Contribuições da revisão integrativa para a pesquisa qualitativa em Educação

Contribuciones de la revisión integrativa a la investigación cualitativa en Educación

Contributions of the integrative review to qualitative research in Education


Aline Santos Pereira Rodrigues[i]

Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Curitiba, PR, Brasil

alines.pm@hotmail.com

https://orcid.org/0000-0002-6690-1384

Gabriele Polato Sachinski[ii]

Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Curitiba, PR, Brasil

gabiisachinski@hotmail.com

https://orcid.org/0000-0003-3911-0998

Pura Lúcia Oliver Martins[iii]

Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Curitiba, PR, Brasil

pura.oliver@pucpr.br

https://orcid.org/0000-0003-0300-8318

Os autores contribuíram igualmente na elaboração do manuscrito.

Recebido em: 03/11/2021

Aceito em: 17/03/2022

Publicado em: 24/03/2022

Linhas Críticas | Periódico científico da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Brasil

ISSN: 1516-4896 | e-ISSN: 1981-0431

Volume 28, 2022 (jan-dez).

http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas

Referência completa (APA):

Rodrigues, A. S. P., Sachinski, G. P., & Martins, P. L. O. (2022). Contribuições da revisão integrativa para a pesquisa qualitativa em Educação. Linhas Críticas, 28, e40627. https://doi.org/10.26512/lc28202240627

Link alternativo:

https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/40627

Licença Creative Commons CC BY 4.0.


Resumo: Este artigo objetiva verificar as contribuições da revisão integrativa para a pesquisa qualitativa em Educação. Serão delineadas discussões teóricas e o desenvolvimento de uma amostra de revisão integrativa. Os resultados obtidos afirmam que ao desenvolver uma revisão integrativa, o pesquisador compreende em profundidade sua área de pesquisa e pode verificar como a abordagem qualitativa se expressa nos estudos encontrados. A amostragem construída revelou o cuidado dos autores em refletir sobre a temática e o corpus analisado de maneira complexa e multidimensional, visão indispensável em pesquisas na área da Educação.

Palavras-chave: Pesquisa qualitativa. Revisão integrativa. Educação.

Resumen: Este artículo tiene como objetivo verificar las contribuciones de la revisión integradora a la investigación cualitativa en Educación. Por lo tanto, se esbozarán discusiones teóricas y el desarrollo de una muestra de revisión integradora. Los resultados obtenidos afirman que, al desarrollar una revisión integradora, el investigador comprende a profundidad su área de investigación y puede verificar cómo se expresa el enfoque cualitativo en los estudios encontrados. El muestreo construido reveló el cuidado de los autores por reflexionar sobre el tema y el corpus analizado de forma compleja y multidimensional, visión indispensable en la investigación en el área de Educación.

Palabras clave: Investigación cualitativa. Revisión integradora. Educación.

Abstract: This article aims to verify the contributions of the integrative review to qualitative research in Education. Therefore, theoretical discussions and the development of an integrative review sample will be outlined. The results obtained affirm that, when developing an integrative review, the researcher understands his research area in depth and can verify how the qualitative approach is expressed in the studies found. The sampling constructed revealed the care of the authors to reflect on the theme and the corpus analyzed in a complex and multidimensional way, an indispensable vision in research in the area of Education.

Keywords: Qualitative research. Integrative review. Education.




Introdução

Tendo em vista as reflexões a respeito da metodologia qualitativa em pesquisas na área da Educação, podemos nos ater, em um primeiro momento, ao significado da palavra “pesquisa”. Lüdke e André (2018) problematizam este aspecto, afirmando que este termo muitas vezes é comprometido por ser utilizado de maneira equivocada. Em muitos casos, o que ocorre é uma atividade de consulta — também importante para a aprendizagem, mas não suficientemente desenvolvida para ser chamada de pesquisa. Assim, “para se realizar uma pesquisa é preciso promover o confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico construído a respeito dele” (Lüdke & André, 2018, pp. 1-2). As autoras ressaltam ainda a necessidade de se delinear um problema para ser estudado — neste momento, cabe também o apontamento sobre a questão problema, o questionamento que move o pesquisador em seus estudos. A elaboração do pensamento científico necessita estar atrelada às inquietações do pesquisador que, quando sistematizadas, contribuem (ou pelo menos deveriam contribuir) para a construção da Ciência e do desenvolvimento do indivíduo na sua singularidade e na complexidade social em que transita.

Desta forma, podemos criar um paralelo entre o sentido lato do ato de pesquisar e o desenvolvimento da “curiosidade epistemológica”, advinda de Freire (2018, p. 31). Tal curiosidade segue a premissa da sistematização do conhecimento, parte de uma “curiosidade ingênua” que está relacionada aos questionamentos iniciais do pesquisador e quando alcança o status de problema de pesquisa, o pesquisador se encontra pronto para realmente iniciar a busca pelo desenvolvimento de determinado trabalho científico. É necessário ressaltar que o processo não é tão simples como parece, ele não é linear. Entre idas e vindas, o trabalho com a pesquisa se fortalece, nunca se esquecendo, claro, do rigor e da ética empregados. Diante deste processo, Lüdke e André (2018, p. 3) afirmam que:

O pesquisador, como membro de um determinado tempo e de uma específica sociedade, irá refletir em seu trabalho de pesquisa os valores, os princípios considerados importantes naquela sociedade, naquela época. Assim, a sua visão do mundo, os pontos de partida, os fundamentos para a compreensão e explicação desse mundo influenciarão a maneira como ele propõe suas pesquisas, ou, em outras palavras, os pressupostos que orientam seu pensamento vão também nortear sua abordagem de pesquisa.

No universo da pesquisa científica encontramos duas abordagens que norteiam os estudos: a abordagem quantitativa e a qualitativa. A primeira está vinculada às áreas das ciências físicas e naturais, referindo-se principalmente às análises estatísticas. Esta abordagem, de acordo com as autoras citadas acima, por muito tempo foi utilizada como orientadora dos estudos acerca dos fenômenos educacionais. Entretanto, “em Educação, as coisas acontecem de maneira tão inextricável que fica difícil isolar as variáveis envolvidas e, mais ainda, apontar claramente quais são as responsáveis por determinado efeito” (Lüdke & André, 2018, p. 4). Assim, a abordagem qualitativa, situada entre as Ciências Humanas e Sociais, apresenta-se como grande aliada da pesquisa em Educação, pois, nos permite compreender a área educacional em sua complexidade, verificando a multidimensionalidade das relações envolvidas no âmbito educacional. Não se pode excluir de toda forma a abordagem quantitativa da pesquisa em Educação, contudo, é nítido que a abordagem qualitativa se expressa de maneira significativa neste campo. Atrelada aos inúmeros instrumentos de coleta e produção de dados, bem como ao rigor do trabalho científico, a pesquisa qualitativa em Educação oportuniza a construção do conhecimento a partir da perspectiva de que “a situação de pesquisa é concebida mais como um diálogo, em que a sondagem, novos aspectos e suas próprias estimativas encontram o seu lugar” (Flick, 2013, p. 24).

Nesta perspectiva, no presente artigo apresentamos reflexões a partir de pressupostos teóricos acerca da pesquisa qualitativa, bem como considerações sobre a revisão integrativa, ambas no cenário da Educação. Como aporte teórico, utilizamos Flick (2013), André (2006) e Lüdke e André (2018) para as discussões acerca da abordagem qualitativa; e Vosgerau e Romanowski (2014), Botelho et al. (2011) e Schiavon (2015) para reflexões a respeito dos estudos de revisão, especialmente a revisão integrativa. O caminho metodológico traçado neste artigo se deu a partir da aproximação entre os teóricos citados. Ademais, será delineada uma amostra de revisão integrativa a fim de consolidar, na prática, as concepções traçadas.

Nosso objetivo central é verificar as possíveis contribuições da revisão integrativa para a pesquisa qualitativa em Educação, sabendo-se que este estudo de revisão, ao mesmo tempo que admite olhar qualitativo em seu próprio desenvolvimento, pode auxiliar na construção dos demais passos que o pesquisador irá trilhar em seu estudo qualitativo. Como questão norteadora temos: quais as possíveis contribuições da revisão integrativa para a pesquisa qualitativa em Educação? Problema este que também se expressa, como sentença afirmativa, no título deste estudo. Acreditamos que a aproximação entre estes dois aspectos — o estudo de revisão e a abordagem qualitativa — oportuniza grandes contribuições para o pesquisador na área da pesquisa educacional, visto que, ao entender a necessidade de se aprofundar nas propensões metodológicas (tendências, recorrências e lacunas) do objeto pesquisado, o pesquisador também amadurece na compreensão da abordagem qualitativa e imprime em seu estudo maior credibilidade e rigor metodológico. Entendemos que, ao empreender uma revisão integrativa, o pesquisador exercita também seu próprio olhar para a abordagem qualitativa e consegue visualizar os próprios passos a serem dados.

 

A pesquisa em Educação

André (2006) discute importantes aspectos acerca dos principais momentos da história da pesquisa educacional no âmbito brasileiro. A autora estabelece três grandes intertítulos, os quais chama de: “nascimento induzido” da pesquisa, a “conquista da maioridade” com a criação dos cursos de pós-graduação e o “crescimento” da produção e dos questionamentos sobre a qualidade da pesquisa. Em cada um destes pontos a estudiosa reflete e elucida bases históricas relacionadas à temática central. É importante ressaltarmos que este continuum apresentado por André (2006) é essencial para entendermos a trajetória (de modo panorâmico) dos próprios pesquisadores na área da Educação.

A autora esclarece que o primeiro momento se relaciona com a leitura psicológica do processo de educação escolar; em um segundo momento focaliza a formação de pesquisadores; em sequência predominam estudos de natureza econômica, visto que “eram tempos da ditadura militar e a educação era considerada um fator de desenvolvimento econômico, na perspectiva da teoria do capital humano” (André, 2006, p. 13). É importante ressaltar, ainda, que nestes anos iniciais, o lócus da pesquisa não era a Universidade: “a pesquisa era praticamente negligenciada nos orçamentos das universidades e em geral desempenhava papel secundário na carreira do professor universitário” (André, 2006, p. 14).

Considerando a institucionalização da pesquisa educacional, a estudiosa explica que na década de setenta há a implantação dos cursos de pós-graduação, sob forma regulamentada, com uma expansão muito rápida. Além disto, cria-se o Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas, em São Paulo, sob a coordenação de Bernadete Gatti. A produção científica passa para os âmbitos das universidades. Surgem, de maneira significativa, preocupações como a pobreza na abordagem teórico-metodológica e modismos na seleção dos referenciais de análise.

Refletindo sobre o crescimento da pesquisa educacional, André (2006) observa que os temas se ampliaram e se diversificaram, assim como os enfoques; as abordagens metodológicas também seguiram nesta direção, além do contexto de produção. A partir disto, “as novas modalidades de investigação provocam questionamento sobre a qualidade dos trabalhos desenvolvidos nos anos recentes e sobre as condições de produção do conhecimento científico” (André, 2006, p. 17).

Após ponderar sobre questões referentes à qualidade da pesquisa em Educação, trazendo à luz exemplos de produções acadêmicas que investigam isto, a estudiosa finaliza seu texto ressaltando a necessidade de lutar pela melhoria da qualidade em pesquisas, bem como das condições de produção do conhecimento, advertindo ser uma tarefa urgente para as universidades, programas de pós-graduação e para os pesquisadores da área educacional.

 

A revisão integrativa e sua importância para a pesquisa em Educação

Considerando que nos últimos anos houve grande expansão de programas, cursos, seminários e encontros na área da Educação, uma das consequências diretas deste fenômeno foi o crescimento de estudos e publicações relacionados a esta área. A partir deste panorama, apontado por Romanowski e Ens (2006), é possível questionarmos, como pesquisadores, quais temas estão sendo discutidos nas pesquisas desenvolvidas em Educação, bem como quais métodos, contribuições e indagações estão sendo focalizados pelos pares.

Vosgerau e Romanowski (2014, p. 167), ao delinearem reflexões acerca das implicações conceituais e metodológicas a respeito dos estudos de revisão, afirmam que “muitas vezes, uma análise das publicações pode contribuir na reformulação histórica do diálogo acadêmico por apresentar uma nova direção, configuração e encaminhamentos”. As estudiosas ressaltam ainda que:

As revisões são necessárias para pesquisadores iniciantes em uma determinada área do conhecimento. Esses estudos podem conter análises destinadas a comparar pesquisas sobre temas semelhantes ou relacionados; apontar a evolução das teorias, dos aportes teórico metodológicos e sua compreensão em diferentes contextos, indicar as tendências e procedimentos metodológicos utilizadas na área, apontar tendências das abordagens das práticas educativas. (Vosgerau & Romanowski, 2014, p. 168)

Diante dos estudos de revisão, situa-se a revisão integrativa, a qual apresenta, de acordo com as autoras, uma visão interpretativa dos resultados encontrados — tais resultados são obtidos por meio de pesquisa apurada em bancos de dados de periódicos. Assim:

Esses estudos [como a revisão integrativa] partem do princípio de que uma visão interpre­tativa das evidências seria mais adequada ao campo educacional, visto que os achados, os instrumentos de coletas e sujeitos participantes nor­malmente são variados, o que torna difícil a agregação ou contabilização de resultados. Dessa forma, os resultados qualitativos e as condições de aquisição desses resultados necessitam ser agrupados e reagrupados de forma interpretativa, por semelhanças, para que possam responder à questão central de pesquisa proposta. (Vosgerau & Romanowski, 2014, p. 179)

Segundo Botelho et al. (2011), pode-se entender a revisão integrativa como um recurso metodológico que possibilita a sistematização do conhecimento científico (seja ele desenvolvido teórica ou empiricamente) e a visualização de novas perspectivas para novas pesquisas. A partir de uma visão interpretativa das evidências, este tipo de estudo de revisão permite incluir estudos que adotam diferentes metodologias tanto com abordagens qualitativas quanto quantitativas. A Figura 1 ilustra a concepção — e as particularidades — de uma revisão integrativa tendo como base Botelho et al. (2011).


Figura 1

Características da revisão integrativa

Nota: Para a composição deste mapa conceitual utilizou-se o software CmapTools.

Fonte: As autoras.

A partir da Figura 1 podemos compreender aspectos para a concepção da revisão integrativa: o que ela é e qual seu objetivo principal. Esta opção de estudo de revisão é um método específico, porque apresenta suas singularidades, como a oportunidade de fornecer uma compreensão mais abrangente de um fenômeno particular. Além disto, mostra-se significativa, porque contribui para o desenvolvimento de teorias, ou seja, oportuniza uma melhor compreensão do objeto estudado. O objetivo de uma revisão integrativa confirma, também, sua especificidade, visto que focaliza traçar uma análise sobre conhecimento já construído, permitindo visualizar caminhos para pesquisas futuras.

Desta maneira, é possível ressaltar, de forma a complementar as reflexões até aqui delineadas, que a revisão integrativa auxilia também o pesquisador se atualizar na área pesquisada. Ao entender melhor o seu próprio campo de estudo, oportuniza-se ao indivíduo que pesquisa ir além da sua própria zona de conforto, a qual, muitas vezes, se apresenta no cotidiano acadêmico. Ao construir novos conhecimentos, o pesquisador, especialmente o pesquisador em Educação, retoma aqueles que para ele são referências — e ele próprio pode se tornar, para futuros interessados, base para o desenvolvimento de novas perspectivas.

 

Pesquisa qualitativa e a revisão integrativa: caminhos possíveis na Educação

A fim de estruturarmos um caminho metodológico que possibilitasse a discussão das concepções aqui delineadas e da aproximação proposta, optamos por realizar leituras críticas de teóricos que são base da área da metodologia de pesquisa, assim como estudiosos da área dos estudos de revisão. Em comunhão com tais reflexões, apresentamos o desenvolvimento de uma amostra de revisão integrativa com a temática do ensino de gramática de língua latinas, focalizando as áreas da Educação e Letras/Linguística. Tal revisão, aqui vista como um exemplo de aplicabilidade, vai ao encontro dos nossos projetos de pesquisa no âmbito do stricto sensu, logo, para nós, esta revisão se mostrou significativa em diversas esferas do conhecimento.

Lüdke e André (2018), ao discutirem sobre a pesquisa qualitativa, apontam a necessidade do aprofundamento da revisão de literatura, afirmando inclusive que esta revisão não fica restrita apenas aos primeiros passos da pesquisa, ao contrário, o pesquisador pode retornar ao estudo de revisão durante a produção de dados. Segundo as autoras, a retomada poderá auxiliar muito na análise que será desenvolvida. “Relacionar as descobertas feitas durante o estudo com o que já existe na literatura é fundamental para que se possam tomar decisões mais seguras sobre as direções em que vale a pena concentrar o esforço e as atenções” (Lüdke & André, 2018, p. 55).

A revisão integrativa, como um recurso metodológico específico que oportuniza um dos passos para uma pesquisa qualitativa, pode ser estruturada a partir de seis etapas, apresentadas por Botelho et al. (2011): 1ª etapa: identificação do tema e seleção da questão de pesquisa; 2ª etapa: estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão; 3ª etapa: identificação dos estudos pré-selecionados e selecionados; 4ª etapa: categorização dos estudos selecionados; 5ª etapa: análise e interpretação dos resultados; e 6ª etapa: apresentação da revisão/síntese do conhecimento.

Atrelada a estas etapas encontramos a proposta de protocolo de pesquisa, segundo Schiavon (2015). A partir deste protocolo, o pesquisador delimitará o tipo de estudo de revisão (nesta proposta: revisão integrativa); a identificação do tema do estudo; a questão de pesquisa; a definição dos descritores e os bancos de dados que serão utilizados. Esta autora também traz considerações acerca dos operadores booleanos, sendo os mais utilizados na pesquisa em periódicos: and, or, not.

O protocolo de pesquisa por nós elaborado se relacionou com a identificação do tema e seleção da questão de pesquisa, como mostra o Quadro 1:


Quadro 1

Protocolo de pesquisa

Tipo de estudo de revisão

Identificação do tema do estudo

Questão de pesquisa

Definição dos descritores

Bancos de dados que foram utilizados

Revisão Integrativa

O ensino da gramática das línguas latinas

Quais as abordagens/estratégias no ensino de gramática das línguas latinas?

("ensino" OR "aprendizagem" OR "enseñanza" OR "learning") AND "gramática"

SciELO

Fonte: As autoras.

Como critérios de inclusão e exclusão estabelecemos que o artigo deveria ter sido desenvolvido na área de Letras, Educação ou Linguística; e deveria abordar o ensino de gramática de uma das línguas latinas (português, espanhol, francês ou italiano). Aplicamos alguns filtros (opções dadas no canto esquerdo da base de dados): restrição para idioma e área temática. Obtivemos 80 artigos filtrados. Realizamos a importação dos arquivos encontrados na SciELO para o software Mendeley para, posteriormente, começar a análise.

Na sequência, realizamos a identificação dos estudos pré-selecionados e selecionados utilizando o próprio Mendeley. Utilizando os critérios de inclusão e exclusão, apontados anteriormente, iniciamos a classificação do corpus em: “Não, fora do escopo” (artigos que não eram da área de Letras, Educação ou Linguística, ou artigos que não abordam o ensino de gramática de uma das línguas latinas), “Sim, com certeza” (artigos que atendem às expectativas de área do conhecimento e temática) e “Sim, possivelmente” (artigos que nos deixaram na dúvida porque apenas o título foi lido, resumo e palavras-chave que necessitam de uma leitura mais aprofundada para decidirmos sobre a inclusão ou não do documento na próxima etapa do estudo). Abaixo, segue o resultado desta etapa:

Quadro 2

Identificação inicial do corpus

Pastas / Identificação

Número de artigos

Não, fora do escopo

41

Sim, com certeza

23

Sim, possivelmente

16

Total de artigos

80

Fonte: as autoras.

Como sugerem Botelho et al. (2011, p. 130), “nos casos em que o título, o resumo e as palavras-chave não sejam suficientes para definir sua seleção, busca-se a publicação do artigo na íntegra”. Desta maneira, fizemos a leitura na íntegra dos artigos que identificamos como “Sim, possivelmente”, para então finalizar esta terceira etapa do estudo de revisão com o corpus dividido em “Não, fora do escopo” ou “Sim, com certeza”.

Após a leitura dos 16 artigos verificados, em um primeiro momento, como possível corpus deste estudo de revisão, identificamos 5 deles como válidos e 11 como fora do escopo. As produções acadêmicas não selecionadas para esta pesquisa ficaram registradas no Mendeley para futuros estudos. Desta forma, há a seguinte reformulação da identificação do corpus:

Quadro 3

Identificação final do corpus

Pastas / Identificação

Número de artigos

Não, fora do escopo

52

Sim, com certeza

28

Total de artigos

80

Fonte: as autoras.

Após concluirmos a identificação dos estudos pré-selecionados e selecionados, realizamos a leitura integral de todos os artigos classificados como “Sim, com certeza” e a releitura daqueles que já havíamos lido, para então iniciarmos a 4ª etapa: categorização dos estudos selecionados. Desta maneira, elaboramos a matriz de síntese (Botelho et al. 2011, p. 131). É necessário ressaltar que em meio ao processo de leitura crítica dos artigos depreendemos marcações próprias, bem como anotações que nos auxiliaram no desenvolvimento da matriz de síntese. Construímos, no software Excel, uma planilha de detalhamento do corpus da pesquisa. Ao longo das leituras, alimentamos a plataforma com as seguintes informações de cada produção acadêmica: identificação, referência completa, título, problema/questão de pesquisa, objeto de estudo, objetivos, aporte teórico principal, abordagem, universo/sujeitos da pesquisa, metodologia, exemplos de resultados e principais conclusões.

Considerando a revisão até aqui esboçada, construímos, em um primeiro momento, uma matriz de análise como amostra deste estudo de revisão. É necessário destacar que a todo momento estivemos retornando aos artigos e à planilha de detalhamento para que a matriz desta amostra fosse construída de maneira coerente. Abaixo, segue a matriz delineada, também desenvolvida no Excel. Outro aspecto necessário de ser pontuado é que, para o desenvolvimento desta amostra/matriz, consideramos os artigos que versavam acerca da gramática de Língua Portuguesa (LP).


Quadro 4

Matriz de análise

Item avaliado

Reflete sobre a história do ensino de gramática de LP

Problematiza o ensino tradicional da gramática de LP

Reflete sobre o ensino contextualizado da gramática de LP

Apresenta exemplos de abordagens tradicionais de ensino

Apresenta exemplos de abordagens inovadoras de ensino

Analisa o ensino de gramática a partir das práticas de professores de LP

Configura-se como uma pesquisa qualitativa

Angelo (2010)

X

X

X

X

 

X

X

Aparício (2010)

 

X

X

 

X

X

X

Araújo et al. (2021)

 

X

X

 

 

 

X

Brito (2011)

 

X

X

 

 

 

X

Buin (2004)

X

X

X

X

X

X

X

Coelho e Fontes (2019)

X

X

X

X

X

 

X

Giacomin e Cerutti-Rizzatti (2019)

X

X

X

X

X

X

X

Gonçalves-Segundo (2017)

X

X

X

X

X

 

X

Petri e Cervo (2019)

X

X

 

 

X

 

X

Puzzo (2012)

X

X

X

 

X

 

X

Silva (2010)

X

X

X

X

X

X

X

Silva et al. (2010)

X

X

X

X

X

 

X

Fonte: as autoras.

Os dois últimos passos (análise e interpretação dos resultados; e apresentação da revisão/síntese do conhecimento) se delinearam como finalização da amostra aqui exemplificada.

Tendo em vista a matriz de análise construída, conseguimos traçar um paralelo interpretativo sobre os dados sistematizados. O primeiro ponto que merece destaque refere-se à preocupação que os autores demostraram em apresentar o contexto histórico do ensino de gramática de LP — apenas 03 artigos não sinalizam este aspecto. Isto nos indica que a gramática foi situada no tempo e no espaço educacional, corroborando para o segundo item avaliado: a problematização do ensino tradicional da gramática de Língua Portuguesa. O tradicionalismo e a mecanicidade desta área do conhecimento se relacionam, historicamente, com uma visão cartesiana de ensino, que visa principalmente o produto da aprendizagem, bem como fórmulas prontas, privilegiando a ordem e a repetição.

O ensino contextualizado da gramática de LP é evidenciado em quase todos os estudos — apenas 01 artigo não reflete sobre este item. Percebemos que o aporte teórico escolhido pelos autores contempla, por exemplo, perspectivas de Mikhail Bakhtin, estudioso da linguagem que reflete sobre dialogismo e construção de sentido; e Maria Helena de Moura Neves, linguista que discute acerca dos usos da gramática de LP e a gramática escolar no contexto linguístico. Corroborando, assim, para aprofundamento da importância de um ensino significativo da gramática.

A respeito das abordagens de ensino, item central desta amostra de revisão integrativa, considerando a questão de pesquisa delineada, o que mais chamou nossa atenção foi que, quando apresentadas abordagens tradicionais, as abordagens inovadoras surgiam em paralelo, afirmando a necessidade de superação do tradicionalismo — apenas um artigo cingiu-se à apresentação da análise sobre abordagens tradicionais. Os três artigos que focalizaram a análise acerca das abordagens inovadoras problematizaram, anteriormente, o ensino tradicional da gramática de LP, contribuindo para uma interpretação em prol da necessidade da gramática contextualizada.

O penúltimo item verificado diz respeito às práticas de professores de LP no ensino de gramática. A amostra analisada nos revelou que menos da metade dos artigos analisaram este aspecto. É interessante, agora, cruzar este item com o segundo analisado. Todos os artigos problematizam o ensino tradicional da gramática de LP, contudo, apenas 05 autores discutem sobre a prática pedagógica. Entendemos que há uma priorização da teoria sobre a prática. Os estudos mostram a necessidade de reflexões teóricas, entretanto, não podemos deixar que a prática de ensino e a experiência dos docentes tornem-se algo desconexo ou negligenciado. Este item nos mostrou, inclusive, novos caminhos para análises como, por exemplo, um novo questionamento: a prática pedagógica dos docentes de LP está presente nos estudos sobre o ensino de gramática?

O último aspecto que compõe nossa matriz de análise confirmou que todos os artigos analisados se configuram como pesquisa qualitativa. Este ponto confirma o cuidado dos autores em refletir sobre a temática e o corpus analisado de maneira complexa e multidimensional, visão indispensável em pesquisas na área da Educação.

 

Sistematizações advindas da aproximação entre pesquisa qualitativa e revisão integrativa

A partir das reflexões acerca da revisão integrativa e a prática do estudo de revisão, entendemos que em muito ela contribui para a pesquisa qualitativa, em especial na área da Educação. É possível afirmarmos que com esta aproximação, o pesquisador compreende em profundidade sua área de pesquisa; pode verificar como a abordagem qualitativa se expressa nos estudos encontrados e desenvolve olhar qualitativo sob a revisão integrativa, visto que não apenas quantifica os documentos encontrados, mas os analisa, interpretando-os e desenvolvendo análise crítica sobre eles. Ademais, aplicando a sistematização de uma revisão integrativa (seguindo etapas e um protocolo), o pesquisador pratica o desenvolvimento do rigor metodológico que a pesquisa científica exige, aderindo à abordagem qualitativa com maior consciência e senso crítico.

Tendo em vista a amostra proposta, é necessário pontuarmos que a revisão integrativa delineada evidenciou que as abordagens tradicionais de ensino apresentadas nos artigos focavam, principalmente, em práticas de memorização da gramática normativa da LP. As abordagens inovadoras apontadas versam, por exemplo, sobre “a inclusão do nível semântico-pragmático na análise de categorias da gramática tradicional” (Aparício, 2010), “apontar e classificar os problemas de modo a orientar o aluno na busca de soluções para a refação de seu texto” no nível gramatical (Buin, 2004) e “a necessária construção de indagações de ordem semântico-discursiva e contextual” (Gonçalves-Segundo, 2017). Desta maneira, entendemos que as abordagens inovadoras se configuram como propostas contextualizadas para o ensino da gramática de LP e as abordagens tradicionais permanecem estanques no plano cartesiano de ensino.

Ressaltamos também que no desenvolvimento de uma revisão integrativa, o pesquisar pode, se desejar, apropriar-se de softwares — como Mendeley, Excel, ATLAS.ti, entre outros —, e isto também é um aspecto que pode ser atrelado ao desenvolvimento de uma pesquisa qualitativa complexa, visto que “com o desenvolvimento da internet, tanto a abordagem qualitativa quanto a quantitativa podem agora ser usadas em novos contextos” (Flick, 2013, p. 25). Nesta perspectiva, novos estudos podem ser desenvolvidos como, por exemplo, a tríade entre abordagem qualitativa em Educação, estudos de revisão e recursos tecnológicos para a pesquisa. O que refletimos neste artigo pode ser ampliado de diversas maneiras e reformulado se assim for necessário, uma vez que consideramos o conhecimento como algo em movimento, jamais estático.

Ao refletirmos sobre a ação de pesquisar como um dos verbos da Língua Portuguesa, verificamos que ele se classifica como um verbo transitivo, ou seja, requer um complemento: quem pesquisa irá pesquisar sobre algo. Este “algo”, aqui estabelecido de modo genérico, mostra-se para o pesquisador a partir de suas próprias indagações, suas experiências cotidianas e profissionais etc. Quando este objeto de pesquisa se relaciona com a área educacional, podemos afirmar que estamos diante também de uma pesquisa social, uma vez que “os fenômenos que estuda a pesquisa educacional são os ‘fenômenos educacionais’. Estes são todos ‘fenômenos sociais’. Como tais, devem ter certas características gerais que os permitem diferenciar de outros fenômenos” (Triviños, 1987, p. 126).

Desta forma, entendemos que a aproximação entre a revisão integrativa e a pesquisa qualitativa em Educação é profícua e necessária, visto os inúmeros e significantes caminhos que se abrem para a construção do conhecimento do próprio pesquisador e da área do conhecimento a qual ele colabora.

 

Considerações gerais

Ao delinearmos a revisão integrativa aqui verificada como uma amostragem, identificamos informações sobre a área em que nos debruçamos para estudar de maneira qualitativa: além de aspectos teóricos sobre o ensino de gramática de Língua Portuguesa, observamos quais metodologias nossos pares estão empregando em suas pesquisas. Oportunizou-se, para nós como pesquisadoras, a apropriação de como a abordagem qualitativa está sendo inserida nos estudos encontrados. Além disto, nosso olhar sobre a pesquisa qualitativa se tornou mais complexo, mais aprofundado, por exemplo, no que se refere às reflexões sobre ensino tradicional de gramática de LP e ensino contextualizado desta área do conhecimento.

Tendo em vista as perspectivas teóricas aqui elencadas, bem como a aproximação das considerações acerca dos estudos de revisão e da pesquisa qualitativa em Educação, pensamos que o objetivo central deste artigo — verificar as possíveis contribuições da revisão integrativa para a pesquisa qualitativa em Educação — se cumpriu de maneira significativa, como também a questão norteadora — quais as possíveis contribuições da revisão integrativa para a pesquisa qualitativa em Educação? — foi respondida, visto as inúmeras contribuições da revisão integrativa para a pesquisa em Educação, desde a compreensão mais aprofundada do objeto estudado até o surgimento de ideias para novos estudos, aspectos que se mostraram presentes na construção da amostra de análise apresentada. Compreendemos que a revisão integrativa oportuniza não a consolidação fixa de determinado conhecimento, mas a possibilidade de gerar mais questionamentos sobre o corpus estudado, fazendo com que, muitas vezes, as proposições iniciais sejam ampliadas ou até mesmo modificadas.

Ademais, é necessário ressaltar que a amostra apresentada foi essencial para compreendermos a dinâmica da revisão integrativa para a pesquisa qualitativa em Educação. Percebemos que nosso nível de interpretação e aprofundamento acerca do corpus se deu de maneira significativa. Destacamos, por exemplo, a reflexão sobre a maneira como o ensino tradicional da gramática de LP vincula-se à contextualização histórica das práticas pedagógicas encontradas nesta área do conhecimento. Tal amostragem, além de contribuir com o desenvolvimento deste artigo, ajudou-nos a amadurecer o olhar para a nossa área de pesquisa — ensino de gramática de Língua Portuguesa. As etapas vislumbradas em Botelho et al. (2011) e o protocolo de pesquisa advindo de Schiavon (2015) forneceram subsídios para que conseguíssemos organizar e aprofundar nosso estudo de revisão, cooperando para uma análise significativa e fomentando novas questões de pesquisa.

 

Referências

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[i] Mestra em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná (2019). Professora titular da Universidade Cesumar.

[ii] Graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2018). Professora no Colégio Bilíngue COC Araucária.

[iii] Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (1996). Professora titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.