita
de maiores espaços para debate.
Pesquisa Visual
A pesquisa visual, como uma investigação a partir
de métodos cientificamente validados pela comunidade acadêmica, já tem uma
longa história nas Ciências Sociais. E tais registros e diálogos não giram
somente em torno das pesquisas em si, mas também em relação às revisões desses
pensamentos, organizações e outras contribuições que fazem com que a linha de
pesquisa evolua.
O conhecido trabalho do cineasta/etnólogo Jean
Rouch, por exemplo, iniciou-se em 1940, na França. Com mais de 100 filmes,
alimentou o campo da Antropologia e, mais adiante, inspirou estudiosos/as a
formular novos pensamentos sobre a sua prática específica. Em uma área na qual já
se argumentava sobre possibilidades como “Antropologia Visual” e “Antropologia
Fílmica”, as novas definições apontaram, ainda, para a ideia de uma
“Antropologia Partilhada”, criando outros segmentos para o campo (Freire &
Lourdou, 2009).
Já o trabalho dos pesquisadores Sol Worth e John
Adair, realizado nos Estados Unidos e intitulado “Pelos olhos dos Navajos”, foi
defendido em 1972 (Worth & Adair, 1997). Os pesquisadores estavam em busca
de verificar a seguinte hipótese: “[…] a estrutura da linguagem que se fala
condiciona a maneira como se vê e compreende o mundo em torno de si” (Banks,
2009, p. 16). Para isso, entregaram câmeras nas mãos de pessoas navajos que
viviam em comunidades consideradas tradicionais e pediram para que gravassem
cenas de seus cotidianos. O resultado da pesquisa, “[…] a linguagem é uma guia
para a realidade social” (Banks, 2009, p. 16), foi considerado raso. Contudo,
os métodos identificados e empregados para chegar a essa conclusão foram
sublinhados como revolucionários e, 20 anos mais tarde, o projeto recebeu uma
cuidadosa revisão por Dick Chalfen, conduzindo-o à ideia de que o debate
merecia maior atenção (Banks, 2009).
Os dois trabalhos citados representam correntes
já estabelecidas nas Ciências Sociais. Segundo Banks (2009), a mais antiga pode
ser entendida como Pesquisa Visual a partir de um estudo sociológico de
imagens, em que o/a pesquisador/a trabalha em torno da coleta e do estudo de
imagens produzidas ou consumidas pelos/as sujeitos/as da pesquisa. Já a outra
corrente é compreendida como Pesquisa Visual com o uso de imagens para estudar
a sociedade, envolvendo a criação de imagens pelo/a próprio/a pesquisador/a
social, independentemente dos/as sujeitos/as da pesquisa.
Há ainda, segundo o autor, uma terceira via de
pensamento sobre o assunto, tratando-se da criação e do estudo de imagens
colaborativas, a qual está mais conectada com a contemporaneidade. Não é um
tema sobre o qual vamos aqui nos estender, no entanto, vale saber que os
estudos sobre os tipos de pesquisa realizada por meio de imagens em movimento
continuam evoluindo nas Ciências Sociais. Por outro lado, quando nos encaminhamos
para outro setor, o das Ciências Humanas, tais descobertas parecem ser notadas
de forma mais lenta.
Destacamos um trecho do livro de Rosália Duarte,
pesquisadora da confluência entre o cinema e a educação, que, já no início do
século XXI, constatava:
O reconhecimento da importância social do
cinema ainda não se reflete, de forma significativa, nas pesquisas que
desenvolvemos na área da educação. A discreta publicação de artigos sobre o tema
em nossos periódicos sugere que os pesquisadores dessa área ainda dão pouca
atenção aos filmes como objeto de estudo. (Duarte, 2002, p. 97)
Duarte não chega a comentar sobre a existência de
possíveis correntes da pesquisa visual na Educação em seu livro, mas relembra
pesquisas realizadas com o uso do cinema a partir da perspectiva da análise de
filmes. Como exemplo, tem-se o trabalho defendido por Mary Dalton (1996), nos
Estados Unidos, que tratou do perfil da imagem de professores/as e currículos a
partir de produções audiovisuais que ela considerou como representantes de 60
anos da indústria hollywoodiana. Projetos acadêmicos produzidos a partir de
outros pontos de vista metodológicos não são citados pela pensadora.
Na segunda década do século XXI, dados já
apontavam em outra direção, demonstrando o avanço da utilização do cinema na
educação, como exemplifica Costa em relação à sua coleta de dados sobre o tema:
As respostas são as mais variadas possíveis,
gerando inúmeras perspectivas. O tema já foi abordado com base na criação de
espaços para a aprendizagem, no qual o audiovisual foi inserido no centro como
foco de análise. Já foram produzidos trabalhos teóricos no acompanhamento de
exibições de filmes em diversos espaços e com propósitos variados, por exemplo,
em presídios (Cavalcante, 2011), no ensino de Ciências (Candéo, 2013), na
educação de jovens e adultos (Silva, 2010), no ensino de Línguas, espanhol (Stefani,
2010) e inglês (Ferraz, 2006). Outros autores preferiram fazer leituras
teóricas analisando obras cinematográficas (Kitamura, 2011; Condorelli, 2011;
Correia, 2015). Como também na análise da produção de filmes como espaço de
aprendizagem (Dias, 2002; Costa, 2010; Godoy, 2013; Tomazi, 2015), incorporando
na produção a base teórica marxista (Nascimento, 2014) e descrevendo a condição
da produção audiovisual em uma universidade (Neto, 2000). Os festivais de
cinema também são foco de observação e análise (Ferreira, 2013). (Costa, 2016,
p. 30)
Assim, Costa (2016) mostra uma larga inserção da
produção audiovisual na educação e não somente a partir de trabalhos teóricos
de visualização de filmes, mas com propósitos e acercamentos diversificados. De
maneira mais específica, acena também para a Educação Ambiental: “De modo
genérico, percebe-se que a produção audiovisual e a EA carregam ontologias e
ações políticas variadas, apresentando uma ação mediadora do olhar científico e
técnico” (Costa, 2016, p. 235).
Com o olhar direcionado estritamente para o campo
da EA e concordando com Costa (2016), autores/as como Victor Pulido Capurro e
Edith Olivera Carhuaz (2018) explicam que esta é uma área complexa e que pode
gerar controvérsia. Afinal, enquanto para uns/umas investigadores/as existe uma
relação direta entre as atitudes e o comportamento diante das questões
ambientais; para outros/as há de se considerar, ainda, fatores como contexto
geográfico, cultural e geracional. Por esse motivo, “[…] es imprescindible dar a
conocer propuestas metodológicas que brinden calidad em enseñanza de la
educación ambiental em las aulas” (Capurro & Carhuaz, 2018, p. 336).
A análise sobre porquê o campo das Ciências
Humanas, mais especificamente, a Educação, aparentemente faz menor uso da
produção audiovisual como procedimento de pesquisa ainda está em curso pelo
processo de doutoramento. As primeiras pistas apontam tanto para uma questão de
tradição, que se reproduz sem problematizações, como também para uma inegável
insegurança por parte da comunidade acadêmica. A pesquisadora Gonçalves, que
desenvolveu seu trabalho utilizando alguns recursos audiovisuais, destaca a
esse respeito: “Quando os processos tendem ao artístico, ao sedutor, à emoção,
à intimidade, há desconfiança e descrédito por parte da comunidade científica”
(Gonçalves, 2013, p. 138).
E por concordar com as palavras da autora em
relação às mesmas sensações durante o cumprimento de rituais acadêmicos, é que
criamos fôlego para trabalhar na criação de um corpo que reduza esta lacuna no
campo da Educação, mais especificamente no campo da Educação Ambiental, em que
apresentamos os primeiros passos de uma pesquisa: um estado do conhecimento
sobre o uso do audiovisual na EA.
Estado do Conhecimento: dados parciais
A etapa da pesquisa que se refere à produção de
um estado de conhecimento pode produzir um balanço e encaminhar um mapeamento
importante tanto para a execução do trabalho atual do/a pesquisador/a, como para
auxiliar futuras pesquisas que operem no mesmo universo. Nesse sentido, cria
material “[…] que desvende e examine o conhecimento já elaborado, apontando os
enfoques, os temas mais pesquisados e as lacunas existentes” (Romanowski &
Ens, 2006, p. 38).
O presente estudo, de caráter descritivo e
analítico por um processo qualitativo, seguiu procedimentos baseados no
trabalho de Romanowski (2002), quando foram cumpridas determinadas
sistematizações favoráveis à coleta de dados, utilizando, como primeiro banco
de pesquisa, a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD).
Assim, foram selecionados descritores que direcionaram a busca por materiais e,
em seguida, foi realizado um levantamento das teses e dissertações encontradas.
Nesse sentido, utilizamos as palavras: a) audiovisual; b) cinema+documentário;
c) cultura audiovisual; d) pesquisa visual; e) educação audiovisual e e)
alfabetização audiovisual.
O passo seguinte foi realizar uma leitura dos
resumos e das palavras-chave que permitisse uma primeira triagem para, logo em
seguida, partir para a segunda triagem, com leitura aprofundada do acervo
produzido até então, composto por 840 trabalhos.
A partir de uma organização que considerou
enfoques temáticos e perspectivas metodológicas, chegou-se ao delineamento de
50 materiais, entre teses e dissertações, publicadas de 2006 a 2020, de
diferentes campos do conhecimento, de distintas universidades do Brasil.
Apresentamos, abaixo, um panorama geral dos
resultados coletados por meio desse processo. Estes, em primeira instância,
foram inseridos no relatório da qualificação de tese e também em trabalhos
divulgados em eventos acadêmicos – dois movimentos que geraram debates bastante
profícuos para a evolução do trabalho. Afinal, foi a partir de tais diálogos
que pudemos promover uma atualização de nosso ponto de vista metodológico.
Neste texto, não nos estendemos à discussão de tais mudanças e encaminhamos o
discurso já a partir das novas formulações epistêmicas.
Vale lembrar que, inicialmente, mantivemos o
processo aberto a outros campos disciplinares para, somente ao final,
afunilá-lo à Educação Ambiental.
Análise de dados coletados
Os cinquenta trabalhos que passaram a compor o
acervo da tese ajudaram no contorno de duas perspectivas metodológicas: a) a
criação de imagens para estudar processos educativos e/ou um tema específico
pelo/a próprio/a pesquisador/a; b) o estudo de imagens produzidas por
sujeitos/as de pesquisa, ao mesmo tempo em que o/a pesquisador/a utiliza-se de
recursos audiovisuais para compor o escopo metodológico da investigação ou
participa ativamente das criações junto ao público-alvo, para além de oferecer
direções.
Aproveitamos o ensejo para mencionar que, como
uma das escolhas metodológicas durante a construção do estado do conhecimento,
está a não inserção de trabalhos acadêmicos que utilizaram como perspectiva a
análise de filmes, uma vez que a tese em questão tem o seu enfoque em modelos
de criação de imagens para a construção de conhecimento em EA. Cabe informar,
porém, que a análise de filmes, assim como nas Ciências Sociais (Banks, 2009),
é o segmento com maior número de trabalhos nas Ciências Humanas, de modo que um
recorte mais restrito é mais favorável às investigações.
Seguindo nesta organização, pudemos destacar as
localizações disciplinares mais recorrentes: Educação, Artes Visuais,
Informática na Educação, Comunicação, Geografia, Ensino de História e Educação
em Ciências. Entre as temáticas gerais das teses e dissertações que puderam ser
observadas, a grosso modo, estão: “acervos audiovisuais”, “videogames”,
“educação à distância”, “análise de narrativas”, entre outros.
Já as linhas de pesquisa que emergiram dos
próprios materiais, isto é, a partir da leitura de seções como “resumo”,
“introdução” e “escopo teórico”, estão representadas no gráfico abaixo:
Gráfico 1
Linhas de pesquisa apresentadas pelos 50
trabalhos em acervo.
Fonte: os autores.
Por outro ângulo, se fez necessário reconhecer, para
traçar um caminho lógico que permitisse a compreensão dos métodos empregados e
anunciados anteriormente, o escopo teórico das pesquisas no que se refere à
linguagem audiovisual. O objetivo foi desvelar quais são os/as autores/as e
publicações mais consultadas pelos/as estudiosos/as envolvidos/as com o tema.
Quadro 1
Autores/as e publicações mais consultadas
pelos/as pesquisadores/as que compõem o acervo.
Título |
Autoria |
Introdução ao Documentário |
Bill Nichols (2005) |
A experiência do cinema |
Ismail Xavier (1983) |
Vídeo e educação |
Joan Ferrés (1996) |
A Imagem |
Jacques Aumont (1993) |
Pré-cinema e pós-cinema |
Arlindo
Machado (1997) |
A Forma do filme |
Sergei Eisenstein (1990) |
Fonte: os autores.
O quadro acima apresenta as publicações mais
vezes referenciadas entre os 50 trabalhos acadêmicos, entre teses e
dissertações, por ordem e quantidade de menções. Como pode ser visto, os
autores Bill Nichols (2005), Ismail Xavier (1983), Joan Ferrés (1996), Jacques
Aumont (1993), Arlindo Machado (1997) e Sergei Eisenstein (1990) tiveram suas
obras constantemente consultadas pelos/as pesquisadores/as que constam no
acervo em questão.
Os dados acima apresentados estão, neste momento,
sendo discutidos no relatório final de tese ainda não publicado à comunidade
acadêmica e, por conta do formato atual deste texto, deixamos tal discussão
para futuras oportunidades. Afinal, antecipadamente anunciamos que, aqui, daríamos
vazão ao único trabalho de Educação Ambiental destacado durante a construção do
acervo do estado do conhecimento.
Análise de dados em Educação Ambiental
Em um primeiro momento, vale lembrar que a
Educação Ambiental tem duas dimensões importantes de atuação, que se
interconectam e se influenciam: uma conexão com os pensamentos político e
científico de maneira intrínseca. Para maiores reflexões sobre o tema,
destaca-se sua história de lutas publicada a partir da década de 60 (Carson,
2010; Dias, 2013) e a leitura sobre o crescimento da produção acadêmica,
principalmente brasileira e mexicana, com a defesa de inúmeras dissertações de
mestrado e teses de doutorado no campo (Lorenzetti & Delizoicov, 2009).
Dessa forma, para fazer uma avaliação sobre as
suas comunicações, é necessário observar as duas faces que se entrelaçam. E,
por isso, pensar na pesquisa visual em publicações originadas na Educação
Ambiental parece até mesmo um fato trivial. Isso porque, em uma rápida busca
por endereços eletrônicos das principais ONGs que integraram a dimensão política
da EA ao longo dos anos – como a World WideFund For Nature (WWF), nos
Estados Unidos, e a Ecoar para a Cidadania, no Brasil – é possível conhecer
inúmeros produtos visuais, com o objetivo de formação e conscientização, de
diferentes correntes em EA.
Observando sua atuação política a partir de uma
aliança acadêmica concreta, realizada por meio dos Ministérios da Educação
(MEC) e do Meio Ambiente (MMA) em parceria com a Universidade de São Paulo
(USP) a partir dos anos 2000, destaca-se a concepção de um tema gerador, a
Educomunicação Socioambiental: um encontro do paradigma da Educomunicação com a
Educação Ambiental (Gattás, 2015), que revela um pleno interesse do campo pelo
universo da comunicação.
Ainda assim, apesar da recorrência de recursos
visuais para as operações do campo, durante a busca na primeira base de dados
destacada para a atual fase de pesquisa, foi acusado somente um[4]
trabalho em EA. Este utilizou a perspectiva metodológica “b”: o estudo de
imagens produzidas por sujeitos/as de pesquisa, ao mesmo tempo em que fez uso
de recursos audiovisuais para compor o escopo metodológico da investigação. O
material, de autoria de Cláudio Tarouco de Azevedo (2013), foi defendido no
Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio
Grande (PPGEA/FURG).
O trabalho de Azevedo, intitulado “Por uma
educação biorrizomática: cartografando devires e clinamens através de processos
de criação e poéticas audiovisuais”, possui, como temática geral, “processos de
criação em EA”. Sua linha de pesquisa é a “Não Formal” e o problema gira em
torno da ideia de “como transcender o uso do vídeo em educação para além do
registro que lhe é intrínseco?” (Azevedo, 2013, p. 9).
Sua base teórica seguiu dois caminhos aproximados.
O primeiro refere-se à Arte/Educação Ambiental: um encontro das artes com a EA
que estimula pesquisadores/as a introduzir mais criatividade nas novas
metodologias, abandonando os modelos tradicionais e buscando novas alternativas
(Sato & Passos, 2009). O segundo relaciona-se à Educação Estético-Ambiental,
que coloca a Arte como meio fundamental para o desenvolvimento de processos
educativos, abordando a palavra “estética” como referente ao estudo e à conceituação
das belezas (Estevez, 2003). Nesse sentido, os/as autores/as mais
consultados/as são: Michèle Sato e Luiz Augusto Passos (2009), Luciana Netto
Dolci e Suzana Inês Mollon (2015) e João Francisco Duarte Júnior (2004).
Ao seguir este movimento epistêmico – que
comporta mais uma série de outros/as autores/as e conceitos e que não cabe aqui
detalhar – o autor anuncia que seu trabalho se trata de uma
pesquisa-intervenção, configurando um campo de análise por meio de cartografia
de caráter interventivo a partir do dispositivo do audiovisual. Dessa maneira,
propõe a análise de um filme e a explicação de uma linguagem audiovisual, a
câmera subjetiva, dando início a um de seus campos com o grupo focal
(estudantes e educadores/as), moradores/as do entorno da comunidade Povo Novo,
em Rio Grande, no Rio Grande do Sul.
O filme indicado pelo autor, Arca Russa (Sokurov,
2000), é uma produção de 97 minutos que se passa inteiramente no Museu
Hermitage, de São Petersburgo, com o objetivo de refletir sobre a história do
País a partir das artes. É recorrentemente utilizado por educadores/as como uma
ilustração do que teriam sido 300 anos de história da Rússia. Entre os/as
estudantes e interessados/as em cinema, é utilizado também como a primeira
referência de um longa-metragem gravado em uma única tomada, realizada a partir
de plano-sequência e câmera subjetiva. Dessa forma, justifica a sua escolha
como criação de repertório para a produção que seria estimulada na prática
audiovisual do autor da tese.
A ideia era que os/as envolvidos/as debatessem
coletivamente sobre o filme e a técnica nele empregada, tendo como ponto de
partida três conceitos: a experiência estética; o audiovisual e o olhar não
humano. O objetivo era observar “a mudança de percepção dos participantes em
relação à experiência estética vivenciada; observar a apropriação e utilização
do audiovisual como fonte de produção de dados para a pesquisa em EA” (Azevedo,
2013, pp. 153-154).
Apesar da apresentação de termos e procedimentos
técnicos, Azevedo narra que, durante a experiência, todos/as poderiam se sentir
libertos/as da técnica mais refinada para buscar um movimento descongestionado
das formas convencionais da comunicação verbal, em que se pretendia
promover um “encontro de cada um com a sua visão metafórica. Nessa
experiência estética, é importante considerar que existe incondicionalmente uma
experiência cinestésica provocada pela câmera” (Azevedo, 2013, p. 154).
Tal oficina de experimentação, que tinha como
tema central a exploração do suporte e do olhar não humano, tem características
muito interessantes e que justificam a escolha da expressão por meio da câmera
subjetiva. Segundo o autor, a proposta era promover a produção de vídeos em que
os/as envolvidos/as imaginassem a perspectiva de uma árvore, de um mineral ou
de um outro animal, que não o humano.
Para analisar seus dados, além das produções
audiovisuais – exibição, criação e análise coletiva dos produtos gerados – Azevedo
utilizou cobertura fotográfica da oficina, registro audiovisual próprio e
questionários de avaliação, os quais chamou de pré-teste e pós-teste. No
primeiro, seguindo uma escala de cinco pontos para categorizar as respostas,
inseriu sempre um "por quê?" logo em seguida às perguntas objetivas,
criando um panorama quantitativo e qualitativo sobre cada assunto. Após análise
do pré-teste, concluiu que “a tentativa de olhar o mundo por meio de uma
perspectiva não humana pouco contribuiu para uma mudança de percepção dos
participantes em primeiro momento” (Azevedo, 2013, p. 166).
Esse retorno deu-se porque, face às perguntas do
teste – que correspondiam aos temas utilizados como argumento dos filmes, isto
é, “o modo vegetariano é uma forma de preservação ambiental” – muitos/as
participantes responderam não concordar. Entretanto, discordamos de Azevedo
quando ele frisa que “[…] a tentativa de olhar o mundo por meio de uma
perspectiva não humana […]” ou seja, por meio da produção de vídeo com câmera
subjetiva na gravação dos vídeos em que os/as participantes se colocavam no
papel de outras formas de vida, “[…] pouco contribuiu para uma mudança de
percepção” (Azevedo, 2013, p. 166).
Walter Benjamin (1996), que analisa a estética
cinematográfica, explica que, devido à natureza da técnica, ela permite uma ampliação
da percepção sensível que pode revelar aspectos da realidade. Contudo, esse
aumento do conhecimento, quando no papel de mediação, isto é, de realizador/a
que representa seu meio através de um inconsciente ótico, tende a ingressar em
um “mundo estranho”, que solicita um pouco mais de tempo e manejo dessa
diferente linguagem para que se percebam as nuances de um produto próprio.
Afinal, tratam-se de duas experiências
completamente distintas: recepcionar uma mídia (produzida por outro/a) e
autoanalisar uma concepção. As observações dos presentes autores/as como
educadores/as que atuam por meio da produção audiovisual retornam o mesmo tipo
de resultado: “se ver” na tela aciona outras camadas da percepção sensível,
pois não há deslocamento entre composição-criador/a.
Em outro momento, Azevedo comenta que, com
referência ao uso do vídeo, um/a dos/as participantes de seu estudo entendeu
que “serve mais para projetos de ensino do que de pesquisa. Outro participante
comenta que o uso do vídeo ‘diversifica a coleta de dados’” (Azevedo, 2013, p.
163). Depois reitera: “No entanto, o contato com a ferramenta do vídeo parece
ter ampliado o leque de possibilidades na produção de dados […]” (Azevedo,
2013, p. 163), pois, da mesma forma que algumas pessoas do seu grupo focal
concordaram que o vídeo serviria mais para projetos de ensino do que para a
pesquisa, sentiram também que ajudou a explorar novas possibilidades de utilização
do vídeo em EA, mesclando elementos da criatividade com o rigor acadêmico, por
assim dizer.
Podemos perceber que, durante o período da
pesquisa de Azevedo, a produção audiovisual como procedimento de pesquisa,
apesar de já não figurar como algo novo no interior da academia, ainda
enfrentava dificuldades diante da percepção de educadores/as, habituados/as às
maneiras tradicionais de coleta de dados, em primeiro contato com essa nova
forma de investigação. Outrossim, para o autor, o recurso que ele denomina como
“poéticas audiovisuais” não foi relevante somente como um mediador
metodológico, mas também, quando assim direcionado, como dispositivo capaz de
produzir significados atrelados a uma melhor qualidade de vida para a natureza.
Nesse sentido, ele explica que, após os
experimentos, foi possível perceber que existem diferentes vias de utilização
de poéticas audiovisuais e processos de criação para promover cuidado, relações
saudáveis e acionar transversalidades capazes de encaminhar novas perspectivas para
a vida, além de produzir novos conhecimentos a partir dos artefatos criados
pelos grupos que participaram de seus estudos. Para ele, essa é uma questão
principal no tipo de uso que se pode fazer das tecnologias e na intenção de
pesquisas: “uma visão solidária pode fluir a ecopráxis da pesquisa. As
tecnologias podem ser solução de conflitos, pois elas são construídas por nós.
Assim, nosso foco deve ser como a utilizamos” (Azevedo, 2013, p. 314).
Considerações
Aqui apresentamos a coleta que é resultado da
primeira fase de construção do estado do conhecimento de uma tese em curso.
Neste processo, entre os 50 trabalhos destacados após a sistematização
inspirada em Romanowski (2002), apenas um título se originou do campo da
Educação Ambiental – motivo que anima aos/às presentes os/as autores/as a ampliar
as buscas em outras bases de dados.
A experiência da leitura do trabalho de Azevedo
(2013) – única recorrência do campo da EA – contribuiu para diversas reflexões
acerca do projeto que se pretende desenvolver em formato de tese a ser
publicada em 2023. Assim como nos outros materiais catalogados, o objetivo foi
conhecer a abordagem e o tratamento realizados, trabalhos teóricos e
metodológicos que criaram estrutura para viabilização da pesquisa – além de
procedimentos e técnicas criadas e/ou reelaboradas a partir do corpo
epistêmico.
Também fez parte dos estudos conhecer reflexões
que levaram a diferentes questionamentos, para os quais, em alguns casos, já
pudemos elencar respostas para “pensar junto” e, de alguma maneira, abrir
diálogos com os/as autores/as que emprestaram suas pesquisas. Dado o tempo em
que algumas delas foram defendidas, alguns desenlaces já se tornaram possíveis.
Outros, tomamos como possibilidades de seguir questionando.
Neste momento da investigação, concluímos que a
literatura especializada em pesquisa visual para a educação não se encontra,
ainda, em estágio avançado de discussões. Tal linha metodológica continua muito
mais ativa em outros campos disciplinares, que possuem mais tempo de tradição,
como a Antropologia, a Sociologia e outros posicionados nas Ciências Sociais.
Quando falamos em trabalhos publicados em EA,
podemos observar que métodos específicos para a Pesquisa Visual direcionada
para esta área ainda são escassos. E isso não representa uma falta de adesão do
campo, uma vez que mencionamos a existência de um tema gerador intitulado
Educomunicação Socioambiental (Gattás, 2015) e a larga divulgação de materiais
visuais usados como ferramentas de formação e capacitação em EA, especialmente,
em sua dimensão política.
Isso conduz à principal lacuna de interesse
encontrada pelos/as presentes autores/as no campo. Ainda que necessite de
maiores espaços de reflexão e tempo de maturação, seguimos trabalhando para
preenchê-la a partir desse primeiro passo.
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[i] Mestre em Educação Ambiental
pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG) (2019). Doutoranda em Educação
Ambiental pela FURG.
[ii] Doutor em História pela
Universidade Estadual Paulista (1998). Professor titular da Universidade
Federal do Rio Grande.
[3] O presente
trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq/2019) e do Programa de Pós-Graduação em Educação
Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande (PPGEA/FURG).
[4] A partir de tal resultado, os/as
autores/as da pesquisa tomaram como necessária a inclusão de mais uma base de
dados para a construção do estado do conhecimento da tese, a ser explorada
durante o processo de doutoramento.